terça-feira, 31 de março de 2020

Resenha #126 - O Conto da Aia (Margareth Atwood)

"O Conto da Aia" (1985) é um clássico das distopias, que narra uma experiência intensa de uma mulher em uma situação extrema e expõe o lado mais sombrio de uma cultura que se coloca como o bastião da liberdade. O livro, que já era bastante conhecido, ganhou mais notoriedade quando foi adaptado para a televisão em forma de série.

A história se passa em um futuro próximo onde a protagonista, que se identifica apenas pelo nome/posto de Offred, narra sua rotina sob vigilância pesada e obrigações humilhantes numa ditadura teocrática de base cristã que emergiu após uma crise de infertilidade.

Offred, na escrita de Atwood, narra com uma riqueza de detalhes as nuances de sua monotonia e do enclausuramento tanto físico quanto mental. A protagonista tem dificuldade de obter informações sobre o mundo exterior enquanto faz digressões sobre todo o processo de perda de liberdade e separação da sua família. A única coisa a qual Offred se prende é a sua filha que lhe foi tomada.

A escrita da autora acompanha os sentimentos da protagonista: Narra o tédio de forma lenta, nos trazendo muitas nuances do pouco que ela consegue ver do mundo. Há muitas troca de olhares, impressões, dúvidas, conversas sussurradas, informações de terceiros e sinais combinados que chegam a conferir um ar de espionagem a história. Contudo, a obra pode desagradar por ser parada. Não há coisas acontecendo o tempo todo, em oposição a série de televisão. Essa trouxe bastante interesse para o livro e adaptou muito bem a história em vários elementos. A história é bem fiel ao livro e a medida que as renovações de temporadas foram acontecendo os eventos do livro foram extrapolados. 

A série tem um ritmo mais tenso, emocionante e tem muitas reviravoltas. Essa experiência pode acentuar a impressão de lentidão do livro devido a uma expectativa equivocada, caso o leitor comece a leitura após ver a série. Se o leitor aceitar bem essa característica, vai poder aproveitar melhor a leitura mas recomendo ler o livro antes da série pois a adaptação vai funcionar melhor devido a fidelidade entre as mídias.
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terça-feira, 24 de março de 2020

Resenha #125 - Trilogia REQU13M (Lídia Zuin)



A trilogia REQU13EM é o conjunto de três noveletas que expandem as aventuras da hacker Lynks, sendo a primeira "Deus sonha o homem", narrando eventos antes do conto Dies Irae, enquanto as outras duas partes, "O homem sonha a máquina" e "A máquina sonha deus" dão continuidade ao conto original. Apesar de serem três novelas separadas, elas são mais coesas juntas que como partes separadas, principalmente as duas últimas. Espero que todo esse material seja lançado como um dia como um romance, pois é a forma que acho que me agradaria e seria mais justa de ver publicado. 

Em "Deus sonha o homem" Lynx aceita um trabalho no melhor estilo cyberpunk, para manter seu estilo de vida hedonistamisterioso e perigoso o suficiente para ser uma cilada. A narrativa mantem a linguagem seca mostrando não apenas a podridão dessa sociedade mas como afeta a percepção do real por conta do uso de Realidade Virtual que não se diferencia muito do uso das drogas, pois ambas são formas de alucinação sendo a do ciberespaço, consensual. Outro aspecto que chama a atenção é a constante de artificialidade que cerca a protagonista, desde que Lynx sai(?) do ciberespaço até o consumo dos alimentos análogos aos originais. A história aumenta a velocidade até ser quase tão frenética quanto o conto original levando a uma boa revelação no final.

Na segunda parte, "O homem sonha a máquina", se passa logo após os eventos do conto Dies Irae. A história logo abandona o ritmo frenético de fuga do conto e passa ao investigativo. Lynx encontra o mesmo homem misterioso da primeira parte, que pede ajuda para investigar uma série de assassinatos cometidos contra um grupo de tecnognósticos. Na terceira e última parte "A máquina sonha deus", Lynx retorna a investigar os assassinatos, mas o verdadeiro enigma tem mais a ver com o destino do homem misterioso e das irmãs que a mantém segura. A conclusão da saga de Lynks leva para caminhos que exploram o aspecto teológico da visão gibsoniana do ciberespaço como alucinação coletiva, mas ao invés da cosmologia do vodum caribenho temos a budista.

A leitura é bem recomendada para quem gosta do cyberpunk, principalmente quando os elementos teológicos estão envolvidos. A escrita é carregada da aspereza e ambienta de forma intensa o mundo cyberpunk que pode ser em qualquer grande centro urbano.
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terça-feira, 17 de março de 2020

Resenha #124 - Dies Irae (Lídia Zuin)


"Dies Irae" é um conto de Lídia Zuin, uma das poucas escritoras que além de escrever, também pensa o cyberpunk no Brasil, através de textos e seu trabalho acadêmico, tornando-se assim uma das referências no assunto. Publicado pela primeira vez na revista Imaginários da Editora Draco em 2010, e depois em e-book em 2012, o conto é uma corrida frenética da hacker Lynx que foge de uma gangue perigosa após ter divulgado arquivos secretos cheios de filmes snuff colocando sua cabeça a prêmio.

