segunda-feira, 12 de dezembro de 2022

Resenha #264 Encruzilhadas (Pedro Viana)


"Encruzilhadas" de Pedro Viana (hoje assina como Pedro Crunivel) é uma coleção de contos que tem como tema principal o destino. São sete contos que tem uma linha muito fina com o sobrenatural e dependem de você acreditar nos seus depoimentos. Os contos estão presentes no mesmo universo, mas não para montar uma narrativa única, como num romance fix-up (como em Território Lovercraft, pro exemplo) mas para evidenciar essas linhas de destino que se cruzam caprichosamente o tempo todo. 

O Grande Clapton é o conto de abertura e o mais curto do livro. Acompanhamos uma investigação sobre um caso da morte do mágico conhecido como Grande Clapton, que supostamente morreu durante um de seus truques, porém como parte dos mistérios de um mágico esta morte passou a ser contestada. É difícil falar mais sobre o conto sem estragar as revelações que são de tirar um riso do canto da boca ao final da leitura.

A Vidente acompanha a história de Cordélia, uma vidente charlatã bem sucedida, que começa a revisitar as mágoas do passado. Sua maior dor é a filha que abandonou e nunca mais conseguiu rever. Contudo, o destino abriu uma porta que a coloca entre a vida de uma inocente e um serial killer. Achei a protagonista muito bem desenvolvida o que ajudou muito na segunda metade do conto para termos a empatia necessária para nos envolvermos com seu dilema.

A Bailarina acompanha Douglas, um pacato funcionário de uma loja de móveis que encontra uma boneca em uma venda de garagem para dar de presente de aniversário a esposa, Rosa. Porém, o presente continha uma maldição de conceder os mais perigosos desejos. No caso de Douglas, uma esposa bonita, rica que o sustentasse para que ele não precisasse trabalhar. Novamente temos o autor abrindo espaço no conto para trazer o outro lado de um personagem que aparentemente é apenas mais um escroto genérico, mas com seus dramas e nuances, ainda que não sirvam de desculpa para suas atitudes e caráter o tornam crível e palpável. Isso nos deixa mais curioso a respeito da jornada sinistra de Douglas.

A Coisa no acampamento acompanhamos Calebe que acorda com seu marido Rodrigo e não o reconhece mais. Passamos então as cartas deixadas para Calebe escritas por Rodrigo que é militar e comandante de um pelotão que está investigando uma área que foi isolada por causa de um fenômeno paranormal. O formato de carta é muito bem explorado pelo autor tornando este um dos contos deste livro que mais me envolveu.

Para você com meu eterno amor acompanha Camilo Sampaio em seu recente luto pela perda de sua esposa. Amanda era a médium do casal enquanto Camilo tinha conhecimento de ocultismo e ambos faziam investigações paranormais. Porém uma semana após a morte de Amanda, Camilo recebe um pedido de uma mulher para que o investigador salvasse sua filha de um demônio. Camilo, entre a dor do luto e a negação de sua vocação, acaba aceitando investigar e se descobre em uma trama envolvendo a polícia, demônios e um espirito protetor. Como no primeiro conto, as revelações são importantes, mas aliadas ao bom desenvolvimento dos personagens e uma trama que de fato não sabemos onde vai chegar. Meu conto favorito do livro.  

Folhas e Sombras conta a história de Paula, uma escritora que após um romance de sucesso, não conseguiu repetir mais o sucesso e, depois, sequer terminar um romance novo para tentar reencontrar o sucesso. Além do fracasso na carreira como escritora, Paula estava separada do marido e morando numa casa alugada em péssimo estado. Após um sonho, entretanto, Paula começa a escrever um romance sem saber das consequências e do preço a pagar. Não há mistério sobre o que amaldiçoa Paula, mas quem e o que será feito dela é o suficiente para manter a atenção do leitor. Muito bom!

Sob os olhos do tempo é o conto que conclui o livro e é a única história que se passa no futuro. Sandro é um investigador aposentado de uma época em que ainda havia assassinatos. Um velho companheiro, ainda na ativa o coloca de volta a ativa para resolver um assassinato de um cientista polêmico. Os caminhos da investigação tornam este o conto que mais me surpreendeu no livro, pois fugiu do conto de investigação padrão e se aprofundou no mundo sobrenatural que permeia todo o livro. Foi um bom encerramento!
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terça-feira, 6 de dezembro de 2022

Resenha #263 Um cântico para Liebowitz (Walter M. Miller Jr.)


"Um cântico para Liebowitz" é uma das distopias mais importantes da ficção científica. Escrita pelo ex-combatente estadunidense da 2GM, Walter Miller Jr. ela aborda de maneira irônica e pessimista sua visão da civilização humana como insistentemente autodestrutiva. O catolicismo do autor e suas experiências como aviador na guerra, estão muito presentes neste livro. 

A obra reuniu três crônicas, que juntas mostram três momentos da civilização humana após um holocausto nucelar. Como muitas obras escritas durante a Guerra Fria, (Um cântico para Liebowitz é de 1960) o medo de uma guerra nuclear entre EUA e URSS era muito presente no imaginário da época. Contudo, o autor consegue centralizar a civilização em suas histórias e manter o livro atual e relevante. Sua visão de uma civilização cíclica e autodestrutiva, consegue transmitir a densidade que a reflexão merece somadas a forma irônica e muitas vezes tragicômica em vários momentos.

A primeira parte é Fiat homo, (Faça-se o homem) e se passa 600 anos após o fim da civilização como conhecemos e acompanhamos a vida do novato Francis da ordem do Beato Liebowitz, quando este encontra documentos escondidos em um antigo abrigo nuclear que são vestígios da antiguidade. O mundo reconstruído sobre as cinzas da era moderna é uma sátira da medievalidade europeia, onde os copistas preservam o conhecimento mesmo sem saber o seu significado. Esses documentos são reunidos e guardados hermeticamente são chamados de Memorabília. Estes documentos são os únicos registros preservados de uma era em que todo o conhecimento e os letrados eram caçados, destruídos e mortos.

A segunda parte, Fiat lux, (Faça-se a luz) representa o renascimento, onde um escolástico cientista Matteo procurando estudar os documentos da Memorabilia, na abadia de São Leibowitz e poder fazer avanços científicos com eles. Contudo, em meio a guerra entre duas potências militares emergentes de Denver e Texarkana, coloca em perigo este potencial cientifico. Por fim, a última parte, Fiat voluntas tua (Faça-se a tua vontade) se passa 700 anos após a segunda parte e mostra a humanidade evoluída tecnologicamente, explorando planetas e também envolvida numa guerra fria entre duas potências nucleares. Acompanhamos o abade de São Leibowitz organizando uma missão para colonizar um planeta de alfa centauro, com missionários que levarão a Memorabília, tendo em vista o conflito nuclear como inevitável.

O autor consegue deixar uma sensação de desperdício constante e não deixa de ironizar a ciência que se coloca como única aliada da razão, quando muito conhecimento foi preservado com ela e muitas inovações científicas partiram destes conhecimentos mas em contrapartida o avanço científico resultou apenas na destruição sem fim. Desta forma, longe de um pessimismo vazio ou uma crítica simplista, temos nesta obra uma reflexão poderosa sobre a medievalidade europeia e a religião em nosso tempo, mesmo que nosso autor puxe sua sardinha para o catolicismo.


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