segunda-feira, 18 de março de 2024

Resenha #327 Matando Gigantes (Cláudia Dugim)


Matando Gigantes é uma obra da Coleção Futuro Infinito da Editora Patuá que ainda estava devendo a leitura. Claudia Dugin participou da antologia Outros Brasis da Ficção Científica, que organizei, e foi organizadore da excelente Violetas, Unicórnios e Rinocerontes da mesma coleção. Então, sabia do talento para o conto, mas quis conferir como se sairia na narrativa longa.

A história se passa em uma nave geracional em busca de colonizar um planeta semelhante a Terra. Os personagens já estão há algumas gerações e vislumbram ser a primeira geração de colonos a pisarem em terra firme. Mas a chegada não será pacífica, tampouco sem problemas. Temos dois núcleos principais, no primeiro uma raça de seres humanoides verde/azulados com guerreiros que caçam gigantes pois não sabem outra forma de viver. No segundo, os humanos que vivem na nave colonial, em guetos de brasileiros e demais povos remanescentes da Terra tendo de lidar com assassinatos misteriosos que acirram as tensões entre a população pobre com a pequena elite da nave colônia. Logo descobrimos que são os pequeninos mas independente de quantos saibam disso, uma revolta está prestes a eclodir.

A situação que os personagens vivem é ao mesmo tempo completamente maluca e inusitada, ao colocar essa raça de pequeninos que vivem em uma comunidade anárquica (não conhecem a existência e/ou a necessidade de um Estado) onde o amor é livre e não se desenvolveu o preconceito dentro do próprio povo. Isso faz gostarmos imediatamente deles, ao menos até descobrirmos quem eles estão matando. A comunidade humana da nave geracional, foi outra coisa muito bem construída no seu aspecto político. É muito bom ver esse cenário ser construído sem a ingenuidade de imaginar que uma nave colônia serviria apenas para espalhar a presença humana pelo espaço porque é legal, afinal uma nave destas construída no capitalismo obviamente levaria a desigualdade, o racismo e o nacionalismo junto com ela. Uma nave colônia é como qualquer outra colônia: serve apenas para a exploração.

Há outras camadas que cabe contar aqui: a vida dos pequeninos é anárquica nos costumes, não apenas na figura de comando dos Guerreiros por Cherv e de Uor dos Conhecedores, mas na vida regada pelo prazer que acaba se colocando a frente de praticamente todas as preocupações na vida dos pequeninos, beirando a ingenuidade. Já do lado dos humanos, temos as personalidades fortes das articuladoras da revolta, principalmente na figura de Mama Bá, uma estrategista notável com uma vida toda dedicada a resistência. Foi minha personagem preferida e foi uma pena não ver mais dela.

O tratamento pragmático me surpreendeu positivamente, dando espaço para momentos satisfatórios, mas sem cair num ingênuo final feliz puro. Uma obra rende horas de conversa num bar. O que eu poderia querer mais?

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segunda-feira, 11 de março de 2024

Resenha #326 Básico Instinto (Fausto Fawcett)


Básico Instinto é uma obra que mostra como o artista carioca é fiel ao seu objetivo. É uma coleção de contos, praticamente todos passados nas ruas selvagens do Rio de Janeiro onde Katia Flávia, a Godiva do Irajá sai em vingança louca pela morte do seu homem. A verdade é que as histórias são simples, o que encanta ou causa repulsa, mas nunca passa incólume, é a linguagem explosiva de Fausto Fawcett. Há palavrões, mas nenhum está de graça, nem qualquer cena chocante. Tudo serve para compor esta versão brasileira, visceral e cruel do útero podre da grande metrópole.

As histórias, contudo, são as mais simples possíveis. Uma história de vingança. Um maluco homicida em fuga. Mais de uma vez temos o encontro de um homem e uma mulher que vem de pontos diferentes com histórias de vida em que os deixa sem nada a perder e que tem um encontro de almas regado a sexo louco (como em Santa Clara Poltergeist). Experimentos biológicos e genéticos. A ultima sessão do livro tem contos curtissimos que montam um mosaico de um futuro onde idosos são discriminados por precisarem tornar-se ciborgues e entregar pizza para sobreviver, entre outras maluquices.

Ler Fawcett é uma experiência única e quem gosta e não liga para as repetições, pois sempre quer mais e quem não gosta vai descobrir lendo um ou dois contos que isso não lhe serve. Eu gosto e quero mais.

