terça-feira, 30 de junho de 2020

Resenha #139 - História da Sua Vida e outros contos (Ted Chiang)

"História da Sua Vida e outros contos" é uma coletânea que ficou conhecida pelo conto "História da Sua Vida" que serviu de base para o filme "A Chegada" de 2016, mas o livro faz muito mais que isso: nos entrega uma coleção muito coesa, que mostra um autor que usa a ciência para fazer ficção viajando pelo fantástico com muita criatividade. As influências de Philip K. Dick e Borges, são presentes mas numa escrita bem diferente.

"A torre da Babilônia" abre o livro com um conto que acompanha a história de Hillalum que foi convocado para trabalhar na torre da Babilônia e narra todo o seu caminho até o topo da torre que ainda não foi concluída. O olhar científico do autor esmiúça os aspectos técnicos da torre, como se estivesse especulando tecnologias possíveis para a mítica torre. Além disso também fala do aspecto social ao contar como vive o povo que trabalha e habita por lá. O final é digno de um Borges, mas bem menos prolixo.

"Entenda" conta a história de Leon: um paciente com graves lesões no cérebro tratado com um hormônio K (experimental). A droga faz Leon recobrar as funções cerebrais perdidas, mas também ativa uma inteligência muito acima do comum. Começa uma caçada para fugir das autoridades que querem prendê-lo para testes e para encontrar possíveis superdotados com a mesma droga. O conto daqueles que o faz aprender ciência, divertindo o leitor com inteligencia e tensão até o último momento.

"Divisão por zero" conta a história de Renee e Carl. Renee é uma matemática que descobre uma fórmula que invalidaria praticamente todos os axiomas da sua área, o que a deixa arrasada. O conto é narrado por Carl que não consegue ajudar a sua esposa a lidar com tudo isso, alternando entre os momentos em que conheceu ela e quando ele a traz de volta de uma clínica. Conto dramático que mescla bem a ciência e a situação do casal. 

"História da sua vida" conta sobre a Dra. Louise Banks, uma linguista convocada para estabelecer contato com alienígenas. O conto alterna entre as descobertas de Banks com momentos dela com sua filha em vários momentos aleatórios. As revelações de Banks começam a se interligar com suas lembranças. Temos uma narrativa que é um deleite para quem gosta de linguística, intercalada pelas lembranças e a curiosidade que despertam em relação a trama linear de descoberta da protagonista. 

"Setenta e duas letras" conta a história de Robert Stratton que estuda nomenclatura na Inglaterra vitoriana. Chiang volta a trabalhar com um olhar científico apurado sobre temas mitológicos. Aqui, é a existência de Golens na Inglaterra do século XVIII. Quase como um mundo Steampunk mas ao invés de termos uma Revolução Industrial movida por máquinas à vapor avançadas, é tomada pela técnica de reanimar construtos com palavras escritas num papel. Contudo, Stratton quer dar um passo além escrevendo nomes em óvulos femininos para animar seres humanos completos. O que é muito debatido durante todo o conto, desde as implicações sociais até as possibilidades técnicas e científicas de fazê-lo. O conto reserva uma pequena parte para a ação, mas o grosso do conto é o debate as intrigas sobre o uso dos golens. 

"A evolução da ciência humana" narra como a ciência é feita no próximo milênio, na forma de um artigo científico. De fato, esse conto foi solicitado por uma revista deste tipo que queria especulações sobre como a ciência seria feita. Chiang faz nesse conto, o mais curto da coleção, - na verdade o único conto curto do livro - é imaginar uma raça de metahumanos que desenvolveu a ciência a um ponto em que humanos normais não conseguem mais acompanhar seus avanços, restando poucas opções para nós. 

"O inferno é a ausência de Deus" conta a história de Neil Sparks, que trava uma luta para tentar amar a Deus depois que lhe é tirado tudo. A narrativa faz uma óbvia referência ao livro de Jó. Nesse mundo as passagens dos anjos entre os planos, deixam rastros de destruição e/ou bençãos para os que ficam perto destes eventos. A ordem desses eventos é completamente aleatória para a percepção humana e existe uma angústia para explicar as razões. As vezes é possível, avistar o inferno, onde muitos dos que morreram são identificados, e o que se revela confunde ainda mais as pessoas acabando com qualquer tentativa de estabelecer um padrão que encaixe a doutrina religiosa. Nesta versão do Livro de Jó, Chiang traz um final macabro, mas segundo o próprio, mais corajoso.  

