terça-feira, 29 de janeiro de 2019

Resenha #85 - Os livros apócrifos (Org. Rubem Cabral)

"Os livros apócrifos: antologia de histórias inspiradas na Bíblia" da Editora Cáligo é uma coleção ousada de contos tirados da mitologia cristã, muitas vezes subvertendo acontecimentos conhecidos mostrando versões alternativas de episódios conhecidos, algo parecido com a História Alterativa na Ficção Científica, mas aqui com acontecimentos mitológicos. Há também, releituras nos tempos modernos, climas conspiratórios e romances acalorados. As leituras são muito variadas muito bem distribuídas nos oito contos dessa coleção. Vamos olhar cada conto individualmente, antes do conjunto:

Metamorfoses (Raione L. P.): Pavel é um agente de Estado na Checoslováquia em plena guerra fria que fica obcecado por manuscritos apócrifos escritos pelo próprio Jesus de Nazaré. Conto ambienta muito bem o clima de intrigas palacianas, delações que podiam levar uma condenação a morte, deixam o clima pesado. O que já é um atrativo do conto em si. As revelações de Jesus feitas a Judas são interessantes e entram muito bem no clima do conto contraponto a religião e o comunismo do país naquela época. 

O Irmão mais novo (Rubem Cabral): Caim deveria matar Abel para mostrar como a inveja e o assassinato são pecados abomináveis, mas nesse conto Abel encontra uma oportunidade de mudar seu destino para salvar seu irmão do exílio e de si próprio. O autor vai longe na criatividade da história, invadindo os meandros da mitologia cristã e nos entregando uma história surpreendente. Quem já conhece Rubem Cabral pela resenha que fiz de Linha Tênue aqui no blog já sabe da qualidade e criatividade do autor.

Os três dias (Fábio Baptista): O que teria acontecido no intervalo de 3 dias entre a morte e ressurreição de Jesus? O conto preenche essa lacuna com um texto leve, fluido com boas doses de sarcasmo pelo personagem Lúcifer que rouba a cena. A introdução com os homens que foram crucificados ao lado de Jesus também é muito bem feita e enlaçada na narrativa ao longo do conto. 

A Torre de Nimrod (Valentina Silva Ferreira): Versão alternativa da Torre de Babel, que é o mito usado para explicar as muitas línguas que nós usamos. Na versão da autora Deus está fraco demais para impedir os planos do Rei Nimrod que ordena a construção da torre. O conto nos prende para sabermos até quão longe os planos do rei vão.

Epístola de Pilatos (José Geraldo Gouvêa): Pitatos assume a narrativa, em primeira pessoa, deste momento decisivo na vida de Jesus de Nazaré quando é oferecido o perdão para um de três criminosos na Páscoa, mas algo sai diferente do conhecido na Bíblia. A escrita ganha muita personalidade pela personalidade de Pilatos e a visão romana dos acontecimentos em forma de carta.

Salomão e a Rainha das Luzes (Cláudia Roberta Angst): O conto dá vida e cor numa versão  romântica do encontro entre a Rainha de Sabá (Makeda) e o Rei Salomão. Na bíblia, não há referência do romance entre os dois mas na tradição etíope (onde acredita-se que tenha se localizado o reino de Sabá) além do romance, um filho também foi gerado desse encontro e é essa versão popular e levemente picante, que a autora desenvolve o romance do conto.

O Evangelho Sangreal (Bia Machado): Conto curto onde é exposta a visão de Maria Madalena sobre o material apócrifo mais conhecido dos últimos tempos: A evidência de que Jesus e Maria Madalena fossem um casal com filhos. A narrativa em primeira pessoa tem aquele clima bacana de revelação e "bastidores" desse segredo que dão um tempero especial ao conto.

A Escada de Jafar (Gustavo Araújo): Voltamos aos tempos modernos, na Palestina sitiada por Israel onde temos uma versão da conhecida história de Esáu e Jacó, aqui Namir e Jafar, onde a transposição dos momentos principais com a modernidade e a questão Israel/Palestina foi feita com muito apuro histórico, sem perder a emoção do drama familiar. O autor sabe trazer o sentimento na sua escrita como constatamos na resenha que fiz do seu romance, Pretérito Perfeito

Vem (Diogo Bernadelli): Para encerrar a antologia, o Apocalipse cristão, trazido para o que sobrou das terras brasileiras na pele dos últimos sobreviventes abandonados numa comuna, que vive num prédio abandonado mas não estão sozinhos. O conto traz uma atmosfera intimista onde a falta de esperança toma conta de tudo. Confesso que achei o final um pouco confuso mas também não sei estimar até onde a falta de leitura minha desta parte da bíblia interferiu. 

