segunda-feira, 11 de dezembro de 2023

Resenha #315 Tropas Estelares (Robert Heinlein)

Robert Heinlein é um dos autores clássicos da Ficção Científica. Isso significa que você é obrigado a lê-lo? Não sou ninguém para arrumar a sua lista de leitura até porque mesmo já tendo lido muita coisa, nunca havia lido nada deste autor. Então comecei com um clássico. Já havia visto o filme (de 1997,) e já sabia, por análises de outros, que o diretor do filme (Paul Verhoeven) fez uma paródia do livro, mantendo a base do enredo mas exagerando e ridicularizando a ideologia militarista do livro. Lido o livro, agora vejo como a ideia do diretor envelheceu mal nesse sentido, de ridicularizar a extrema direita e o militarismo, pois a idiotização e os idiotas nunca foram tão parecidos quando na época em que o filme foi concebido.

Mas estamos aqui para falar do livro. Acompanhamos um longo relato de Juan Rico, um jovem que ingressa para a Infantaria Móvel, a menos longeva tropa da humanidade e com o treinamento mais duro. Acompanhamos a vida militar desde o alistamento, passando pelo treinamento de recruta, a incursão na Infantaria Móvel e a guerra contra uma raça insetóide que ameaça a humanidade. Um modelo que seria usado por muitos livros e filmes. Histórias sobre guerras costumam ser libelos críticos contra a estupidez da guerra (Nada de novo no front) ou propaganda para o militarismo (Falcão Negro em Perigo), não havia um livro tão complexo sobre guerras no futuro. Rico "perde" muito tempo de seu relato falando sobre a organização militar, a medida que sobe de patente e sobre pensamentos e reflexões que o motivam a continuar em frente. Não se trata de continuar apenas porque seu companheiro precisa de você, mas de uma verdadeira lavagem cerebral que Rico é submetido por um regime autoritário. As lições econômicas sobre valor, principalmente em contraposição a concepção de valor em Marx são, no mínimo, cretinas e a doutrinação militar simplesmente o impedem de conhecer outra vida e ter o mínimo de acesso a outras opiniões.

Obviamente, que para o leitor não ter nenhuma sombra de dúvida de que a guerra é justa, veio a calhar que os inimigos sejam uma raça de seres insetoides, com estrutura de formigueiro. Inicialmente conhecem os operários (extremamente numerosos, descartáveis, mas inofensivos) e os guerreiros (mortais mas igualmente descartáveis), com poucas unidades que realmente comandam a coletividade. As táticas dos insetos não se importam de perder milhares de unidades para abater um único soldado humano. Uma alusão convenientemente simplista da coletividade do socialismo. Obviamente não há porque ter pena dos insetos, pois eles não gritam nem choram quando são varridos da superfície de um planeta ou são alvos de uma saraivada de tiros. 

Todavia, temos uma obra que construiu todo um imaginário sobre guerras espaciais: exoesqueletos, batalhas bem detalhadas e space marines. Não acho um livro essencial, mas uma vez que se saiba o que esperar dele, será uma excelente leitura pois o autor conduz a narrativa muito bem. Não acho que o livro tenha traços de ironia, como já ouvi falar, ou se tem está completamente esmagado nas entrelinhas.

Leia Mais ››

segunda-feira, 4 de dezembro de 2023

Resenha #314 Mafagafo 3, Edição extra. Dante e a Liga dos Anciões Asassinos (Enéias Tavares)

Retomando a leitura das edições da Revista Mafagafo, decidi pular a leitura do segundo ano e continuar a leitura pelo terceiro ano, pois queria muito voltar ao mundo de Brasiliana Steampunk do Enéias Tavares. Essa edição foi uma edição extra e acompanha uma aventura de investigação passada em Porto Alegre dos Amantes, que narra um episódio vivido por Dante D'Augustine, escritor de contos de mistério que é convidado para uma Liga de Anciãos. Como o título já antecipa, essa liga é responsável por uma serie de mortes de prostitutas, mas o que eles não imaginam é que o segredo que Dante carrega pode levá-los a ruína completa.

O conto começa com a primeira parte da entrevista de Dante D'Augustine transposta da Rádio Guaíba, antes de começar o relato e a revelação do grande segredo de Dante, que para quem já leu outras obras do universo de Eneias não é novidade. As revelações que o conto traz são conhecidas de quem já leu algum dos romances da série, então não se trata de saber o final. Gosto do estilo de Eneias pois aqui não temos um foco no mistério a ser desvendado, mas nem por isso se deixa de usar o clima de mistério como uma linguagem de dá um charme a este universo. Também porque o protagonista escreve contos de mistério, é verdade, mas no fundo trata-se de uma aventura, temperada pelo mistério. O conto enriquece muito o mundo de Brasiliana Steampunk e espero ver mais deste mundo!

Leia Mais ››

segunda-feira, 27 de novembro de 2023

Resenha #313 Almanaque Gibi do Terror, Nº 1 (Paulo Kobielski e Denílson Reis)

Almanaque Gibi do Terror é uma iniciativa do Coletivo Alvoradense de Quadrinhos encabeçada por dois dos maiores fanzineiros do Brasil, Paulo Kobielski e Denílson Reis, ambos atuando em Alvorada/RS levando a palavra dos quadrinhos desde sempre. Juntando a ideia de privilegiar autores de Alvorada, não apenas dos quadrinhos mas da literatura em prosa também, surgiu a ideia de um almanaque temático voltado para o gênero do Terror. E não poderia faltar o grande R. F. Lucchetti, ainda mais quando o tema da edição é múmias! E ele está logo na primeira história em quadrinhos que é O Talismã Maldito, onde temos a história da múmia de Kharis, que é acordada quando uma entidade gatuna é libertada trazendo terror aos arredores do museu onde estava exposta. Na sequência, uma entrevista com Júlio Shimamoto, o desenhista da história anterior. Na sequência, uma historieta em HQ de uma página homenageando Lucchetti e um texto retirado das memórias do autor.

A próxima história em quadrinhos, é  Besta, de Leander Moura com arte de Cristal Moura e Leander Moura, onde é explorado o mistério de um lobisomem. O primeiro conto é de minha autoria e se chama Sistema Sarcófago em que o mistério da múmia é abordado com a lente da ficção científica homenageando a era dos pulps com um toque psicodélico. A entrada do conto tem uma ilustração de tirar o fôlego feita por Jader Corrêa. Logo depois, Paulo Kobielski nos brinda com um artigo sensacional sobre o filme brasileiro O Segredo da Múmia de 1982. Continuando a sessão de contos, O Misterio da Múmia foi escrito por Eduardo Alós, com arte de abertura por Luan Zuchi, onde um investigador gaúcho vai a um monastério na Amazônia investigar um desaparecimento de um dos religiosos e, obviamente, deparar-se com terrores abissais.