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segunda-feira, 4 de março de 2024

Resenha #325 As Artes Mágicas do Ignoto (G. G. Diniz e Dante Luiz)

As Artes Mágicas do Ignoto foi uma daquelas campanhas no Catarse que eu queria ter participado mas acabou ficando fora do orçamento. Felizmente a editora Corvus colocou em sua lojinha virtual e entrou para a minha lista de leituras. Adorei a proposta de homenagear a Rainha do Ignoto de Emília de Freitas. Achei que seria um resgate direto, alguma espécie de continuação moderna da história original, mas na verdade trata-se mais de uma versão brasileira de uma escola de magia, que já existe por ai. Confesso que fiquei em dúvidas se seria bom ou não. Felizmente minhas dúvidas foram dirimidas e a leitura me empolgou mais que esperava.

Todos os contos se passam no mesmo universo, no mesmo lugar. O Instituto Ignoto, que fica instalado em uma ilha mágica embarcada no casco de uma tartaruga gigante que perambula pela costa norte e nordeste do Brasil. Temos a presença de alguns personagens que aparecem em todos os contos, quase sempre como coadjuvantes. O diretor Balthazar e a bibliotecária Fabiana, além do Arnaldo, o vira-lata caramelo que perambula pela escola e, como toda boa escola, tem seu cãozinho mascote involuntário. Há também pequenos inserções de personagens que me arrancam sorrisos de canto de boca quando percebidos. Contudo, isso é apenas um tempero para o que realmente importa. Há uma criação de mundo permeando histórias sensíveis, divertidas e tocantes num ambiente escolar e mágico. Vale citar a representatividade em todos os protagonistas das histórias. Acredito que esta é o maior legado da obra de Emília Freitas, pois em seu tempo a escritora pôs sua pena a defender a causa das mulheres, da abolição e do espiritismo (muito contestador na época, não o lamentável antro de conservadorismo barato de hoje) e vislumbrou um lugar onde a magia para o bem fluía livremente e podem ter certeza que o Instituto Ignoto é exatamente isso. 

A antologia abre com 2+2 da co-organizadora G. G. Diniz, onde uma física talentosa tenta provar uma tese mas não leva em consideração o que estava na sua cara o tempo todo. Em Anexo de Delson Neto conta sobre Jussara, uma RH do Instituto, que leva seu trabalho a sério demais até que seu próximo entrevistado para uma vaga em aberto para professor de Artes que leva a vida de forma tão bagunçada quanto o longo dia que a aguarda. Conto muito divertido, muito diferente da pegada de seu livro cybeprunk. Entre Terra e Mar, (Larissa Usuki) conta sobre suas meninas, uma sereia e uma aprendiz de magia, que passam a se gostar tanto quando gostariam de levar a vida uma da outra. Segredos da Noite (Sol Chioro) começa com um encontro noturno ao acaso com um espírito e sua irmã com uma ex-aluna e se desenrola num mistério que só eles e uns latidos podem resolver. Filho de Ossaim (Camila Cerdeira) explora os adeptos de religiões afro-brasileiras dentro da escola que lutam invocando espíritos e orixás contra uma desconhecida hora de seres medonhos enquanto um amor tenta florescer. Destinos Trançados (Lavínia Rocha) é uma das histórias mais fofas do livro. Uma típica paixonite leva uma menina a colocar seu grande amor numa enrascada. A narração é feita cheia de interferências divertidas que combinam muito com o texto. Uma pena não haver mais variações narrativas no livro. Justiça (L. V. Matos) fala sobre o bullying quando uma menina que sofre abuso de outra maior ganha uma poção que permite controlar a vontade de sua valentona. Fora d'Agua de Waldson Souza trouxe a história de um rapaz pertencente a uma raça de seres aquáticos que nunca soube de sua mãe até que recebe a notícia de sua morte e tem que tomar decisões muito importantes para sua idade. Uma das histórias melhor escritas do livro, pois o autor tem um domínio e habilidade na condução dos dilemas complicados, tornando-os atrativos na leitura. Desenlaços (Nair Nascimento) conta a história de uma meia caipora que regressa ao Instituto Ignoto, mesmo sem boas lembranças do lugar, e carregando seu dom de conversar com espíritos. Achei bastante maduro e com uma história muito intrigante. Encerrando a antologia, Os Princípios da Confiança (Dante Luiz) tem o diretor Balthazar como protagonista com uma história sobre mestres e aprendizes, que aprofundou o personagem com apenas uma decisão que lhe cabia tomar. Gostei tanto do personagem e do seu tratamento na história, que acho merecedor de um livro só para narrar sua vida no Instituto.


