Mostrando postagens com marcador Bráulio Tavares. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Bráulio Tavares. Mostrar todas as postagens

segunda-feira, 20 de novembro de 2023

Resenha #312 Mundo Fantasmo (Bráulio Tavares)

Mundo Fantasmo do inefável Bráulio Tavares é antes de tudo uma aula de como escrever um livro de contos. Não é um amontoado de histórias contadas pelo mesmo autor, mas tem uma coesão entre as histórias que formam uma unidade. No caso, a unidade é o mistério, o inescrutável. É aquele livro que você mostra para calar a boca de quem fala mal da literatura fantástica brasileira, o que é bem legal, mas acima disso você mostra para encantar leitores com excelentes contos. Sabemos que num livro de contos, não tem como gostar de todos os contos mas pessoalmente o elo mais fraco deste livro ainda é muito bom.

"Oh lord, won't buy me" é uma bem humorada viagem a um fim de tarde miserável de um leitor de ficção científica pacato de meia-idade que tem um encontro com um estudante de física que alega ser uma entidade cósmica com uma missão relacionada a própria existência do nosso leitor. O autor brinca com o fandom, apaixonado por historias e que por vezes escondem uma megalomania reprimida. E eu, como um leitor de meia-idade de Porto Alegre que só iria para São Paulo para encher uma mala de livros de um sebo, fiquei comovido.

"História de Cassim, o Peregrino, e de um crime perfeito que Deus castigou" temos mais uma história no mundo fantásico ibérico, onde uma dupla de cantadores encontra um contador de histórias e começa um desafio para que o misterioso homem conte uma excelente história. Agora os desafiantes não conseguem tirar essa história da cabeça. Uma narrativa que parece mais uma noveleta, a mais longa do livro e a que considerei mais instigante. Esse ciclo merecia um livro só para ela.

"Paperback Writter" personagens de uma Londres estranhamente gótica vão a um concerto em que um autor digita uma história e a plateia acompanha extasiada os caminhos que ela segue enquanto debatem com a frivolidade de uma elite burguesa. Achei uma homenagem ao prazer da escrita, que geralmente não conseguimos compartilhar pois o autor só entrega a história já pronta e não o seu desenvolvimento. 

"Expedição as profundezas do oceano" um caso policial que utiliza a forma de depoimento como são coletados pela polícia, que nos leva a uma brasilidade que nos aproxima muito da história, pois é exatamente como uma delegacia brasileira funciona. 

"Exame da obra de Giuseppe Sanz" acompanha a trajetória de um autor, pelo depoimento de um admirador que descobre que seu ídolo escreveu suas grandes obras de sucesso simplesmente juntando partes de outros romances consagrados, despindo-os de seu contexto original. É a forma bastante irônica que o autor nos traz a baila uma discussão do que é literatura. Do quanto que lemos e consumimos, não é novo. Mas não necessariamente de uma forma ruim.

"E assim destruímos o Reino do Mal" conto que aborda de forma alegórica, usando o épico para mostrar como se comete atrocidades sem ter consciência disso. Não é apenas sobre a imbecilidade da guerra, mas sobre o imbecil que a cultua.

"Breves histórias do tempo" conta a história de um contador de histórias tetraplégico e que vai se fundindo profundamente a sua finalidade de contar historias. Esta mesma mesma habilidade de u aproxima e o distancia tanto da humanidade. Habilidade que argumentamos como diferença entre nós e os animais.

O edição que li, foi a da Bandeirola, que obtive ajudando no financiamento coletivo tem um posfácio sensacional do autor explicando as intenções por trás de cada conto. Tentei não incluir suas impressões nas minhas impressões sobre os contos, mas as vezes é inevitável. De qualquer forma, vale mesmo é conferir por si. 

 

Leia Mais ››

segunda-feira, 26 de setembro de 2022

Resenha #254 A Espinha Dorsal da Memória (Bráulio Tavares)



"A Espinha dorsal da Memória" (2020) é a principal obra do escritor Bráulio Tavares onde o vemos na sua melhor modalidade, o conto. Minha edição é da editora Bandeirola que relançou a obra após campanha de financiamento coletivo repartindo a obra original em duas. A primeira de mesmo nome e Mundo Fantasmo. Este volume tem duas partes. A primeira estão agrupados contos curtos com temáticas bastante variadas onde podemos ver o autor com uma escrita muito acima da média na FC brasileira. Na segunda parte temos contos que giram entorno d'Os Intrusos, uma raça alienígena que aparece a Terra e abala profundamente nossas crenças em tudo. Vamos aos contos em separado. 