Retomando as histórias em quadrinhos, Um velório alucinante é uma história de morte e quase morte, por Denílson Reis, desenhada por Jair Júnior e letras por Henrique Reis. A herança de Simão segue a linha de terror clássico de uma herança amaldiçoada, com texto e arte de Silvio Ribeiro. O Monstro da Lagoa de Henrique Madeira e Walquir Fagundes, segue a linha do causo com uma história baseada em lendas que o povo conta e aqui uma maldição gerada por uma sucessão de tragédias e um coronel cruel. E por fim, uma rápida entrevista com Ronilson Freire, desenhista da The Mummy da Titan Comics.


Leia Mais ››

segunda-feira, 20 de novembro de 2023

Resenha #312 Mundo Fantasmo (Bráulio Tavares)

Mundo Fantasmo do inefável Bráulio Tavares é antes de tudo uma aula de como escrever um livro de contos. Não é um amontoado de histórias contadas pelo mesmo autor, mas tem uma coesão entre as histórias que formam uma unidade. No caso, a unidade é o mistério, o inescrutável. É aquele livro que você mostra para calar a boca de quem fala mal da literatura fantástica brasileira, o que é bem legal, mas acima disso você mostra para encantar leitores com excelentes contos. Sabemos que num livro de contos, não tem como gostar de todos os contos mas pessoalmente o elo mais fraco deste livro ainda é muito bom.

"Oh lord, won't buy me" é uma bem humorada viagem a um fim de tarde miserável de um leitor de ficção científica pacato de meia-idade que tem um encontro com um estudante de física que alega ser uma entidade cósmica com uma missão relacionada a própria existência do nosso leitor. O autor brinca com o fandom, apaixonado por historias e que por vezes escondem uma megalomania reprimida. E eu, como um leitor de meia-idade de Porto Alegre que só iria para São Paulo para encher uma mala de livros de um sebo, fiquei comovido.

"História de Cassim, o Peregrino, e de um crime perfeito que Deus castigou" temos mais uma história no mundo fantásico ibérico, onde uma dupla de cantadores encontra um contador de histórias e começa um desafio para que o misterioso homem conte uma excelente história. Agora os desafiantes não conseguem tirar essa história da cabeça. Uma narrativa que parece mais uma noveleta, a mais longa do livro e a que considerei mais instigante. Esse ciclo merecia um livro só para ela.

"Paperback Writter" personagens de uma Londres estranhamente gótica vão a um concerto em que um autor digita uma história e a plateia acompanha extasiada os caminhos que ela segue enquanto debatem com a frivolidade de uma elite burguesa. Achei uma homenagem ao prazer da escrita, que geralmente não conseguimos compartilhar pois o autor só entrega a história já pronta e não o seu desenvolvimento. 

"Expedição as profundezas do oceano" um caso policial que utiliza a forma de depoimento como são coletados pela polícia, que nos leva a uma brasilidade que nos aproxima muito da história, pois é exatamente como uma delegacia brasileira funciona. 

"Exame da obra de Giuseppe Sanz" acompanha a trajetória de um autor, pelo depoimento de um admirador que descobre que seu ídolo escreveu suas grandes obras de sucesso simplesmente juntando partes de outros romances consagrados, despindo-os de seu contexto original. É a forma bastante irônica que o autor nos traz a baila uma discussão do que é literatura. Do quanto que lemos e consumimos, não é novo. Mas não necessariamente de uma forma ruim.

"E assim destruímos o Reino do Mal" conto que aborda de forma alegórica, usando o épico para mostrar como se comete atrocidades sem ter consciência disso. Não é apenas sobre a imbecilidade da guerra, mas sobre o imbecil que a cultua.

"Breves histórias do tempo" conta a história de um contador de histórias tetraplégico e que vai se fundindo profundamente a sua finalidade de contar historias. Esta mesma mesma habilidade de u aproxima e o distancia tanto da humanidade. Habilidade que argumentamos como diferença entre nós e os animais.

O edição que li, foi a da Bandeirola, que obtive ajudando no financiamento coletivo tem um posfácio sensacional do autor explicando as intenções por trás de cada conto. Tentei não incluir suas impressões nas minhas impressões sobre os contos, mas as vezes é inevitável. De qualquer forma, vale mesmo é conferir por si. 

 

Leia Mais ››

segunda-feira, 13 de novembro de 2023

Resenha #311 Pecados Terrestres (Gerson Lodi-Ribeiro)

Pecados Terrestres do Gerson Lodi-Ribeiro é o primeiro romance que leio deste autor. Um pecado que estou começado a corrigir agora. Já havia lido muitos contos e noveletas presentes nas antologias da Editora Draco como vocês podem conferir no blogue. O livro é parte da série Dragão Mecânico, uma coleção de luxo com uma amostra do que a ficção científica brasileira pode fazer de bom. Este é o terceiro (de seis) romance da série que li, mas o primeiro na ordem de publicação. Vamos a história:

Acompanhamos uma Terra do futuro, que está em estado de degradação, pelos olhos de Ricardo Mendonça, filho mais velho de uma família tradicional do Rio de Janeiro. Uma das últimas que insistiram em permanecer na Terra. Acompanhamos a rotina de um garoto que gosta de jogar bola e andar com os amigos, aturar os irmãos que sem aviso tem sua vida balançada junto com o destino inevitável do planeta. É uma história de amadurecimento, tanto de um jovem rapaz, quando da humanidade que se modifica tanto no corpo quanto na mente, sem que haja tempo para digerir as mudanças. O autor deixa isso muito evidente para mim, durante a leitura que quando o personagem tem todas as ferramentas para amadurecer, o romance termina deixando uma tremenda vontade de saber como vai ser essa vida e que destino os outros personagens tiveram.

Além da leitura ser tranquila, informativa e gostosa de ler, tal como os contos, apreciei especialmente aqui como o autor conseguiu imprimir um cenário ao mesmo tempo cheio de tecnologia com um ar decadente, sem parecer com um futuro Ala Mad Max. O livro não faz parte de nenhum dos mundos criados pelo autor já publicado, diferente de como eu supus ao terminar o livro, mas o livro pede uma maior exploração em outros romances e/ou contos. Aguardemos!  