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segunda-feira, 26 de fevereiro de 2024

Resenha #324 Primeiras Estórias (João Guimarães Rosa)

Primeiras Estórias de João Guimarães Rosa é uma coleção de contos do autor clássico. Como é uma obra de um autor clássico. Os resumos de cada história analisados em toda sua simbologia e relevância  podem ser encontrados em resumos escolares na internet. Este blogue não se pretende a ajudar estudantes de literatura a fazer trabalhos, apenas relatar breves impressões dos livros que li. A obra tem o seu conto mais reconhecido, A terceira margem do rio, definitivamente o mais intrigante e profundo do livro. Onde um menino passa a vida inteira tentando lidar com o pai que decidiu ficar parado em uma canoa no rio esperando que ele voltasse. A leitura mais óbvia é que se trata de um conto sobre o luto e confesso que me tocou profunda e pessoalmente.

Há outros contos muito gostosos de ler e outros nem tanto. Guimarães Rosa tem uma escrita bem peculiar, e difícil de se acostumar. Para mim ficou mais fácil imaginar que estava declamando a história (já que ler alto estava fora de cogitação para mim). Senti um ritmo de fala na forma de organizar os pensamentos, como se as coisas saíssem sem pensar em ordem mas obviamente o texto foi muito bem planejado pelo autor, que insere muitas sensações do jeito simples de falar do povo que vive em suas histórias. Há um artigo acadêmico em forma de introdução na obra que sinceramente pulei antes da metade de suas quarenta páginas. Confesso que ele poderia ter me ajudado a gostar mais do autor, mas não tenho mais a mesma paciência para textos técnicos como tinha há dez anos. Se caso este livro cair em suas mãos (como foi o meu caso) pode ler inteiro, mas se tiver dúvidas, comece por A terceira margem do rio e pare se não gostar deste. Depois dê outra chance quando adquirir mais experiência como leitor.

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segunda-feira, 19 de fevereiro de 2024

Resenha #323 Paraíso Líquido (Luiz Brás)

Paraíso Líquido de Luiz Bras é uma coleção de contos de 2010 onde já podemos ver as aventuras narrativas e que marcam sua ficção científica, antes de adicionar o humor que hoje é mais presente nos seus contos. O livro abre com Primeiro contato, uma história que embarca no universo infantil de uma aventura doce e sincera. Virando do avesso, Memórias é uma história que hoje chamaríamos de muito Black Mirror, mas antes de Black Mirror (2011) em que uma mulher duvida de tudo a sua volta, família, casa e relacionamentos. A tensão impera nos diálogos tensos e uma revelação estarrecedora. Nuvem de cães-cavalos parece acontecer no mesmo universo do conto anterior, com um encontro/duelo de um homem e uma jovem alucinação. Já Daimons é uma cruel brincadeira de entidades encarnadas em brinquedos com crianças inocentes, que poderia ser de um terror oitentista mas mais pesado.

Aço contra osso é um jogo de gato e rato virtual. Nostalgia começa como uma história de paranoia, bem philipkdickiana, onde não sabemos o que é real e não, para nos brindar com um final muito intrigante. Déja-vu é uma história de viagem no tempo que pode ser lida de trás para frente. Coisa que fiz assim que terminei o último conto e funciona muito bem. São Paulo, 31 de julho de 2013 é um conto epistolar com uma dose cavalar de sarcasmo, assim como Cruzada, que segue com o sarcasmo sobre a nossa pequenez frente a um grande mistério. Futuro presente é outra história de viagem no tempo, usando uma premissa antiga, um personagem congelado por muitos anos acordando num longínquo futuro, com o diferencial de que ela começa a história nos revelando que sabe quando vai morrer. Singularidade nua nos joga na space ópera com uma missão controlada por crianças trigêmeas criadas para habitarem em suas naves, para investigar um misterioso buraco negro. Protagonistas e figurantes conta a história de um acidente que atravessa a vida de várias pessoas que tiveram o azar de estar no lugar errado na hora errada, juntando um mosaico de pessoas e situações. Um quebra-cabeça cyberpunk. Por fim, Paraíso líquido é o maior conto e, por ter o nome do livro, o que mais me gerou expectativas, contudo, não consegui me conectar com a história e os personagens, que são elementos e emoções. 