Parte I

"Mal-assombrado" é um conto muito curto. Um homem reflete em meio ao medo que o domina sobre criaturas que poderiam surgir das sombras.

"Os Ishtarianos estão entre nós" é um punhado de reflexões que fazemos em momentos de solidão, porém refinadas e cheias de ironias divertidas que só poderiam ter saído de um escritor de Ficção Científica.

"Catálogo de exposição" uma viagem num museu futurístico com todas as bizarrices que você não poderia imaginar. Gosto da constante sensação de estranhamento ininterrupta que o autor promove durante toda a leitura.

"História de Maldun, O Mensageiro" um conto sobre a memória por um senhor que tenta lembrar uma aventura de sua época de menino em plena idade média após a dissolução dos califados árabes. A falta de elementos e credibilidade do relator atiçam a curiosidade ao longo da jornada.

"Cão de lada ao rabo" David é um cientista que faz a maior descoberta científica num laboratório no porão de sua casa e é sugado por um buraco negro caseiro e de dentro dele tenta vislumbrar sua situação. Gosto das descrições das sensações e de imaginar esse horizonte de eventos.

"Mare Tenebrarum" Um momento dramático de uma casa sendo invadida pela chuva. O conto consegue retratar o caos da tempestade de forma comovente ainda que os personagens não tenham tempo para comoverem-se com nada.

"Sympathy of the Devil" Um autor recebe uma proposta de pacto feita pelo diabo e ambos tem uma conversa onde o diabo tenta convencer o autor a aceitar o trato. A forma com que o diabo se apresenta é bem diferente e o final surpreendente.

Parte II

"Príncipe das Sombras" acompanha um autor muito famoso por seus livros de viagem no tempo, em momentos com seu pai e depois com uma misteriosa mulher, em meio aos primeiros momentos da aparição d'Os Intrusos, extraterrestres de origem totalmente desconhecida. Enquanto está com o pai, a narrativa alterna entre as primeiras impressões, resumidas de seus próprios artigos, de um autor que não faz ideia do que está acontecendo e depois, o caos que se instaura e os sentimentos afloram a pele, quando ele encontra uma mulher misteriosa e se envolve com ela.  

"Jogo Rápido" O professor Leo chega ao Brasil para participar de uma missão espacial para receber Os Intrusos e é recepcionado pelo seu amigo de longa data Alan. Ambos conversam sobre como o Brasil mudou com a descoberta da vida inteligente fora da Terra e como esta bagunçou o imaginário popular com seitas e grupos com ideias malucas. São aspectos que pouco vi sobre invasões espaciais e os momentos mais impactantes são excelentes.

"Stuntmind" acompanhamos trechos da vida de Roger Van Dali, um stuntmind. São os seres humanos que voltam com conhecimentos dos Intrusos após entrarem em contato com eles. Conhecimentos tão valorizados que eles voltam e são tratados quase como divindades, criando uma casta de seres com revelações porém parecem ter perdido um pouco da sua humanidade. 

"Mestre de Armas" avança mais no tempo, onde uma guerra com os Intrusos é uma realidade e a humanidade avança pelos portais de Hipertempo, porém é uma viagem só de ida, sempre para frente. Isso obriga a humanidade a avançar criando estações. Acompanhamos uma unidade do exército em sua trajetória rumo a entidade máxima, mas isso seria avançar sempre ou uma luta sem sentido? O autor subverte a narrativa de Space Ópera de império enormes e fraturados para uma humanidade em franca corrida sabe-se lá para onde.

"O espelho-relâmpago no oco do ciclone" o livro encerra-se com um conto sobre a finalidade. Após a humanidade explorar o espaço, avançando no túnel do Hipertempo e construir dezenas de estações, eis que a humanidade retorna ao Sistema Solar. A unidade em Fobos, lua de Marte, traz um vislumbre da Terra mas não é mais o planeta que deixaram para trás. Acompanhamos um grupo de Decifradores e Descritores, que são a ponta de lança da exploração que busca entender os Intrusos numa guerra cada vez mais distante.




Leia Mais ››

segunda-feira, 25 de abril de 2022

Resenha #232 - Fanfic (Bráulio Tavares)


"Fanfic" de Bráulio Tavares é uma coleção de contos do autor que é um dos melhores contistas da Ficção Científica brasileira. Aqui encontramos várias flash fictions, contos curtos que se tornaram a especialidade do autor em seu tempo de colunista diário no Jornal da Paraíba. Também temos alguns contos maiores, sendo o último, uma noveleta.  