Leia Mais ››

segunda-feira, 6 de novembro de 2023

Resenha #310 Tecnodreams (Isaque Sagara)

Tecnodreams é uma HQ de Isaque Sagara parte do Selo Negro Geek da Ultimato do Bacon editora. É uma história completa de Ficção Científica que foi lançada com sucesso via Catarse, mas que fui conhecer apenas quando comprei na 5ª Gibifest em Alvorada/RS. A pegada cyberpunk com toques philipkdickianos me atraiu imediatamente e a leitura não decepcionou minhas expectativas. É uma daquelas histórias que nos deixa com aquele nó sobre o que é real e o que não é, como nosso profeta louco Philip K. Dick nos ensinou. Tudo isso com uma pegada brasileira contando a historia de duas mulheres: Cida, uma mulher negra da periferia que trabalha como empregada doméstica na casa de Viviane, uma mulher muito insegura no casamento. Enquanto Cida deseja a vida de Viviane mas ao mesmo tempo odeia como é tratada, Viviane destrata Cida pois desconfia que ela é amante de seu marido. Cida é assediada pelo marido de Viviane, e também pelas propagandas praticamente onipresentes da Tecnodreams, que oferecem uma fuga temporária para ela, mas não se pode fugir de quem você é.

O final é maravilhoso. A escolha por ser um final aberto mas abrangente em interpretações foi muito bem construído. É uma história que fala com nossa realidade. Da classe média com fetiche escravista da empregada doméstica, mostra o lado mais escroto do Brasil, que conhecemos bem, mas facilmente esquecemos que fora do Brasil é muito incomum a figura da empregada doméstica fazendo coisas que qualquer pessoa pode fazer sozinho em casa. Confesso que o que me pegou nessa revista é o "História Completa" na capa, pois não gosto do modelo mais comum de publicação de HQs, mas no fim fui premiado com uma história que se completa de muitas maneiras na minha cabeça. Espero que venham mais publicações do selo Negrogeek!

Leia Mais ››

segunda-feira, 30 de outubro de 2023

Resenha #309 A mão que cria (Octávio Aragão)

A mão que cria é um romance de Octávio Aragão, autor experiente na escrita de ficção científica mais conhecido pela sua série Intempol. Contudo, este é a primeiro romance que li do autor. Esta é uma das últimas obras da pilha de livros steampunks que tinha separado para me preparar para organizar a antologia Outros Brasis da Ficção a Vapor. Tudo isso para descobrir (depois que já havia comprado) que a obra de 2006 não é steampunk, mas dieselpunk (até porque o primeiro livro steampunk brasileiro é Baronato de Shoah do Oghan N'thanda.). Isso já explica porque ficou por último, mas no fim das contas, acabaria entrando no meu radar de qualquer forma, então vamos a ela.

A narrativa é fragmentada no tempo e os personagens que se cruzam o tempo todo, mas acredito que a centralidade acaba sendo a rivalidade entre Lours e um ser misterioso chamado O Ariano (fica bastante óbvio em sua primeira aparição ser o monstro da obra Frankenstein). Neste mundo temos uma história alternativa onde a França e a Alemanha acendem como potências por dois motivos. Na França, Jules Verne (aqui Prefeito de Paris, depois Presidente da França) levam ao desenvolvimento de homens modificados com genética de golfinhos, tornando superdesenvolvidos mas segregados racialmente, a ponto de ganharem um Estado como foi feito com Israel, chamado Lemúria. Lours é o líder desses homens golfinhos que impediram o a tomada da França pelo 3º Reich. Na Alemanha, O Ariano é quem esteve nos bastidores da ascensão de Hitler e do 3º Reich e criou tropas de mortos-vivos que quase tomaram a França. É nesse clima de guerra, tanto antes quanto depois da Segunda Guerra Mundial, que acompanhamos uma série de eventos que envolvem diretamente ao menos um desses personagens, quando não é narrado pelos próprios.

O grande atrativo é toda a estrutura e História deste mundo alternativo. Digo História, no sentido de emular um conhecimento de um processo político e econômico deste mundo imaginado. Tudo ficou muito convincente e empolgante de acompanhar e desvendar. O que senti mais falta foi de um aprofundamento na personalidade dos personagens pois suas limitações eram basicamente os seus objetivos. Com exceção do trecho que acompanha uma expedição a cratera de meteoro sobre Tunguska em 1908, onde o grupo de viajantes teve um bom desenvolvimento, os demais personagens são psicologicamente simples demais. Lours, por exemplo, tem um temperamento muito difícil por conta de suas mutações mas não difere essencialmente de um cara brigão e muito mal humorado. Contudo, para quem curte muita ação e imaginar processos históricos alternativos, temos um prato cheio e acredito que justamente por isso, a narrativa fragmentada não ajuda muito. O saldo geral é bom!

Leia Mais ››

segunda-feira, 23 de outubro de 2023

Resenha #308 Paradoxo de Theséus (Alexey Dodsworth)

Paradoxo de Theséus do Alexey Dosdworth é o segundo livro que li da coleção Dragão Mecânico da Editora Draco. É uma coleção com livros curtos com 126 páginas. É muito bom voltar a ler outro livro do Alexey que nos brinda com histórias com uma ciência muito apurada e inventiva, mas sem perder de vista qualidades literárias que tornam suas obras muito divertidas de ler. Difícil não sair entretido com seus livros e aqui não foi diferente. E antes de falar da história, quero decretar quem não se encantou com a pureza de Ângelo, não tem coração.

Vamos a história. Estamos em 2071 e acompanhamos o cientista brasileiro Thomas Rocco, em sua vida de exilado de um governo anticientífico fundamentalista religioso em Utreque, na Holanda, onde está desenvolvendo um projeto científico Basilisco, que pretendia reunir várias mentes científicas reconhecidas, de várias áreas do conhecimento para uma única inteligência artificial. Alexey não esconde, nas primeiras páginas que o projeto devastou a cidade de Utreque e que, antes disso Rocco teve um terrível revés numa entrevista sobre o projeto. A forma de polarização entre os cientístas e os conservadores humanistas e, também os militantes da defesa da vida animal se cruzam numa configuração que acompanha o avanço tecnológico. Tal como tem estado em debate, com autores como Yuval Harari, que já abordamos no blogue.

O que a habilidade do autor nos mostra é que o que importa, na verdade é o como essas coisas acontecem. Temos uma boa quantidade de revelações e surpresas em um romance curto o que torna a leitura cheia de movimentação. Um romance muito gostoso de ler, que aborda alguns conceitos complicados mas que na voz do autor se tornam de entendimento muito fluido.   