Mesmo não curtindo o último conto, o livro é muito bom. Como é uma reunião de contos publicados em revistas e antologias, se apresentam em várias abordagens e tamanhos diferentes, mas dali podemos vislumbrar as experimentações, o trato na linguagem e um escritor que vai deixando o pessimismo de lado e começa a abraçar o humor, adicionando a brasilidade na sua ficção científica.

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terça-feira, 13 de fevereiro de 2024

Resenha #322 Obra Completa (Murilo Rubião)

Obra Completa de Murilo Rubião, como o nome sugere, traz toda a obra do contista que se tornou um antecipador magnífico do que seria chamado de realismo mágico no Brasil. Para quem gosta do estilo de Frans Kafka, Gabriel Garcia Marques, Adolfo Bioy Casares e Júlio Cortázar, vai gostar muito destes contos. O que mais marca nas leituras é a capacidade do autor de jogar o leitor nas situações mais diversas e malucas. Efeito esse que aumenta quando você lê vários contos em sequência. Nem todas as situações são sobrenaturais, mas a estranheza que perpassa as situações independe do lado mágico, ainda que este é potencializado quando aparece. Um dos contos que me marcou foi o de um grupo de filhos adotivos, vindas de famílias famélicas, de um fazendeiro que abusava física e psicologicamente deles. Uma vez que o velho morreu, os irmãos se juntam em casais (sabem que não são irmão de sangue) e tentam se achar nesse mundo com a moral que aprenderam. Outro conto que gostei muito foi O Edifício antecede em muito o tema de A torre da Babilônia de Ted Chiang, mas com uma cara ironicamente mais moderna, ao acompanhar um engenheiro responsável por erguer uma torre de centenas de pisos, porém havia uma previsão de que haveria uma grande crise quando chegasse no andar de número oitocentos. Nem todos os contos são bons como estes mas todos são bem curtos e chegam (ou não) logo onde o autor pretende chegar. Infelizmente o autor não é tão conhecido, mas se você der uma chance com este livro não vai precisar de mais nenhum outro, mesmo querendo ler mais.

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segunda-feira, 5 de fevereiro de 2024

Resenha #321 Jogo da (im)paciência (Giselle Fiorini Bohn)

Jogo da Im(paciência) é um livro de microcontos escrito pela Giselle Fiorini Bohn, que se encaixa numa modalidade literária pouco explorada, que são os microcontos. Como o nome sugere, são contos muito menores que contos comuns, na qual o autor explora a técnica de contar uma história com poucas linhas. Giselle mostra o que aprendeu neste livro com um livro muito bem montado, dividido em quatro partes (uma para cada naipe do baralho) e cada parte contendo treze contos (um para cada carta do naipe) e, além disso, cada uma dessas partes faz uma abordagem diferente, sendo alguns mais ácidos, outros mais cômicos, outros mais românticos e outros trágicos.

Dentro dos vários estilos de microcontos, Giselle constrói histórias completas com enredos grandes para tão poucas palavras em cada história, mas sem perder uma das coisas mais bacanas do microconto que é a capacidade de deixar o leitor completando e complementando a história com a própria imaginação. O microconto torna-se assim, muito mais instigador que a fonte de toda a história contada. Como num bom livro de microcontos, cada conto tem uma página (e não mais que isso) para chamar de sua e Giselle explora enredos emocionantes, no sentido amplo e variado da palavra, numa coleção que é tanto uma excelente forma de apresentar o microconto quanto para leitores experientes.

Para conhecer mais sobre a arte do microconto, recomendo o podcast do portal Lume onde Giselle foi entrevistada junto com Fernanda C. Barbetta e com este que vos bloga!