"Gostando do que vê: um documentário" o conto é narrado como se fosse um documentário, com depoimentos alternados sobre o uso de uma técnica que induz as pessoas a não se sentirem mais atraídas por um rosto bonito, a caliagnosia, ou cali para os íntimos. Chiang usa personagens de diversos tipos, de professores, especialistas, adolescentes e políticos que expõe seus argumentos ou dramas pessoas com o uso da tecnologia.
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quarta-feira, 24 de junho de 2020

Resenha #138 - Crise e Pandemia (Alysson Leandro Mascaro)


"Crise e Pandemia" é a primeira obra da coleção Pandemia Capital da Boitempo onde o jurista e filósofo brasileiro Alysson Leandro Mascaro faz um ensaio curto (31 páginas) abordando a pandemia como uma crise do capitalismo. Obviamente, o capitalismo não causou o vírus mas sua propagação e os problemas para combatê-lo estão intimamente ligados a crise do capitalismo. A crise é apresentada como uma solução para a crise, numa insistência em aceitar a chegada da pandemia mesmo quando ela já tem início e o autor não avança muito a partir o texto data de março quando a pandemia havia acabado de dar seus primeiros sinais no Brasil. O texto é conciso, mas peca na linguagem rebuscada comum no linguajar dos juristas e dos acadêmicos. Para quem já está habituado a leituras acadêmicas não vai encontrar maiores dificuldades, mas falta a fluidez necessária para que o texto se dissemine. Considerações estéticas à parte, o texto faz considerações pertinentes e é um bom início para a coleção.

Esta obra está disponível na plataforma Kindle Unlimited junto com mais outras duas da mesma coleção Pandemia Capital, então fica a dica para a leitura enquanto os textos estão atuais e relevantes. São leituras importantes pois para quem escreve ficção não pode tirar um olho do presente.
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terça-feira, 23 de junho de 2020

Resenha #137 - Pandemia: Covid-19 e a Reinvenção do Comunismo (Slavoj Zizek)


"Pandemia: Covid-19 e a Reinvenção do Comunismo" é uma obra da coleção Pandemia Capital da Boitempo onde o psicanalista Esloveno aborda a pandemia em textos recentes, que é a tônica da coleção. Alias é o motivo de publicar resenhas dessa coleção na mesma semana. Os textos giram entorno de explicar como os governos lidam ideologicamente com a pandemia e como a pandemia afeta o isolamento. 

O primeiro item parte da premissa de que o evento do Covid-19 é muito mais que um evento biológico e como a situação força os governos a adotarem elementos de um "comunismo", não do ponto de vista utópico ou teórico mas algo mais aproximado do "comunismo de guerra" na URSS de 1918. Tais medidas foram adotadas sem maiores percalços na China, mas na Europa e EUA, se conflitam com as necessidades do Mercado que por sua vez se contrapõe com a necessidade de preservar a vida. 

O outro eixo é sobre como a pandemia afeta as pessoas em isolamento e nesse ponto Zizek cita suas conversas com o psicanalista brasileiro Gabriel Tupinambá que salienta como a segurança do isolamento aumenta o medo em comparação com quem de fato está mais exposto ao perigo da pandemia. Zizek, como um bom polemista, não poupa seus colegas intelectuais de críticas, principalmente Giorgio Agamben, é muito criticado por se contrapor ao isolamento na Itália antes da chegada avassaladora da epidemia e também ao filósofo Byung-Chul Han, e sua obra mais conhecida Sociedade do Cansaço que resenhamos aqui. Contestando a ideia de autoexploração tida como realização, como sendo uma realidade para uma parte pequena dos trabalhadores.

Esta obra está disponível na plataforma Kindle Unlimited junto com mais outras duas da mesma coleção Pandemia Capital, então fica a dica para a leitura enquanto os textos estão atuais e relevantes. São leituras importantes pois para quem escreve ficção não pode tirar um olho do presente.
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segunda-feira, 22 de junho de 2020

Resenha #136 - A Cruel Pedagogia do Vírus (Boaventura de Sousa Santos)


"A Cruel Pedagogia do Vírus" é uma obra da coleção Pandemia Capital da Boitempo onde o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos traz reflexões bem vindas sobre o atual momento da pandemia de Coronavírus. O olhar do autor se volta para aqueles que estão mais frágeis ao vírus, uma vez este não faz discriminação biológica, faz socialmente por conta da desigualdade social promovida pelo capitalismo. Temos uma descrição resumida mas contundente de como essas populações invisíveis sofrem mais com a pandemia e conclui tentando tirar lições ou enumera lições que podemos aprender com tudo isso que está acontecendo. São 51 páginas de uma leitura concisa e bastante acessível que além de trazer reflexões ainda consegue cutucar alguns intelectuais com serenidade.

Esta obra está disponível na plataforma Kindle Unlimited junto com mais outras duas da mesma coleção Pandemia Capital, então fica a dica para a leitura enquanto os textos estão atuais e relevantes. São leituras importantes pois para quem escreve ficção não pode tirar um olho do presente.
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terça-feira, 16 de junho de 2020

Resenha #135 - Esperando o mundo mudar (Guilherme Smee e Luan Zuchi)