Leia Mais ››

segunda-feira, 16 de outubro de 2023

Resenha #307 Oceano dos Mil Deuses (J. M. Beraldo)

Oceano dos Mil Deuses do J. M. Beraldo foi o fim (até então) de uma jornada pelo mundo da Série Reinos Eternos que ele criou. Quero falar sobre este livro, mas é impossível seguir sem mencionar essa série de três romances que nos submerge em três continentes diferentes (Império de Diamante, Último Refúgio e Sombras e Ecos). Uma viagem cultural abordando a questão de refugiados, escaramuças políticas e religiosas, e ação de qualidade. Me surpreendi com o autor como contista, nem sempre bons romancistas dominam o conto. O que me puxou pela obra foi voltar a série mesmo que numa publicação curta. Só tinha lido os romances e achei que ele se saiu melhor no conto, mesmo adorando os romances (estamos nivelando pelo alto aqui)

Os contos exploram algumas passagens que se passam entre os romances da série, fornecendo algumas respostas para algumas lacunas, mas antes de mais nada, principalmente nos divertindo com boas histórias, passadas em pontos não explorados no mundo criado pelo autor. Aliás, este mundo é de uma riqueza e diversidade exuberantes. Dá gosto explorar e conhecer os locais com suas manifestações religiosas e politicas, carregadas de mágica e violência, mas sem ficar pesado. Há um humor bem dosado e bem vindo em meio a estranheza que as culturas desses povos geram, tanto em nós quanto nos personagens.

Sobre os contos, dos cinco, três são protagonizados por Kasim. No primeiro, A Voz de G'ganch, ele é contratado para levar dois homens a uma ilha onde vive uma tribo que fornece misteriosas e caríssimas frutas, mas que enfrenta uma diminuição repentina no fornecimento do produto. Obviamente, há um mistério muito bacana de se acompanhar sobre o que se passa realmente nessa ilha. No segundo, Barracuda e a máquina misteriosa, acompanhamos a capitã Kayra que lidera com frieza e crueldade o barco Barracuda Negra e vê uma oportunidade de enriquecimento quando se depara com uma máquina complexa e engenhosa. O final foi cruel e de tirar um riso do rosto, pela forma como foi contado. No terceiro conto, De sonhos e pesadelos, voltamos com Kasim que faz escolta a um barco, mas os planos quanto a missão mudam quando o barco é invadido por um cardume de criaturas peixe carnívoros que exigem um quarto dos passageiros como pedágio e apenas Kasim tem experiência prévia com esta raça em Último Refúgio.

Em O Escolhido, Kasim faz dupla com Anton e recebe a missão de assassinar um alvo que comanda um culto, porém o homem que havia matado era um impostor. Ugarte, o contratante, designa um novo alvo mas os assassinos temem que foram enganados. Conto com muita ação e sanguinolência, com um desfecho muito satisfatório. Por fim, Taniwha se passa na Ilha de Ibukun onde uma jovem cientista de Niparsha, (cidade que aparece no livro em inglês do autor) é resgatada por um enviado de sua terra natal junto de um certo mercenário de Myambe. Eles embarcam numa jornada em que o humanismo e o ceticismo de Aghata são colocados em dúvida pela fé de um garoto prestes a morrer.

Os contos são bem divertidos. Leria um livro de 1000 páginas, com essa pegada, sem me cansar. Porém, infelizmente ele só tem 100. E não sei quando o autor vai retornar a esse universo, mas quando acontecer estarei pronto para uma nova aventura. Considero esse livro uma nova possibilidade de começar a ler a série, pois acho que se o leitor não quiser começar com "Império de Diamante" pode começar com este livro pequeno mas muito gostoso de ler, sem prejuízo ao entendimento dos livros da série!

Leia Mais ››

segunda-feira, 9 de outubro de 2023

Resenha #306 Mestre das Marés (Roberto de Souza Causo)

Mestre das Marés é uma sequência direta de Glória Sombria, e faz parte do Universo GalAxis, que o Roberto Causo vem publicando há 15 anos. Além desses dois romances, existem vários contos e que incluem a saga da assassina Shiroma. Em Mestre das Marés temos a segunda missão do capitão Jonas Peregrino dos Jaguares do 28º GARP que tem a missão principal combater os tadais, uma misteriosa presença no espaço que comanda naves robôs com o único (aparente) propósito de matar.

A historia começa quando o 28º está investigando a presença de tadais quando é chamado em uma missão de resgate de uma estação científica perto de um buraco negro chamado pelos aliados do Povo de Riv de Agu-Du'svarah ou Firedrake para os pesquisadores. A presença de um artefato com tecnologia superior a da humanidade no século 25 é o que atraiu tanto as forças da Esquadra da Latinoamerica quanto dos tadais. Por trás de um resgate relativamente simples, as peças de um jogo que envolve conhecimento estratégico, potências humanas da Terra e as raças que coabitam com os humanos na área de alcance da colonização terrestre.

O que chama a atenção é a imersão que o autor proporciona com um uso e tratamento dos jargões militares. Diferente do que nos acostumamos com os filmes americanos, não há aquele clima de piadas de quem tenta usar o humor para mascarar o fato de que podem morrer a qualquer momento. Peregrino é um oficial com uma longa carreira, que apesar de saber que pode, de fato, morrer a qualquer momento, tem uma missão longa no comando do 28º GARP e tem a mente mais preparada e enfrenta desafios correspondentes a seu preparo e experiência de vida. Em outras palavras, são militares sérios e dão o peso que uma space ópera precisa para ser levado a sério. Há muita ciência, exposta de forma prática (como um militar faria) e tem cenas de ação muito boas, mas sem operações impossíveis e inconsequentes. Alias, as consequências dos atos dos militares é um tema que foi abordado em Glória Sombria, que continua repercutindo no segundo livro, afinal há um inquérito abordando os eventos finais do primeiro livro. Em paralelo, temos a história narrada em primeira pessoa pela jornalista Camila Lopes, a quem foi encomendada uma reportagem sobre a personalidade do Capitão Peregrino, com intuito de destruir sua imagem. Linha narrativa que daria, por si uma noveleta excelente, explorando um ponto de vista externo ao protagonista. Outro paralelismo bacana é com a viagem de Dante ao inferno, pois um planeta atingido pela energia de um buraco negro, despido de sua atmosfera, é facilmente associável ao inferno. Inclusive, Peregrino relembra em vários momentos de alguns trechos da obra.