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segunda-feira, 29 de janeiro de 2024

Resenha #320 Venha ver o por do sol e outros contos (Lygia Fagundes Telles)

Venha ver o por do sol e outros contos de Lygia Fagundes Telles é uma coleção de contos bastante popular entre as leituras de escola. Como trabalho em uma este livro caiu em minhas mãos. Apenas 100 páginas, contendo oito contos curtos, que podem ser lidos tranquilamente em um ou dois dias, ou em uma semana se você estiver muito atarefado. Os contos são de mistério, alguns brincam bastante com a barreira entre o real e o fantástico, sem se importar em deixar explicado se algo é sobrenatural de fato. Principalmente o conto que dá título ao livro "Venha ver o pôr do sol", outros brincam com a perspectiva do protagonista como "O noivo" e "O Menino". O suspense não está em uma trama mirabolante mas nas frases curtas e ágeis, muitas vezes tirando nosso fôlego e na habilidade de cercar o problema nos revelando aos poucos o que está de fato acontecendo. Os contos terminam com pouca suavidade, e resolvendo parcialmente os mistérios deixando um gosto amargo para os que não gostam de histórias abertas. Há a simbologia muito interessante com as cores, sendo o vermelho o amor, verde morte e transição, amarelo vida, preto trevas e azul espiritualidade. Mas as para mim é apenas um detalhe, pois a habilidade de prender o leitor no mistério é o melhor do livro. Gostei bastante da leitura! 

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segunda-feira, 22 de janeiro de 2024

Resenha #319 Véu da Verdade (J. M. Beraldo)

Véu da Verdade é uma space ópera brasileira escrita por J. M. Beraldo e chegou as minhas mãos em uma promoção que o próprio autor fez antes de se mudar para o Brasil. Já conhecia o autor da sua série Reinos Eternos, e quis saber como seria uma space ópera e a surpresa foi muito grata.

Acompanhamos as aventuras da tripulação do cargueiro Lucille pelo futuro daqui há dois séculos, onde descobrimos a existência de vida alienígena. E bota vida nisso. A verdade é que somos uma espécie de "reserva ambiental" para as raças da Liga dos Mundos, de tão atrasados que somos. E não há nenhuma chance de sermos aceitos na Liga, pois seria como um formigueiro pedir adesão a ONU. Esta é apenas uma das diversas ironias e sacadas do autor para a raça humana que sempre se vê como o centro da vida inteligente no universo. Falava sobre um cargueiro, não né?! O Capitão da nave é Alex Bourdain, que tem na tripulação um ser insetoide prestativo, uma inteligência artificial que pilota a nave e não tem muita consideração pela vida humana; Flávia, uma carioca fugida de uma guerra no Brasil e do minerador nascido no Cinturão de Asteroides. Como se trata de uma nave que faz todo tipo de frete, mais personagens vão surgindo como passageiros, entre eles um cientista desastrado de São Paulo, um ser que muda de forma e um bilionário nobre. Em meio a tudo isso, temos a perseguição de um mercenário chamado Arturo que deseja a cabeça de do Capitão Bourdain.

Temos uma história muito movimentada e cheio de elementos, e um mundo rico e retratado cheio de humor, mas sem sacrificar uma história bem contada para nos fazer rir. Inclusive temos uma virada (plot-twist) sensacional para o desfecho da história. A edição é comemorativa dos 10 anos de lançamento da obra e é de 2015. Infelizmente tem uns erros de digitação, mas não atrapalha a fluidez da leitura. Contudo, merece ser resgatada principalmente para os leitores que querem uma leitura com humor, ação e um mundo muito bem construído. Se este livro cair em suas mãos, leia e me agradeça. Se não, dê seu jeito e me agradeça também.

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segunda-feira, 15 de janeiro de 2024

Resenha #318 Solitude (Erick Santos Cardoso)

Solitude é o quarto livro da Coleção Dragão Mecânico que já li e é o mais divertido, mais leitura de praia da coleção até aqui e nisso (vale sempre insistir) não é nenhum demérito. Saber entreter com uma premissa divertida e cativar o leitor com um texto menos dramático e uma trama mais ágil e sem tantos jogos linguísticos é um feito e tanto. Solitude fez exatamente isso.

Os mais velhos vão lembrar dos jogos de navinha dos anos 1980 e 90, como Galaga, STG, Gradius ou Star Fox, onde naves espaciais destruíam alienígenas monstruosos que vagavam pelo espaço. A historia de Axel e seu esquadrão parece ser uma versão romanceada destes jogos. Eles vivem em Eden, uma colônia humana relativamente recente que foi atacada por uma frota de seres que combinam vida orgânica com metal em suas naves, ou seja, eles são as naves. Em um primeiro momento são derrotados por Axel, quanto era um ás sob o comando de Gládio, mas passado alguns anos, uma pandemia deixou a colônia de Eden acuada sob o risco de ser varrida do mapa. Uma missão, liderada em Terra por Gládio e Axel a frente do esquadrão se lançará no espaço para encontrar e neutralizar o coração desta ameaça.