Este é um daqueles pequenos achados de uma feirinha de material independente, em Porto Alegre, que encontrei há alguns anos e nunca mais voltei a encontrar. Por isso quando entro numa dessas feirinhas sempre tento sair delas com alguma coisa e, no meio de várias coisas baratas e atraentes, estava "Esperando o Mundo Mudar". Trata-se de uma HQ independente de 2016, roteirizada por Guilherme Smee e desenhada por Luan Zuchi e conta a história de um casal em meio ao rebuliço da Primavera Árabe no Egito em 2010. Toda a história é contada sem nenhum balão de diálogo deixando apenas as emoções e o traço simples contar a história. A história fica ainda mais dramática se olharmos para o Egito de hoje, com o presidente Mubarak, que apesar de ter sido deposto, faleceu impune em fevereiro deste ano, enquanto o país caiu em numa nova ditadura. Justamente o inverso do que aqueles egípcios tanto lutaram contra quando saíram as ruas em 2010. Lamento que não se produzam mais histórias assim: curtas, diretas, bonitas e em materiais baratos e com uma consciência política apurada, mas lamento principalmente porque ainda estamos esperando o mundo melhorar.
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terça-feira, 9 de junho de 2020

Resenha #134 - Vinte e Um (Nelson de Oliveira)

Vinte e Um é uma coletânea de contos de Nelson de Oliveira que junta duas épocas de sua escrita viajando no fantástico e insólito. O livro é um upgrade de Treze lançado em 1999, acrescido de mais oito contos. Predomina aqui o estilo característico de não desperdiçar as palavras em contos curtos que rapidamente te levam a viagens insólitas, ora se valendo da ficção científica, ora do mundo fantástico ou, inclusive, encontrando o fantástico sem evocar nada do sobrenatural.

A primeira parte do livro, os contos originais de 1999, Treze, conta com várias contos curtos que tem sempre algo inusitado. Algum ponto de vista que faça toda a diferença para entender a história ou um personagem fanho. Contos curtos demais para sintetizar sem entregar a graça deles. Contudo, o primeiro é mais longo. "Dies Irae", narra o dia enlouquecido de uma pedinte que se divide entre o amor selvagem e abusivo dos outros pedintes e uma dívida que todos tem com Gideão, um agiota que controla a entrada em um prédio como se guardasse os portões do céu/inferno, onde existem delícias misteriosas para quem pode pagar e horrores inimagináveis e gratuitos. 

Destaco também, "Gorducha" que pinta uma vida em um quadro tragicômico de um distanciamento insuportavelmente suportável; "Não sei bem o que, aqui" é uma cacofonia de sujeitos que são momentos dentro de uma mesma pessoa, funciona como um Divertidamente para adultos; e "Homenagem a Tróia" parece a visão de Cassandra, a vidente amaldiçoada por Apolo, do alto de sua torre obrigada a saber de toda a tragédia que viria sem ninguém que acreditasse nela.

A segunda parte do livro, "Sete" traz os contos inéditos que apesar de seguirem a mesma pegada de contos curtos, são mais criativos. Destaco "Gritos Ocultos" que pinta um drama familiar com os nossos silêncios, alternando falas corriqueiras e pensamentos reveladores e "Pintando o Sete" é um divertido caso de amor com um final muito inspirado. Por fim a última parte do livro Um, com um conto narrando capas de disco de vinil clássicas encarnando na pele de pessoas aleatórias. O estilo de Nelson é uma aula de como escrever contos, tanto na forma quanto nas ideias que nos capturam para a leitura conto a conto.
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terça-feira, 2 de junho de 2020

Resenha - Revista Peryc, O Mercenário nº1

"Peryc, O Mercenário" é uma criação do quadrinista e fanzineiro veterano Denílson Reis que trouxe seu mais importante personagem para uma edição em formato revista publicada pelo mesmo grupo da revista Quadrante Sul, que tem sido resenhado no blogue. Nesta postagem vamos falar sobre o primeiro número de Junho/2012 e, nas próximas semanas, os dois números seguintes já publicados até hoje.

Peryc é nascido nos pampas da América do Sul dois milênios após um holocausto nuclear que de regrediu a humanidade tecnológica e politicamente a uma nova idade média. Nesse mundo selvagem e perigoso, Peryc é um mercenário que viaja o mundo da forma mais livre possível, trabalhando como mercenário. É inspirado claramente no Conan e não tenta esconder isso, mas tem também sua personalidade e sua origem indígena o deixa mais interessante.

"Serpente de areia" é a primeira história, onde Peryc é surpreendido pelo ser monstruoso, enquanto vaga pelo deserto africano, mas não sabe se é real ou uma ilusão. "Taverna" é uma sequência direta onde no mesmo deserto, Peryc encontra uma taverna escondida onde protege uma princesa misteriosa. A edição segue com três textos que resumem as principais sagas de Conan nos quadrinhos e nos filmes, escritos pelo criador do Peryc. Por fim, "Rumo a Pedras Negras - parte 1" mostra o encontro de uma concubina exilada por um severo rei e Peryc quando são emboscados por saqueadores que os queriam capturar e vender como escravos. A história tem uma continuação nos números seguintes, assim como a história na Taverna. A edição ainda conta com ilustrações de página inteira que enriquecem ainda mais as várias versões do personagem que tem traços de vários desenhistas. A que mais me agradou foi a página inteira de Mathias Streb, porém no geral o traço é bonito e conseguem estabelecer uma ideia geral do personagem. No mais, terminei a leitura querendo ir para o próximo número.

   



Blogue do personagem http://perychq.blogspot.com/

Blogue Quadrante Sul http://quadrantesul.blogspot.com/
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