Mestre das Marés, felizmente não termina a saga de Peregrino nesta fase como capitão de sua frota de naves espaciais. O livro é um prato cheio para quem gosta de space opera e ficção científica militar, mas recomendo ler antes Glória Sombria, mas não obrigatoriamente os contos do personagem para entender melhor esta obra.

Leia Mais ››

segunda-feira, 2 de outubro de 2023

Resenha #305 Zine Book (Denilson Reis)

Olá pessoal! Essa semana quero falar sobre o Zine Book do Denilson Reis. E o que seria um zinebook? Basicamente é um compêndio de várias publicações de um fanzineiro, editor de revistas independentes, feitas por quem é fã dequadrinhos. E Denílson Reis é com certeza um dos mais conceituados e experientes fanzineiros do Brasil. Sua publicação principal Tchê! já tem mais de 30 anos, além da Conanzine e de publicações em conjunto com outros fãs das HQs. Essa coleção traz um compilado das aparições de seus personagens ora escritos por ele, ora escritos por outros artistas, em um formato grande e em papel grosso, que é bastante incomum para material independente, mas aqui é uma edição especial de luxo.

Nem cabe listar todas as histórias, pois muitas já apareceram nos zines do editor que já resenhei aqui no blogue. A fanzine Quadrante Sul e a revista do Peryc mas posso comentar que a arte da primeira página arte é uma das que mais gostei do Peryc, pois é a história onde ele aparece mais violento e brutal, na Peryc volume 3. O grande atrativo do livro é a qualidade do material impresso, em tamanho 21x28 e uma gramatura mais pesada. A leitura e principalmente a releitura das histórias vale muito a pena pelo tamanho maior que permite ver as imagens e os traços com mais detalhes. Espero que um dia saia o volume dois, pois conteúdo tem!

Leia Mais ››

segunda-feira, 25 de setembro de 2023

Resenha #304 A Batalha dos Aflitos, Contos de Nordara (Oghan N'thanda)


A Batalha dos Aflitos de Oghan N'thanda, é o primeiro conto que li da série Contos de Nordara, uma série de contos que o autor lançou envolvendo seu mundo abordado na série de romances Baronato de Shoah, o primeiro romance stempunk brasileiro. Aqui este mundo foi reformulado, depois de quase uma década sem uma continuação. Não por coincidência, o conto foi disponibilizado pelo autor justamente como um brinde para despertar a curiosidade sobre esse worldbuilding que o autor criou e recriou.

A história é simples e bem feita, não resumiria melhor que a própria apresentação do conto: "Cohen e Ryszard Dajjal são dois órfãos que trabalham como aprendizes de cozinheiro no Cenóbio de Ahator, o mosteiro onde é treinada a Kabalah, a elite do Quinto Império. Cohen recebe a chance de mudar sua vida, mas para isso deve deixar para trás tudo aquilo que ama e acredita, inclusive seu irmão, Ryszard. As decisões de Cohen colocam em risco sua vida e a de seu irmão, revelando uma ordem secreta infiltrada na elite e que tem como único objetivo destruí-la: a Qliphoth, a Árvore da Morte."

O conto é muito bem sucedido em focar nos personagens, a relação dos irmãos e a formação do caráter do protagonista e deixar o mundo se apresentar paulatinamente a medida que os acontecimentos pedem, instigando a curiosidade e não fazendo uma descrição do mundo onde se passa a história. Conseguiu sua função, que era atiçar a curiosidade e me fazer querer adquirir outros contos para conhecer mais deste mundo.
Leia Mais ››

segunda-feira, 18 de setembro de 2023

Resenha #303 Revista Histórias Extraordinárias, número 1


A Revista Histórias Extraordinárias editada pelo jornalista Marcos Cavalcanti e Mario Garnett foi lançada em dezembro de 2020 e até o momento está na sua sexta edição. Adquiri as três primeiras via Catarse, que acredito ser a principal forma de adquirir os números. A Editora Mundo trabalha com itens colecionáveis e alguns dos cartões vem como brinde nas compras por financiamento coletivo. A proposta é relembrar os tempos de revista pulp com narrativas de horror cósmico, sobrenatural e ficção científica. Como é comum nas revistas, há textos de outros tipos que circundam o tema. Uma entrevista, uma matéria e algumas pequenas resenhas de filmes, mas o grosso da revista é de contos.

A revista abre com uma coluna chamada Departamento de Ciência, com uma matérias sobre como as bombas atômicas jogadas pelos EUA sobre o Japão abriram o chamado antropoceno, um novo nível de domínio do homem sobre a natureza. Achei boa pelo ponto de vista técnico, mas havia um espaço para explorar mais o aspecto civilizacional do antropoceno. As resenhas de filmes e séries são sempre bem vindas, não assisti nenhum dos filmes e a série que recomenda infelizmente foi cancelada mas os textos são bons e sucintos. A entrevista sobre o radio amador eu gostei bastante, mas acho que ela deveria ir ao final da revista ou logo depois do conto que se conecta com ela, como forma de expandir o assunto, uma vez que a própria entrevista conecta os dois textos. 

Quanto aos contos, eles são bem apegados a proposta, o que achei ótimo tendo em vista que o espaço da revista não é tão grande. São 38 páginas bem grandes e cabe mais texto do que aparentava. O primeiro conto é O Colete Curativo, por Mário Cavalcanti que é uma ideia interessante mas pouco explorado, sobre um artefato de uso comum que parece saído de um mundo dieselpunk. Hypnos e Morfeu, de M. V. Garnett é um relato de uma invasão silenciosa de dois corpos celestes que bloqueiam a capacidade da humanidade de dormir, o conto desenha bem os efeitos da privação de sono enquanto mostra a vida de um operador de radio amador, ao ler o conto que imaginei ser melhor a entrevista vir logo após este conto. A narrativa é tensa e achei a melhor da edição. O segundo conto é longo, também e se chama Belvedere de Paolo Fabrizio Pugno, que aborda uma nave de mineradores de asteroides no Cinturão de Keiper que recebe uma dica de um corpo rico em metal rumando para fora do cinturão, que representa uma oportunidade de lucro exorbitante e irresistível. Sabemos que vai dar merda, mas só lendo para saber como isso acontece. Eles não eram verdes de Mário Cavalcanti, é uma abordagem bacana sobre o drama de uma família que tem um ente querido levado por alienígenas e encerrando Saturação por Marco Lazzeri, que é um diário de um minerador infectado em serviço, gostei do clima desconfortável mas senti falta de mais detalhes horrendos da doença.