A edição tem abordagens bem variadas mas todas foram muito bem escritas e a pouca quantidade de contos mostra que não é um livro com páginas demais. Cada conto ajuda a integrar um todo de abordagens muito bacanas da bíblia. Tudo isso numa edição física muito bonita, com capa, letras em formatação que brincam com a estética de documentos sagrados e antigos. Sei como é difícil ao leitor aceitar recomendações de coletâneas, pois não faltam edições de vanity press pagas (que compromete a qualidade), que além de possuírem temas genéricos que costumam ser ignorados para caber mais gente. Contudo, aqui temos uma pérola em meio a tantas coisas de genéricas por ai e eu recomendo muito.

Geralmente não coloco link de venda de livros, mas por ser uma editora pequena, fora dos grandes círculos, e honesta com autores e leitores tem que ser incentivado, ainda mais quando o preço está muito bom. 
Link para o site de venda do livro: https://caligo.lojaintegrada.com.br/os-livros-apocrifos-antologia-rubem-cabral-org
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terça-feira, 22 de janeiro de 2019

Resenha #84 - Selva Brasil (Roberto de Sousa Causo)

"Selva Brasil" (2010), de Roberto de Sousa Causo é uma Ficção Científica brasileira de História Alterativa. É um desdobramento da literatura de FC, que imagina os rumos políticos, sociais e/ou tecnológicos se certos acontecimentos importantes fosse de outra forma. Já temos uma tag razoável de resenhas e postagens sobre História Alternativa, incluindo a resenha da obra mais famosa da História Alternativa: "O Homem do Castelo Alto" de Philip K. Dick.

O "e se" de Selva Brasil é quando o então presidente Jânio Quadros perpetrou seu plano de invasão das Guianas contando que os EUA iriam apoiar o Brasil contra a coalizão de ingleses, franceses e holandeses os estadunidenses se voltam contra o Brasil, lançando o país numa guerra de atrito onde perdemos uma parte da Amazônia apesar do apoio militar da URSS e outros países da America Latina como a Argentina. Passados mais de 20 anos nessa guerra de atrito chegamos a 1993 quando sargento Roberto Causo, sim o protagonista é a versão do próprio autor nesta realidade, está em missão de substituição de tropas na fronteira com as Guianas e embrenha-se entre guerrilheiros desertores e no mistério escondido na selva que joga o EB contra os melhores soldados dos EUA.

O que chama a atenção da obra é que em muito poucas páginas o autor traz uma coerente realidade alterativa no plano político e seus desdobramentos, bem como uma alterativa de sua própria história, onde o autor de fato serviu ao exército mas não seguiu carreira como o seu duplo. A escrita é ágil e direta, o que é excelente para descrever a ação militar, com jargões de valorizam a ambientação do meio militar, que não conheço mas fica a prova de quem sabe. O que fica faltando para completar essa realidade é o ambiente social dessas décadas após a invasão das Guianas, mas a ambientação nas selvas brasileiras, longe das grandes cidades, camufla habilmente. Fica a vontade de ver mais histórias ambientadas nessa realidade pois ficou muito criativo e com diversas aberturas para uma continuação. 
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terça-feira, 15 de janeiro de 2019

Resenha #83 - Império de Diamante (J. M. Beraldo)

"Império de Diamante" (2015) é um romance de fantasia do João Beraldo, o primeiro da série "Reinos Eternos" que venceu o prêmio Argos em 2016 e não foi a toa: o mundo criado foge do padrão da fantasia medieval baseado na Europa e coloca sua aventura em Myambe um continente baseado na cultura africana e indiana.

A história é complexa, mas o autor conduz o leitor com bastante habilidade, sem pressa e sem enrolar. Tudo começa há 20 anos quando o guerreiro mercenário Rais Kasim se auto-exila após uma batalha perdida contra as tropas do Imperador de Diamante em sua última conquista. No continente de Myambe o Império de Diamante, suprimiu culturas e conquistou todos as nações entorno de seu imperador, mas os rumores de que o império está caindo vão colocar quatro personagens principais numa trama para derrubar o império, 20 anos depois. Rais Kasim, um mercenário de Myambe que depois de décadas fora do continente volta para pegar trabalhos liderando um grupo de mercenários estrangeiros; Mukthar Marid, guerrilheiro rebelde que luta fervorosamente pelo fim do império; Adisa, um jovem sacerdote da Ordem de Bronze que recebe poderes do imperador para servi-lo; e Zaim Adoud, o governante da província de Abechét que se vê esquecida pelo império e envolta de intrigas com os nobres locais.

Na imagem 2: Mukthar Marid, Adisa, Rais Kasim e Zaim Adoud.

