segunda-feira, 25 de maio de 2020

Resenha #133 - A curva do sonho (Úrsula K. Le Guin)

"A curva do sonho" foi lançado em 1971, por Ursula Le Guin mais conhecida pelos romances do ciclo Hainnish, A mão esquerda da escuridão e os Despossuídos, além da série de fantasia: O Feiticeiro de Terramar. Aqui temos uma obra típica da New Wave da ficção científica, onde se busca novos horizontes de especulação, para além das ciências duras (Física, Química e Biologia) da época de ouro (1930-50), nas ciências humanas e de elementos religiosos/místicos.  

A história segue George Orr que vive atormentado com seu poder de alterar o tecido da realidade através dos sonhos. Devido a incapacidade de controlar os sonhos e por sua personalidade passiva, Orr busca alívio em drogas supressoras de sonhos quando passa a frequentar o consultório do médico psiquiatra Dr. Haber, de forma compulsória pelo uso dessas drogas. Uma vez que o Dr. Haber descobre que os poderes de Orr são efetivos, começa a usar George para manipular a realidade a sua vontade e sua crescente sede de poder.

A personalidade passiva de Orr acaba cedendo a ambição quase psicopata de Haber, travando debates interessantes enquanto fazem alterações e cenários em uma história que poderia ter saído de um livro do Philip K. Dick, mas a escrita refinada e imersiva de Le Guin torna impossível confundir com o estilo seco e direto de Dick, que foram  maravilhosos ao seu modo. Outra coisa bacana é a advogada Heather Lelache, que levanta questões raciais na trama e tem um envolvimento romântico com George. Quem já leu outros livros da autora, sabe que seus livros valem mais pela jornada que por qualquer final surpreendente, mesmo assim, sem uma reviravolta ela consegue entregar um romance sucinto, profundo e com um final muito bonito. Vale muito a leitura!
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segunda-feira, 18 de maio de 2020

Resenha #132 - A Construção do Imaginário Cyber (Fábio Fernandes)

"A Construção do Imaginário Cyber: William Gibson, criador da cibercultura" (2006) é um livro derivado da monografia do mestrado de Fábio Fernandes, onde o autor argumenta sobre a obra de William Gibson e como ela influenciou a cibercultura, não apenas especulando o futuro, propondo uma nova forma de vê-lo, mas contribuindo para molda-lo. Talvez essa resenha pareça um fichamento, provavelmente pois foi baseada num fichamento de uma leitura com marcações no texto, afinal não temos preocupação com spoiler aqui.


O primeiro capítulo analisa as contribuições de William Gibson para a criação da cibercultura com um entendimento melhor do conceito de Aldeia Global, de Marshal McLuhan e da comunicação instantânea especulada por Arthur C. Clarke. O conto "O Contínum de Gernsback" é a forma que Gibson mostra que o futuro limpo da FC dos anos 1930 parece uma propaganda nazista perto da realidade suja e desigual da visão dos ciberpunks.

O segundo capítulo busca trazer luz ao que é ficção científica trazendo o conceito de  estranhamento cognitivo/maravilhamento, além de caracterizar como um megatexto com palavras conhecidas (como robô ou nave) mesmo em obras diferentes.

O terceiro capítulo narra uma mudança na forma tradicional de FC dos anos 30-50, a Era de Ouro, onde despontaram nomes como Asimov e Clarke caracterizada pelo foco em áreas "duras" do conhecimento como a física, química e biologia em histórias limitadas ao confronto bem x mal, inspiradas no contexto da 2GM e passando pelo surgimento da New Wave nos anos 1970 onde despontaram Ballard, Ursula LeGuin e Delany, trocando o foco para áreas humanas como a antropologia, linguística e semiótica e tinha histórias multipolarizadas inspiradas no contexto da Guerra Fria e por fim, no movimento ciberpunk, que busca novas formas de especulação contrapondo-se fortemente a FC da Era de Ouro, tendo William Gibson e Bruce Sterling são os principais expoentes. 

O quarto capítulo faz um resumo da obra literária de Gibson, onde o autor extrai as principais contribuições conceituais de cada obra. Principalmente Neuromancer, Count Zero e Monalisa Overdrive. Para fazer isso o autor conta também os finais de algumas obras o que é importante para quem não leu algum dos livros doa autor. Como a obra é de 2006, ainda não haviam sido lançadas as sequências que formariam a Trilogia Blue Ant, apenas a primeira (Reconhecimento de Padrões) que é especialmente tratada no capítulo cinco. 

Em Reconhecimento de Padrões, o autor a aponta como uma repetição do que Gibson havia tratado em suas obras anteriores mas sem a especulação de uma FC, pois a obra se passa no presente. Por exemplo, a forma de megacorporações (como a Tessier-Ashpool de Neuromancer) é substituída pela pequena empresa Blue Ant, ágil e terceirizadora de staff, diferente do conglomerado que praticamente encarcera funcionários valiosos como em Count Zero. Isso também aparece na protagonista que reúne algumas características de personagens anteriores como Case, Laney, Molly Millions. O autor ainda faz reflexões sobre os fóruns que Cayce frequenta com comunidades na internet que ainda iriam se alastrar nas duas últimas décadas, dando o exemplo da época, o Orkut. As próprias repetições entre as especulações dos primeiros livros e Reconhecimento de Padrões mostram o quanto Gibson influenciou a criação da cibercultura e também como Gibson foi modificado por elas.