O saldo da revista é bom, mas como tenho outras duas revistas para ler, espero que ela fique melhor. O formato físico dela não me remete aos pulps antigos principalmente pela qualidade boa do papel, que deveria ser a mais barata possível, mas quanto ao conteúdo eu achei coerente com a proposta.


Leia Mais ››

segunda-feira, 11 de setembro de 2023

Resenha #302 Rio 60 graus (Fábio Fernandes)


Rio 60 graus do Fábio Fernandes é o livro 4 da coleção Dragão Mecânico da Draco, que reúne seis obras dos mais variados gêneros de alguns dos melhores autores da nossa ficção científica. Eu tenho a coleção completa, mas preferi começar por Rio 60 graus por ser cyberpunk, meu subgênero favorito, e não me arrependi. A obra é um caminhão de referências, numa escrita leve e descontraída, diálogos muito fluídos e já falei das referências? Então, elas dão um sabor especial a obra. Mas vamos falar disso enquanto falo um pouco sobre a história.

Acompanhamos Raytek, um garoto que tinha habilidades extraordinárias de hacker até fazer uma besteira no serviço e, como punição, ser injetado com algo que lhe retira as habilidades, mas recebe uma proposta de trabalho potencialmente perigosa de um empregador que promete remover o dano que sofreu. É na essência o mesmo enredo do clássico Neuromancer, mas a referência é tão intencional quanto a frase de abertura que faz um jogo de palavras com o início da obra de Gibson. (para quem não lembra: “O céu sobre o porto tinha a cor de uma televisão sintonizada num canal fora do ar"). Outras referências estão nas obras como Nova York 2140 de Kim Stanley Robinson, onde pulsos elevaram o nível do mar submergindo a Zona Leste do Rio de Janeiro e a Baía da Guanabara. As inserções da Colmeia, que lembram seu livro Os Dias da Peste. É até bacana imaginar que as obras fazem parte ora de um mundo, ora de outro, (na minha cabeça ainda não entra o copyright) mas o fato é que se trata de um mundo próprio e bem rico (ou talvez seja parte do mesmo mundo ), e o Rio de Janeiro, tão tecnológico quanto vivo. E tudo isso em pouco mais de cem páginas. O autor já manifestou seu desejo de expandir o mundo construído aqui e eu como bom fã de cyberpunk estou no aguardo.
Leia Mais ››

segunda-feira, 4 de setembro de 2023

Resenha #301 Mundo Gibi nº4 (Paulo Kobielski)

 

Olá, pessoa! Hoje vamos falar novamente de um fanzine de quadrinhos independentes do Paulo Kobielski. Fanzineiro premiado da mesma cidade que eu, Alvorada/RS. O Mundo Gibi nº5 veio mais grosso, com 50 páginas e uma porrada de conteúdos. Essa edição é de outubro de 2021, com material referente a uma boa parte da pandemia. Como uma boa revista, veio com materiais variados.

As matérias são sobre o fanzineiro Oscar Kern, e seu personagem Homem-Força; e uma homenagem que receberia na 4ª Gibifest em 2019. Outra matéria é sobre a Mitologia Afro-brasileira nas HQs, seguias de uma resenha da HQ Contos dos Orixas do Hugo Canuto (já resenhada aqui no blogue) e, também, uma entrevista com Alex Mir, autor de outra HQ com o tema de mitologia afro-brasileira, Orixás em Guerra. Há uma crônica do Anderson ANDF, outro fanzineiro de Alvorada e uma matéria do jornal local, A Semana, sobre a consagração do Paulo como vencedor do 36º Troféu Ângelo Agostini, na categoria fanzine com a edição sobre o Vigilante Rodoviário.

Outra matéria muito bacana é sobre um detetive obscuro chamado Dylan Dog, criado na Itália e que eu nunca ouvi falar, mas achei muito interessante. Uma resenha de "Último Assalto" me fez querer catar essa revista para ler. Também sobre as histórias de Cazador, um anti-herói argentino e Caballeros, também da Argentina. 

Adorei a sequência de histórias do Aldo Mães dos Anjos, com várias histórias engraçadas sobre uma família se prevenindo contra a pandemia. Lendo assim não parece que iria ficar divertido ou sequer de bom gosto, mas as histórias são ótimas! Outra história, que também é sobre a pandemia, é de Laura Laco, chamada Atrás dos Números, que fez uma abordagem mais sensível que achei bastante tocante. Há também duas historias curtíssimas e bem divertidas do Juanito. Enfim. É tanta coisa que nem parece que coube em apenas 50 páginas, mas coube sem nada ficar apertado demais, com letras pequenas ou perda na qualidade. Mal posso esperar pelo volume 6!

Leia Mais ››

segunda-feira, 28 de agosto de 2023

Resenha #300 Outros Brasis da Ficção Científica (Org. Davenir Viganon)


Para esta postagem de número 300, quero trazer uma resenha especial. A antologia que tive a honra de organizar foi a vencedora do Prêmio Argos de 2022 na categoria melhor coletânea/antologia. Estou falando da Outros Brasis da Ficção Científica, (2021), que abriu uma série de antologias temáticas de ficção fantástica que foi sequenciada pela Outros Brasis da Ficção a Vapor de 2022 e Outros Brasis da Ficção Cyberpunk, que está em produção. Porém para falar sobre a obra vou trazer o texto do Nelson Freiria publicado no excelente blogue Ficção Científica Brasileira. Boa leitura.

Tanto a FC quanto o Brasil são difíceis de definir, mas quando os vemos sabemos o que são. Ao mesmo tempo é necessário oferecer novas experiências ao leitor desse gênero: experiências brasileiras. É preciso não se prender a convenções enraizadas. Podemos buscar novas visões de mundo, buscar elementos regionais de Brasis distantes. Podemos expandir nossas formas de escrita, novas linguagens, que são exploradas por outros gêneros há bastante tempo. Todas essas inovações já estão aparecendo na FC brasileira e temos uma pequena amostra delas nos contos selecionados aqui. [Trecho do prefácio]

Em meados de 2021, a coletânea de contos Outros Brasis da ficção científica chegou como uma grata surpresa na literatura de ficção científica nacional. Enquanto o país atravessava o pior momento da pandemia de Covid-19, o livro organizado por Davenir Viganon achou caminhos para tocar os leitores, apresentando-lhes diferentes cenários brasileiros ou abrasileirados, diversos perfis sociais e uma grande diversidade de temas. Tudo isso em uma obra de apenas duzentas páginas.