Os quatro personagens são bem construídos e bem diferentes entre si o que traz várias visões do mundo de Myambe, e o cenário diferente do medieval/fantasia europeizado instiga e justificaria uma torrente de descrições, mas o que temos é um livro sem enrolações em que a trama política e a ação. A magia é presente no livro e bem embasada nas religião e mitologia africana, nos poderes dos primogênitos e suas máscaras de contas (como se fossem orixás vivos na terra) e nas vestes, nos ritos e superstições. Senti falta do animismo que é bem presente na religiosidade africana mas cabe lembrar que o livro não é uma transposição mas uma inspiração na África.

A leitura não nos deixa cair no sono das descrições, tanto apenas pela novidade do mundo mas pela agilidade da escrita do autor, onde coisas acontecem o tempo todo, o que me fez, particularmente, ler o livro muito rápido. O livro também traz uma moralidade cinza, que além de ser uma escolha mais madura ajuda a não entregar quem vai viver ou morrer na história, pois realmente tememos pela vida dos personagens preferidos.

Império de Diamante é daqueles livros que nos faz viajar pelo mundo, e nos faz querer visita-lo novamente ao fim da leitura. O livro está mais que recomendado, não apenas pela sua ambientação que traz frescor ao padrão da Fantasia, mas pela história bem construía, bem amarrada e com gosto de querer saber mais desse mundo.

Mapa de Myambe.
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sexta-feira, 11 de janeiro de 2019

Livros de Philip K. Dick - Resenhados pelo blog!

Quem acompanha o blog sabe que sou fã do Philip K. Dick, então resolvi condensar numa única postagem todas as resenhas que já fiz do autor e todas que pretendo fazer, com os livros ainda não lidos da minha coleção. Vou atualizar essa postagem a medida que fizer novas resenhas. Os livros que já tem resenha possuem link e os que não tem resenha mas que estão na minha estante, tem um resumo. A lista com livros para baixar eu deixe em outra postagem.
ROMANCES
LOTERIA SOLAR (1955) - Leia nossa resenha

O PROFANADOR (1956) - Leia nossa resenha

TEMPO DESCONJUNTADO (1959) - Leia nossa resenha

A MÁQUINA DE GOVERNAR (1960) Leia nossa resenha

O HOMEM DO CASTELO ALTO (1962) Leia nossa resenha


A ESPERA DO ANO PASSADO (1963) 
No livro "À Espera do Ano Passado" viajamos a um futuro próximo, e encontramos uma humanidade que se move no espaço interplanetário, mas que se encontra espartilhada numa guerra aparentemente invencível contra um inimigo alienígena. O seu incerto futuro está depositado nas mãos de um único homem, Molinari, uma figura enigmática e obscura. Mas conseguirá este líder supremo da humanidade salvá-la de um fim catastrófico? (Ainda sem resenha nesse blog)


OS TRÊS ESTIGMAS DE PALMER ELDRITCH (1964) Leia a nossa resenha


A PENÚLTIMA VERDADE (1964)
A obra descreve uma população toda vivendo no subsolo da Terra convivendo com imagens falsas feitas pelo governo, onde se vê uma Terra devastada. Porém a terra está intacta e desfrutada por uma elite. (Ainda sem resenha nesse blog)

CLÃS DA LUA ALFA (1964) Leia nossa resenha

O TEMPO EM MARTE (1964) Resenha em breve


ESPAÇO ELETRÔNICO (1964) - Leia nossa resenha

ANDROIDES SONHAM COM OVELHAS ELÉTRICAS? - (1968) Leia nossa resenha


UBIK - (1968) Leia nossa resenha


O LABIRINTO DA MORTE (1968)
Num futuro em que a existência de Deus (o Fabricante de Homens. o Intercessor. O Caminhante na Terra) e seu oposto (0 Destruidor da Forma) já foi provada cientificamente, em que se estabeleceu contato eletrônico com a divindade, um grupo de homens e mulheres estão perdidos num planeta deserto, sem possibilidades de pedir ou receber socorro. Estão sujeitos à ação de forças misteriosas, estão sendo mortos por essas forças, presos a angústias e sentimentos milenares, que atravessaram o passado e continuam no futuro. Mas o que está acontecendo de fato em Delmak-O? A ilusão é realidade ou a realidade é ilusão? Labirinto da Morte é uma obra inteligente e instigante, repleta de suspense, que prenderá e surpreenderá o leitor até a última página. (Ainda sem resenha nesse blog)

NOSSOS AMIGOS DE FROLIX-8 (1969)
Philip K. Dick choca sonhos privados contra as batalhas públicas em um romance de ritmo rápido e provocante que, finalmente, aborda a nossa salvação, tanto como indivíduos e como um todo. (Ainda sem resenha nesse blog)