O ponto forte do conto é a qualidade da narração que é seca, visceral e pinta muito bem a severidade desse mundo e faz questão de andar pelas suas partes mais sujas. A influência de William Gibson é bastante evidente, tanto que o conto poderia muito bem se passar no Sprawl. O conto não se preocupa em desenvolver uma história completa, ficando como uma pincelada desse mundo. Este cenário mudou no ano seguinte com a publicação de três noveletas que abrangem essa paisagem cyberpunk contando momentos antes de "Dies Irae", na primeira história e momentos após nas outras duas, formando a trilogia REQU13M.

Para saber mais sobre esse conto, recomendo além da leitura do proprio, a resenha do blogue Cyber Cultura!
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terça-feira, 10 de março de 2020

Resenha #123 - Justiça Anciliar (Ann Leckie)


"Justiça Anciliar" ganhou vários prêmios quando foi lançado em 2013, como o Nebula e o Hugo e isso gerou um expectativa quando foi lançado no Brasil em 2018. A história segue Breq ex-membro do Império Radchaai, que agora busca vingança. Breq era a IA da nave Justiça de Toren um gigantesco porta-tropas utilizado em anexações de planetas ao território do império Radch. Grande parte da expectativa se dá a forma linguística, a flexão no gênero feminino em todo o livro, segundo a cultura do império que ignora tais diferenças. 

A história alterna capítulos no passado e no presente. No presente, Breq está em um planeta distante, gelado quando encontra a capitã Seivarden que acompanha Breq numa vingança contra a Senhora do Radch. No tempo passado, Breq retoma mil anos antes, quando ainda era a Justiça de Toren durante a anexação de um novo planeta e nos acontecimentos que levaram a dissidência da Justiça de Toren

A leitura tem o grande atrativo do estranhamento proporcionado pela flexão no gênero e na feliz escolha do tradutor, Fábio Fernandes, pois essa escolha influi muito mais numa língua que separa os gêneros como a portuguesa, do que na inglesa. O que pode atrapalhar a apreciação do livro é a grande expectativa que os prêmios geraram, e também o uso de duas linhas narrativas que precisam, cada uma um tempo para contextualizar e esquentar a história até o climax. Contudo, esse espaço que ocupa o primeiro terço do livro, é usado para pintar esse universo de várias raças, a cultura dominante do Radch e esse império em crise. 

Pessoalmente o livro me agradou bastante, o fim da leitura teve um tom amargo pois concluí já sabendo que o livro não teve uma boa recepção no Brasil, (talvez o hype dos prêmios, como disse anteriormente) e acabou deixando a trilogia sem previsão da editora Aleph para lançar as continuações até o momento.
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terça-feira, 3 de março de 2020

Resenha - Revista Quadrante Sul 9

Estamos de volta para a série de resenhas da Quadrante Sul, desta vez com a edição 9 de 2018. Este número está bem melhor que o anterior, que eu achei o mais fraco até então. A primeira história é da vigilante Lady D em "A lista de Kadosh" que traz um mistério interessante de um ex maçom que caça impiedosamente seus antigos companheiros de seita após ser traído, como em toda boa história curta deixa pontas soltas e desperta curiosidade em saber mais sobre. Depois, vem "Ponto de Vista" que se destaca pelas artes incríveis de Eugênia Leitzke (o que mais gostei nessa edição) que traça um paralelo entre a natureza e a violência urbana. "Androide" é um curtíssima história de duas páginas tiradas da Fanzine Tchê nº 12, que é uma ficção científica muito boa. 

Em "...o fim do mundo!" a história é protagonizada pelo mutante Enigma em um mundo pós-apocalíptico com uma pegada cyberpunk no que tange a desagregação social, pois Enigma vive escondendo sua condição de mutante em um mundo onde não se pode confiar em ninguém o que foi bem aproveitado na história que tem um final bom. "Os sete sábios cegos" é uma adaptação de uma antiga fábula indiana que ficou bem adaptada. A última história da edição é "A olho nu" que mostra um cego que volta a enxergar após ser operado e se aterroriza ao ver o mundo. O tom niilista é forte mas um pouco ingênuo e adolescente demais e acredito que poderia passar a mesma mensagem em menos quadros ou aprofundar o conteúdo no mesmo espaço. A edição encerra com uma homenagem a Diego Müller, que era membro ativo da comunidade de Fanzines falecido em 2017.

A edição 9 é muito rica em boas histórias e bem caprichada nas artes. A arte de capa e a contra capa tem estilos artísticos que fogem das HQs comuns e enchem os olhos. Recomendo. 

Ficha técnica:
"A Lista de Kadosh": Roteiro de Marcelo Tomazi, Arte de Jader Corrêa e Letras de Alex Doeppre.
"Pontos de Vista": Roteiro e texto de Gervásio Santana, Arte de Eugênia Leitzke e Letras de Alex Doeppre.
"Andróide": Texto e arte de Jack Jadson.
"...o fim do mundo!": Argumento de Diego Müller, Adaptação e Roteiro de Gervásio Santana, Arte de Carlos Lima, Sullivan Suad e Zilson Costa e Letras de Alex Doeppre. 
"Os sete sábios cegos": Texto de Jerônimo Souza, Arte de Iwfran Costa e Letras de Alex Doeppre.
"A olho nu": Texto de Jean Magalhães, Arte de Andf e Letras de Alex Doeppre.
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