Composta por catorze contos, sendo seis de autores convidados, sete de autores selecionados e um do próprio organizador, há narrativas de todos os tamanhos e gostos. A obra apresenta uma boa dose de crítica política, algumas vezes se relacionando com o momento de crise sanitária e a polarização que o Brasil vive nos últimos anos. Mas a coletânea também dialoga muito bem com naves espaciais, o planeta Marte, órgãos artificiais, plantas conscientes, distopia, sexualidade e muito mais. É nessa mistura de sabores que o livro consegue representar nosso país, que é plural em todos os sentidos.

Além de extrapolar a atualidade para nos trazer boa literatura, os contos, em sua maioria, também revelam os novos caminhos da ficção científica nacional, expondo as preocupações e os valores de autores que buscam narrativas cada vez menos engessadas, cada vez menos obedientes a padrões. Além disso, também há espaço para o cômico, um traço bastante comum em nossa literatura, e que permeia várias das histórias de Outros Brasis da ficção científica, oferecendo uma leitura bem à brasileira, sem jamais se esquecer das questões tecnológicas.

 A coletânea conta com alguns bons e conhecidos nomes, como Fábio Fernandes, Claudia Dugim e Gilson Cunha. Também apresenta alguns autores mais recentes, que vêm se destacando e conquistando espaço nas prateleiras, a exemplo de Lu Ain-Zaila e Ricardo Celestino. Não poderia deixar de citar, é claro, o inenarrável Luiz Bras, também entre os autores convidados. Mas o que mais me surpreendeu durante a leitura foi a ousadia dos sete autores selecionados ao explorar novos temas e estilos.

É incrível notar como todas as histórias são estruturadas com o sentimento de brasilidade, seja em elementos maiores ou menores, mas que causam facilmente a sensação de familiaridade nos leitores, seja nas atitudes dos personagens e nas situações que vivem, ou em como certos aspectos influenciam todas as coisas, por exemplo, a complicada política de nosso país. Talvez a melhor descrição desse aspecto esteja nas palavras do próprio organizador: “Por uma FC brasileira que transpire Brasil”.

Outros Brasis da Ficção Científica é a estreia de um novo selo dentro da Editora Caligo. O trabalho de edição foi altamente competente, tanto nas escolhas dos autores pelo organizador, Davenir Viganon, quanto pelo trabalho de edição da equipe capitaneada pela editora Bia Machado. Sem falar da belíssima ilustração de capa selecionada pelo designer Pedro Viana.



 


Leia Mais ››

segunda-feira, 21 de agosto de 2023

Resenha #299 Piritas Siderais (Guilherme Kujawski)


Piritas Siderais, (1994) do Guilherme Kujawski é uma das obras precursoras do tupinipunk, que é a aproximação do cyberpunk para o Brasil. Digo aproximação, pois o cyberpunk brasileiro tem preocupações diferentes do americano. No caso de Piritas Siderais é vemos uma preocupação com a com a linguagem e com a subversão do próprio gênero, para transportar o leitor para um futuro próximo embebido de tecnologia com uma interpretação da espiritualidade.

O Brasil de piritas siderais é despido de sua casca cristã, assumindo seu interior iorubá. As cidades são regidas por orixás e o mundo é estacionado numa necessidade de reconstrução. A obra é curta, mas sua linguagem exige do leitor, principalmente no primeiro terço, onde os mundo e Zé Seixas e Terêncio Vale, (os protagonsitas) são apresentados. Uma vez imerso, a história bastante simples avança e conhecemos os vilões da obra, Maria Gonçalves e Berzelius Baldwin que lhes oferecem um trabalho que sabemos que vai dar merda. O que não deixa de ser um padrão de histórias cyberpunks. Personagens financeiramente na merda que aceitam trabalhos ruins que os colocam em situações muito ruins. Contudo, aqui o objetivo é satirizar ao extremo. Os personagens são engraçados, ridículos e as situações também. A linguagem é difícil, pois é experimental e compensa o leitor com uma história simples, pois permite o leitor se jogar no quebra-cabeça linguístico, sem tropeçar em um quebra-cabeça no enredo.

Minha recomendação é ler o livro com a mente aberta. Espere humor, aproveite cada frase pelo que ela inspira e siga lendo sem se preocupar com o tempo. São 136 páginas que passaram rápido e vão ficar na sua cabeça por algum tempo. Vai deixar confuso o leitor acostumado a leituras mais lineares, então é bom separar esta leitura para quando você estiver na vibe de algo diferente. Caso contrário deixe para depois. Eu fiz isso e valeu a pena.

Vou deixar o linque de outra resenha, de quem entende mais que eu sobre o livro, o Luiz Brás com uma versão em pdf da obra para quem quiser ler também!
Leia Mais ››

segunda-feira, 14 de agosto de 2023

Resenha #298 O Espadachim de Carvão e a Voz do Guardião Cego (Affonso Solano)


Quase uma década após o lançamento de O Espadachim de Carvão, chega a sequência direta a história de Adapak e o mistério sobre o que ele é. Houve um segundo livro que voltava no tempo e acompanhava um ladrão lendário chamado Puzur, mas apenas agora ficamos sabendo o que aconteceu com Adapak após o final nada conclusivo do primeiro livro. Aliás, esse foi o que acredito o que menos gostei na obra. O final ficou abrupto e tudo ficou como se fosse um bom final de temporada de série mas não de um livro. Neste livro III, A voz do Guardião Cego, sinto informá-los que a história está longe do fim, porém o final foi muito menos abrupto e nos deixa muito mais interessado em saber o que vai acontecer. Resumindo, foi a mesma coisa, mas foi melhor feito.

Falei do final, mas não do início. Acompanhamos Adapak, filho de uma das quatro divindades de Kurgala (o mundo onde tudo acontece) logo após o seu sequestro por uma seita que acredita ter encontrado a reencarnação do seu profeta. Agora ele tem que lidar com o fato de que agora tem quatro esposas, fêmeas de quatro raças, destinadas a ter filhos que cumpririam uma promessa feita pelo profeta. Enquanto isso, Sirara, a pirata que havia salvo e depois perdido Adapak vai fazer de tudo para resgatar seu amigo (ou seu amor?) e pede ajuda para Jarkennun um antigo membro da tripulação do barco de Sirara que havia traído o antigo capitão, pai de Sirara, para ajudá-la a encontrar Adapak. O livro alterna entre o ponto de vista de Adapak, de Sirara e também de cartas escritas dos notários das esposas do profeta.