FLUAM, MINHAS LÁGRIMAS, DISSE O POLICIAL - (1970) Leia nossa resenha


REFLEXO NA ESCURIDÃO - (1973) Leia nossa resenha

O DEUS DA FÚRIA com ROGER ZELASNY (1976) Leia nossa resenha

VALIS - (1978) Leia nossa resenha


A INVASÃO DIVINA (1981) Leia nossa resenha

A TRANSMIGRAÇÃO DE TIMOTHY ARCHER (1982)
O bispo Timothy Archer é o mais carismático dos chefes da Igreja da Califórnia, um sincero defensor da verdade, disposto a modificar, ou mesmo a abandonar os mais secretos dogmas da fé cristã, disposta a defender que as mais célebres palavras de Cristo se encontravam registadas duzentos anos antes de Ele ter nascido, disposto, até, a ser julgado como herético. A morte arrebata-lhe os que lhe são mais queridos: o filho, Jeff, e a amante, Kirsten, mas Timothy Archer não deixará que nada interfira na prossecução da sua busca. (Ainda sem resenha nesse blog)


COLETÂNEAS DE CONTOS


SONHOS ELÉTRICOS 
contosPeça de Exposição (Exhibit Piece); Autofab (Autofac); Humano é (Human is); Argumento de Venda (Sales Pitch); O fabricante de gorros (The Hood Maker); Foster, você já morreu (Foster You're Dead); A coisa-pai (The Father-thing); O planeta impossível (The Planet impossible); O passageiro habitual (The Commuter); O enforcado desconhecido (The Hanging Stranger). Leia nossa resenha.


VINGADOR DO FUTURO
contos: Vingador do Futuro (ou Podemos recordar para você por um preço razoável - We Can Remember It for You Wholesale); A mente alienígena (The alien mind); Revanche (Return Match); Não julgue pela capa (Not by its cover); A formiga elétrica (The Electric Ant); A pequena caixa preta (The little Black Box). Leia nossa resenha.

MINORITY REPORT - A NOVA LEI
contos: Minority Report (Relatório de minorias); Em Jogos de Guerra, (War Game); O que dizem os mortos, (Wath the Dead Men Say); Ah, ser um Bolho! (Oh, to be a Blobel!); Podemos recordar para você por um preço razoável (We Can Remember It for You Wholesale); A fé de nossos pais (Faith of Our Fathers); A história que acaba com todas as histórias (The Story to End All Stories); A formiga elétrica (The Electric Ant); A segunda variedade (The second variety); O impostor (Impostor). Leia nossa resenha.

REALIDADES ADAPTADAS
contos: Lembramos para você a preço de atacado, Segunda variedade, Impostor, O relatório minoritário, O pagamento, O homem dourado e Equipe de ajuste. (Ainda sem resenha nesse blog)


 
A MÁQUINA PRESERVADORA I e II (parte1 - parte2)
contos: A Máquina Preservadora; O Jogo de Guerra; E Se Benny Cemoli Não Existisse?; Roog; Veterano de Guerra; O Melhor Lugar de Reserva; E Lá ao Fundo Vivem os Wubs; Recordações Por Atacado; Mercado Cativo; Esta Triste Terra; O Síndroma da Fuga; Os Rastejadores; Oh, É Tão Bom Ser Um Blobel!; O Que os Mortos Têm para nos Dizer; Paguem ao Impressor.
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terça-feira, 8 de janeiro de 2019

Resenha #82- Oneironautas (Fábio Fernandes e Nelson de Oliveira)

Vamos abrir os trabalhos de 2019 com uma breve resenha de um livro breve: "Oneironautas" da dupla dinâmica Fábio Fernandes e Nelson de Oliveira, o Gordo e o Magro da Ficção Científica brasileira que se juntaram nesse livro para uma viagem surrealista no mundo dos sonhos, como o título sugere ao fazer referência ao deus grego dos sonhos.

O livro foi escrito em capítulos alternados de 300 palavras cada, onde os acontecimentos começam a ficar cada vez mais loucos e divertidos mas nem por isso deixamos de ter uma história: Nelson e Fábio se encontram na Festa Eterna em 2066 onde navegantes dos sonhos se encontram e são encontrados também. A partir daí a coisa desanda e descamba para as situações mais insólitas, divertidas e encharcadas de referências da cultura nerd em geral. Como num teste de "quais filmes que você viu?", a não ser que você gabarite sempre, alguma coisa vai se perder, mas nada que uma releitura não resolva. 

Aliás, a releitura é tão recomendada quanto a leitura, pois pode ser feita sem pressa alguma, pois o livro é bem curto, como a remanescência de um sonho que tentamos relembrar com detalhes mas com a vantagem que neste sonho em forma de livro podemos reler sem esperar o sono chegar.
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