Finegão Zuêra abre a coleção com uma pequena peça de experimentação linguística, para desestabilizar o leitor. O Homem que Perdeu Seu Reflexo acompanha o desaparecimento de um homem pela curiosidade da única pessoa que ainda se lembra de sua existência. Haxan é um conto cyberpunk que consegue trazer muita verdade nos personagens marginalizados ao narrar um pequeno grupo de jovens em uma noite de andanças reais e virtuais. Sete OVNIS é uma ficção curta em sete parágrafos onde cada um pinta retratos de pessoas comuns ao redor do mundo avistando o primeiro contato com vida alienígena. Fenda no Espaçotempo mostra seu Claudionor recebendo dois viajantes temporais. O conto curto ainda guarda uma revelação na última palavra. Concerto Noturno é um conto embebido no insólito onde Hugo Clementino, um pianista voltando após um concerto num país da Europa Oriental encontra o impensável quando volta ao seu quarto de hotel. A Estética Eliminacionista é outra flash fiction, que narra um método artístico que nos faz pensar na literatura como arte.

The Ghost in the Machine é um dos contos mais robustos da coleção. Acompanhamos Palídron, Yawin e o Professor Zohn em uma missão na Terra em um universo cheio de raças e culturas para levar o Professor a um ponto não revelado no início. O rítmo é ágil e o conto vem acompanhado de 28 notas que tanto podemos ignorá-las sem perder o fio da história, quando fazer pausas para conhecer melhor as coisas exóticas daquele mundo. Tudo isso num clima bem humorado das antigas ficções pulp dos anos 30-40. A participação de Trupezupe do primeiro conto é de deixar uma pulga atrás da orelha.

Universos Tangenciais é como se fosse um sonho narrado, bastante imersivo. Já em A Arca temos um conto de monovocalismo, que é uma modalidade em que todo o conto é escrito com uma única vogal. A Demanda do Bosque Sombrio traz um herói quixotesco que repudia os pobres mas que diferente dos moinhos podem revidar. A Propósito da Decifração Quântica nas Regiões Periféricas da Consciência é uma viagem pelo tecido rachado da realidade, tanto pela forma fantástica quanto pela mais cruel das realidades no Brasil. Ver um tema que aprendi a apreciar tanto em Philip K. Dick com uma abordagem tão própria quanto a de Bráulio Tavares é primoroso. 

O livro engrena uma sequência de narrativas curtas com Um Só Seu Filho explora o último desejo de um religioso que livre de todas as amarras faz um último pedido inusitado. A República do Recurso Infinito volta a explorar as rachaduras da realidade com a queixa de um cidadão com a burocracia. Novamente me cativou pelo tema que me encanta aliado ao estilo próprio do autor que fisga o leitor em poucas palavras. No Labirinto nos traz uma viagem que certamente foi vivida em sonho pelo autor, que tem um subconsciente tão criativo quanto seu consciente. O Vale da Maldição acompanha um grupo de exploradores de uma sociedade pós-apocalíptica que encontraram um artefato de tempos longínquos. A narrativa explora bem a estranheza dos exploradores enquanto tentamos identificar de onde vem os elementos da história. Gronk é uma peça bem humorada em que um ser estranho, parecido saído d'A Metamorfose de Franz Kafka não para de perturbar um humano. Aquele de Nós é um conto sobre um organismo que ignora a individualidade. Me fez relembrar a leitura de Homo Deus do Harari. O Polvo consegue prender com um enredo simples mas muito bem conduzido. Uma pesquisadora londrina é a primeira a questionar sobre o real causador do sumiço dos animais de um laboratório e, para fechar essa seção de minicontos, A Ilha do Meio que é outra peça tirada dos sonhos do autor, onde uma ilha é serrada ao meio mas um morador de um dos lados tenta observar o que há no outro lado.

Frankenstadt faz uma versão tecnológica da história clássica de Mary Shelley acompanhando um imenso monstro e repensando o que o torna um ser individual. Narrado de forma instigante até um final eletrizante, literalmente. Encerrando a coletânea O Molusco e o Transatrântico já foi publicado várias vezes. Eu li pela primeira vez na antologia Fractais Tropicais, já resenhada neste blogue: Acompanhamos um explorador espacial brasileiro em uma missão internacional pelo espaço em um estilo que lembra 2001, tanto pela forma de narrar quanto pela viagem profunda em um contato alienígena. Contudo, não se apegue nessa comparação. Bráulio vai por um caminho bastante instigante e parece que não vai levar a lugar nenhum até as últimas linhas, quando entrega um final de deixar pensando bastante.
Leia Mais ››