Aqui temos outra excelente aventura, conduzida com mais habilidade pelo autor. Apesar dos anos que separaram a leitura das obras, as raças inusitadas e bem concebidas, e toda a estranheza que é explorar Kurgala, foi uma experiência muito fluida e divertida. As ilustrações com personagens de raças diferentes ajudaram bastante a imaginação. O mapa mais detalhado é bem vindo, inclusive ele não está na primeira página, como tradicionalmente fica, assim como tudo em Kurgala foge e homenageia ao mesmo tempo ao gênero fantasia. Isso é evidente nas histórias que Adapak adora (Tamtul e Magano) e na própria construção desse mundo. É uma excelente leitura de praia e pode ser lida para relaxar e divertir. 
Leia Mais ››

segunda-feira, 7 de agosto de 2023

Resenha #297 A sombra da Rua do Arvoredo (Davenir Viganon)


[Resenha escrita por Alex Oestreich]

A história a qual somos apresentados no belo conto do Davenir é um relato epistolar e ficcional, baseado em fatos. Neste caso, Os "Crimes da rua do Arvoredo" que foram episódios reais e insólitos que ocorreram na capital gaúcha entre os anos de 1863 e 1864. Pessoas eram atraídas por uma bela jovem até um local onde eram desacordadas e mortas. Após serem esquartejadas, sua carne era utilizada para a fabricação de linguiças que eram consumidas pela população em geral. (A famigerada rua do Arvoredo foi rebatizada e hoje é conhecida por "Rua Coronel Fernando Machado).  

O relato é de um chefe de polícia de uma Porto Alegre Steampunk nos anos de 1863-1864. Dario Callado, um homem moderno em todos os sentidos. Traz para a capital gaúcha o que há de mais recente em métodos científicos. Inovador, aplica seus conhecimentos à investigação policial e com isso, se destaca de toda a força policial de seu tempo. No entanto, Callado acaba se envolvendo na investigação de uma série de crimes grotescos, que vão acabar exigindo de si o máximo de entrega e colocando sua perspicácia a prova.

Ambientado numa Porto Alegre steampunk, somos apresentado à uma paisagem que remete a virada do século XIX. Em que ao mesmo tempo que carruagens puxadas a cavalo podem ser vistas como algo comum, suas ruas populosas e sua rotina provinciana se mescla com a "tecnologia" a vapor e as mais modernas descobertas científicas do período.

O conto é eletrizante e te prende do início ao fim. Cada nova descoberta, narrada por Callado, nos faz vibrar e cria uma expectativa que é muito bem conduzida pelo autor. A narrativa é fluída e joga muito bem entre a narrativa epistolar de Callado e as cenas de ação e suspense que nos são contadas.

O conto é uma espécie de prefácio de outra história maior que irá acompanhar a trajetória do filho do protagonista (Thedorico). Esta história foi lançada pela editora Caligo na coletânea chamada: "Outros Brasil da Ficção a Vapor".
Leia Mais ››

segunda-feira, 31 de julho de 2023

Resenha #296 Savage Worlds nº3 (Jerry Souza)


Estamos de volta para prestigiar a terceira edição da revista Savage Worlds. Projeto do Jerry Souza, que edita também a Revista Profecia. Recomendo fortemente o leitor conhecer o site www.profeciacomics.com e ver com os próprios olhos as edições virtuais para ler gratuitamente.

No terceiro número temos a continuação das aventuras de Peryc e de Brandar. Peryc, vive na Terra passados dois mil anos de uma guerra nuclear que fez a humanidade regredir a barbárie. Peryc está preso na cidade das guerreiras de ébano, onde ele é jogado em uma prisão e dali em uma arena onde tem que matar para sobreviver e é recompensado com o prazer de belos corpos das guerreiras, mas isso se mostra apenas uma forma de escravidão, sendo assim Peryc foge na calada da noite e encontra um deserto. Gostei como a história progrediu e mostrou como a cidade das guerreiras negras enriquece o mundo de Peryc. A corsária faz uma breve aparição e deixa curiosidade sobre o que vai acontecer com ela. A segunda aventura é de Brandar, onde vemos vagando pelo planeta desconhecido para ele, porém seu executor logo o encontra, dedicado a colocar um fim na vida do nosso herói exilado, nos revelando a existência de sete planos de existência, e deixando mais perguntas que respostas. 

Escrevo este comentário sabendo que as aventuras se encerram com o numero 4, que sairá no ano de 2023. Além disso, haverá um acontecimento muito legal nas duas histórias que não vou dizer para não dar spoiler. Agora entro em modo de aguardando ansiosamente!
Leia Mais ››

segunda-feira, 24 de julho de 2023

Resenha #295 O cometa + O fim da supremacia branca (W. E. B. Du Bois, Saidiya Hartman)

 



"O cometa" foi escrito em 1920 por W. E. B. Du Bois é uma peça do pessimismo que escancara as relações raciais nos Estados Unidos do seu tempo a partir de uma especulação típica da ficção científica. O que aconteceria se você ficasse sozinho e todas as pessoas do mundo estivessem mortas? E se você fosse negro? O que eventualmente muda em sua resposta, a partir da segunda pergunta é que ganha centralidade neste conto.

Acompanhamos Jim, um mensageiro de um banco em Nova York, nos anos 1920, que sobrevive a um evento catastrófico causado por um cometa. O que causa o evento e as suas consequências, não é o que realmente importa aqui, mas como sua relação com o mundo muda ao longo de sua jornada pelas ruas tomadas por pessoas mortas. Então, ele encontra Julia, uma mulher branca que também sobrevive, e nessa relação entre os dois sobreviventes, cheias de impressões entre ambos e a própria situação. O conto é curto e de linguagem objetiva mas é repleto de momentos que mostram como seria diferente com um homem negro, no lugar de um branco, andando solitário e, depois, encontrando com uma mulher branca sobrevivente.

É um conto que necessita uma leitura atenta a esse aspecto, para se tirar o melhor proveito da leitura. Contudo, mesmo para o leitor mais desatento é possível tirar várias reflexões do ensaio que segue a leitura do conto, que se chama "O fim da supremacia branca" escrito por Saidiya Hartman, uma pensadora de nosso tempo que tece muitas considerações evocando vários pensadores negros, como Frantz Fanon. Esse texto, na verdade, praticamente inutiliza a necessidade de uma resenha mais avaliativa sobre o conto, pois a autora do ensaio se debruça e tece com detalhes os vários aspectos que passariam batidos por uma leitura desatenta, ou de um leitor branco que não tenha conseguido se colocar no lugar de Jim. Recomendo a leitura por ser intensa em seus propósitos mas muito palatável em termos estilísticos. 

 

Leia Mais ››