A história é contada em vários capítulos pequenos que vem e voltam no tempo, intercalando a ação com momentos da vida dos pilotos e o relacionamento entre eles, muitas vezes conturbados e cheios de mágoas. É muito bacana o conceito das naves coração que usam da tecnologia copiada dos inimigos para dar alguma chance a missão, considerada por muitos inútil e suicida. Além disso, ela dá alguma explicação a todas as coisas que parecem, a primeira vista, intransponíveis dos jogos para uma narrativa longa em prosa. Cada vez que entendia esses momentos, um sorriso foi arrancado do meu rosto. Isso que não cheguei a mencionar a ação muito bem narrada e empolgante. Uma leitura curta e alucinante, que recomendo bastante.   

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segunda-feira, 8 de janeiro de 2024

Resenha #317 O homem que não queria matar (José C. Peu)

O homem que não queria matar é o livro de estréia do JC Peu, que é o host do canal Te Conto Ficção Científica e foi um grande acerto dele. Temos um livro que se inspira nos clássicos da distopia com um olhar afrofuturista, conectado ao Brasil como poucas obras conseguiram fazer até agora. Acompanhamos Alberto que é um Comissário, eufemismo para um assassino que serve a empresa/governo que extermina os membros pouco produtivos da sociedade. Estamos em um futuro onde a área do Rio de Janeiro tornou-se o polo produtor e exportador de bananas para todo o planeta. Sabemos pouco sobre como é o resto do mundo, assim como o protagonista, que narra em primeira pessoa suas descobertas oriundas de sua dúvida com relação ao mundo que vive. Alberto é o único negro entre os comissários, em uma sociedade que extermina a população negra considerada improdutiva. Seus superiores, os Conselheiros, decidem que uma nova faixa da sociedade como novo alvo para o extermínio. Momento esse que é o ponto de virada para Alberto.

O ponto forte do livro é para a condução da história pelo autor. Não há uma história fora comum nas distopias, pois assim como o bombeiro Montag, de Farenheit 451, Alberto também se rebela mas acompanhar esse processo não foi uma viagem fácil. A escrita fluída do Peu, nos obriga a virar páginas enlouquecidamente mas as cenas fortes cobram um peso em nosso coração. É um livro forte que penetra e devasta, pela simplicidade com que nos expõe as partes mais sensíveis e cruéis da nossa sociedade. Temos o óbvio gritando e perfurando a carne dos desavisados, sobre a violência. Uma chacoalhada necessária. 

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segunda-feira, 1 de janeiro de 2024

Resenha #316 20 Relatos Insólitos de Porto Alegre (Rafael Guimaraens)

20 Relatos Insólitos de Porto Alegre foi uma leitura de exploração para um livro que estou escrevendo. Sendo assim, as expectativas que a leitura gera são diferentes da de uma leitura causal. Meu livro será uma extensão dos meus contos A Sombra da Rua do Arvoredo" que lancei avulso em e-book pela Amazon e Um Crime no Mercado Público que saiu na antologia Outros Brasis da Ficção a Vapor. Não buscava por histórias para adaptar ao subgênero steampunk mas por insights de lugares e personagens históricos que contemplassem o período histórico do meu livro, o século XIX.

O que me atraiu neste livro foi que as histórias foram compostas sobre muita pesquisa, que já é característica do autor em outras obras. Há muitas passagens reais de jornal, fatos retirados de fontes mesclados com a imaginação do autor, dramatizando vários momentos com a inserção de diálogos, mas sem tentar reescrever a história. A maioria das histórias se apresenta no formato de conto, mas há crônicas e até um roteiro, como forma de explorar as histórias. Entre elas, a que mais atiçava minha curiosidade foi sobre os crimes da Rua do Arvoredo. No fim das contas, achei referências para continuar minhas pesquisas para a obra mas achei menos dados que esperava. Contudo, foi uma leitura muito agradável. Obviamente, se você não é ou já foi  habitante de Porto Alegre, não vai achar muita graça, mas para quem tem algum apreço pela capital do Rio Grande do Sul, vai encontrar causos muito emocionantes de acompanhar em todas as épocas da cidade. 

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