Espero não ter distorcido nenhuma reflexão do autor aqui, ao tentar colocar o que li em menos palavras. A monografia que gerou este livro é uma das pioneiras na abordagem da ficção científica na academia, aqui no Brasil e isso deve ser o suficiente para começar a leitura. Então, se você gosta de ciberpunk, cibercultura e não tem medo de uma leitura de não-ficção inteligente recomendo esse livro!
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segunda-feira, 11 de maio de 2020

Resenha #131 - Realidades Voláteis & Vertigens Radicais (org. Luiz Bras)

"Realidades Voláteis & Vertigens Radicais" é uma coletânea de contos de Ficção Científica brasileiros organizado pelo superativo Luiz Bras, pseudônimo de Nelson de Oliveira, que promove uma verdadeira reunião de novos talentos da Ficção Científica BR, onde temos muitos nomes para ficar de olho.

Os contos são separados em dois grupos que parecem dois livros distintos. A primeira parte, "Realidades Voláteis", são contos de Ficção Científica que fazem especulações usando muita ironia nos primeiros contos, que são bastante curtos, como em "Inteligência" (Laura Lin) e "Acordo" (Lígia Gomes), passando pelo escrachado "Relações Públicas" (Petrônio de Tílio Neto) e a alegoria política de "Zé e as formiguinhas ilustradas" (Ivan Carlos Regina) e vão elevando o tom de seriedade até o conto cheio de epístolas de um computador renegado em "Relato nº11" (André Argolo). Os contos são muito bem escritos e muitos deles bastante curtos (são 14 contos nas 100 primeiras páginas) e o que é muito bem vindo é o jeito brasileiro que corre solto nas páginas, não apenas nas localizações das histórias mas na fluidez no uso de situações e a  linguagem como usamos por aqui.


A segunda metade do livro, "Vertigens Radicais", se mostra totalmente disposto a  viajar a fundo no fantástico sem a preocupação da especulação. Contos que tendem mais ao  lisérgico e ao fantástico, sem abandonar completamente as especulações que caracterizam a ficção científica como em "Lourdes" (Lorena Ribeiro) e "Pílulas de Einstein" (Gisele Mirabai) onde o cérebro de Einstein viaja na mente dos cientistas. Em "O lixão trans-espacial (Tadeu Sarmento); "Novinha Suscetível" (Paulo Lai Werneck) e, principalmente em "O jardim das delícias não-terrenas" (Dindi Coelho), o sexo e a FC são abordados de forma descontraída, primeiro com a rotina dos habitantes de um lixão que recebe visitas de alienígenas, no segundo temos uma pincelada de um atendimento num bordel de ginoides sexuais e por fim o relacionamento de uma mulher com um ginoide que troca de forma ao gosto do cliente.

"Expire, inspire" (Belise Mofeoli) é uma pérola sobre a desigualdade que é a diferença entre a vida e a morte; e comprimidos não bastam. Temos o uso criativo dos computadores nos contos "Buscador" de Luiz Bras, organizador do livro, em que um homem pode buscar o futuro ou uma profecia autorrealizável?!; e "Invisible Tool" (Gláuber Soares) onde um programador não consegue mais sair do trabalho. Também temos duas viagens ao inconsciente, em "só restou eu" (Toni Moraes) e o conto do saudoso Maro Aqueiva, "Me and You" onde um piloto onírico está muito longe de estar no controle, sendo apenas um passageiro de uma mente criativa. e encerrando a segunda metade do volume, um conto com mais fôlego: "Quinas" (Tereza Yamashita), encerra o livro numa viagem maluca no tempo, transformações biológicas e uma fêmea traída.

O balanço final é de um livro muito divertido e gostoso de ler, e que mostra a Ficção Científica brasileira num momento muito prolífico, criativo e cheio de personalidade. Recomendo procurar essa obra e olhar com mais carinho para a ficção científica em terras tupiniquins.
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terça-feira, 5 de maio de 2020

Resenha #130 - Como Ler Melhor 1 e 2 (Fábio Fernandes)

"Como Ler Melhor: Dicas para quem quer ser foda na leitura" e "Como Ler Melhor 2: Em tempos de quarentena" são guias para quem gosta da atividade da leitura e quer tirar dela o melhor proveito possível. Foram escritos pelo Fábio Fernandes, que além de escritor, tradutor e professor é um leitor voraz que já teve problemas por não conseguir ler tanto quanto gostaria e compartilhou nesses livros uma série de dicas que podem iluminar o caminho de quem anda confuso e é para esses que o livro vale a pena. Pois além de indicar possíveis caminhos, as dicas podem nos revelar que já fazemos algumas coisas certas mas apenas não nos damos conta disso ou achamos que é errado. A argumentação simples e direta do autor tem um ritmo de leitura muito agradável e, ao menos para este que vos resenha, fez reavaliar novas possíveis atitudes que pretendo tomar e tirou o peso de algumas coisa que já fazia.

O autor escreveu o "Como Ler Melhor: Dicas para quem quer ser foda na leitura" em fevereiro deste ano reuniu as primeiras dicas e em abril, escreveu "Como Ler Melhor 2: Em tempos de quarentena" ampliou o conteúdo direcionando as dicas para os tempos de isolamento. Resolvi fazer um texto para os dois livros pois o segundo complemente o primeiro e as considerações para ambas as obras não mudam. Recomendo ler os dois em sequência, mesmo depois que o isolamento terminar pois são leituras muito breves e devem ajudar nas próximas leituras.
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