segunda-feira, 22 de julho de 2024

Resenha #345 Banho de Sol (Ricardo Celestino)


Banho de Sol é o segundo livro de Ricardo Celestino que já nos trouxe o sensacional Até que a Brisa da Manhã Necrose teu Sistema trouxe um livro mais provocante e profundo que o anterior. Uma obra que acabou me acertando em níveis pessoais e o fará com qualquer pessoa que minimamente já questionou o sistema.

Ricardo usa de sua escrita característica, que usa de frases em linhas quebradas combinadas com blocos, as vezes, longos de texto em itálico. Recurso esse que torna a leitura muito dinâmica apesar da prosa densa do autor. Acompanhamos Richie, (uma redução de Ricardo?) um transeunte paulistano que descobre que os registros de sua consulta com sua psiquiatra é usado em um show de comédia Stand Up. Um início muito sarcástico para a saga de um homem completamente médio e por isso mesmo ideal para mostrar a canalhice de uma São Paulo cyberpunk que não é apenas um personagem (como consuma acontecer em obras cyberpunks) como é também um dos narradores do livro. Outro narrador, é a doença psicológica de Richie, ou seria apenas uma parte dele mesmo (?) que responde por eu-neurótico-delirante. Sendo constantemente humilhado, desde o Stand Up, que é só a ponta do iceberg, a sua relação com o pai (Odair) e com a ex (Stella) o aproximam de um grupo revolucionário chamado EMB 5.0 com seu líder João da Gagueira. 

Como disse antes, é um livro que me balançou. Primeiro pois eu o li a primeira vez como leitor beta e não consegui dar nenhuma contribuição relevante mesmo tendo gostado muito da obra. Acredito que seja porque a obra não carecia de nenhum retoque. Tanto que, na segunda leitura, com a obra impressa e pronta, não encontrei nem procurei mudanças em relação a primeira versão que li. Digo isso porque a obra e a história de Richie teve muitas afinidades com minha própria história. Se no primeiro livro, Ricardo conquistou com sua prosa aliada a estética crua e cenas gore, em Banho de Sol, Ricardo entrega o microfone a cidade de São Paulo cometer um sincericídio, cheio de sarcasmo encanando uma fala de uma personalidade cheia de poder. Enquanto isso faz uma análise de todas as nossas angustias centralizadas em Richie, que são as de toda pessoa que já se questionou severamente sobre o mundo dominado pelo capitalismo.

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segunda-feira, 15 de julho de 2024

Resenha #344 Silêncios Infinitos (Nikelen Witter)


Silêncios Infinitos é o quinto livro da Série Dragão Mecânico da Editora Draco e foi o que mais me envolveu na atmosfera de tensão. Temos um romance que nos convida a investigar um mistério tanto dentro quando fora da cabeça da protagonista. 

Na história, acompanhamos uma nave colônia que busca colonizar Próxima B, segundo planeta que orbita a estrela mais próxima do sol. Esta nave não é uma nave geracional, onde os viajantes que chegam ao destino são descendentes dos que embarcaram, ao invés disso, mandou embriões congelados em uma nave. Quando a nave chegou perto do seu destino, a produção de clones que tripulariam a nave foi iniciada gerando indivíduos já adultos, mas carregando memórias de uma equipe na Terra, implantadas nos clones. Tendo algumas lembranças da Terra e do conhecimento técnico e científico dos originais escolhidos para a missão (cuja a missão foi justamente fornecer essas memórias). Desta forma, cada um recebeu um nome derivado de entidades da cultura latina e da asiática.

Passado um ano depois do nascimento dos clones (quando começa o livro) a colônia parece bem, com todos os especialistas fazendo seu trabalho de forma ordeira, mas Liu sente uma angustia que não consegue compartilhar com ninguém. Tem pensamentos e memórias de uma outra pessoa dentro de si. Contudo, antes que consiga se entender, uma crise sem precedentes inicia na colônia: o líder foi encontrado morto. Suicídio? Assassinato? Uma interferência alienígena? Casualidade? É nesse jogo que Liu tem de desvendar esse mistério enquanto tem de lidar com Teo, um membro da colônia que desconfia da normalidade de Liu.

O clima de mistério e tensão permeia todo o livro. O grande mistério sobre o que esta acontecendo foi minha grande curiosidade mas o livro aborda o grande tema da ficção científica: o que é o ser humano e inclusive politicamente uma vez que os membros da tripulação são cópias de pessoas da Terra mas eles nunca estiveram lá e nunca irão para lá. As perspectivas dessa condição pareciam que não teriam espaço em meio a crise mas o assunto acaba se tornando de importância vital. O resultado é um romance tenso com uma boa protagonista e um mistério que me prendeu o livro todo.

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segunda-feira, 8 de julho de 2024

Resenha #343 O Andrarilho das Sombras (Eduardo Kasse)


O Andarilho das Sombras é minha primeira incursão na obra de Eduardo Kasse e foi o meu "projeto tijolão" de 2024. Apesar da grossura do livro ele não chega a 400 páginas e a leitura foi muito suave, apesar da cenas de violência, pois o protagonista é extremamente carismático e segura praticamente sozinho a narrativa, por mais bacanas que sejam os coadjuvantes.

A história conta sobre Harold Stonecross, um vampiro que ressurge de uma hibernação forçada e volta a sua rotina de criatura da noite. Aqui o vampiro não é uma criatura reclusa num castelo que pega desprevenidos que invadem seu espaço, mas um predator que caça suas vítimas pela necessidade de sua condição. Não sem passar muitas vezes lamentando a sua condição, não apenas desfrutando do prazer da caça e do sabor do sangue. Tanto é que a narrativa se divide e se alterna entre momentos dessa nova fase de Harold como criatura da noite, caçando e conhecendo pessoas, amando e matando; com a vida antes da transformação, desde quando é abandonado pela família, mas tem a sorte de conhecer pessoas que o criam e convivem bem com ele, ensinando sobre as coisas do mundo.

A condução da obra é com uma sucessão de episódios que sucedem e não compõe nenhuma trama intrincada. O tom é parecido com o de Louis de Entrevista com o Vampiro, mas com menos melancolia. Harold é melancólico mas busca esconder suas dores com o prazer frívolo e passageiro de sua necessidade por sangue. Me chama a atenção também, como Kasse cosnegue transmitir a sensação de muito tempo passando, pois sentimos que Harold vive muitas vidas. Outro elemento é o sobrenatural para além da própria existência do vampiro, que aparece na cultura nórdica ainda presente na Inglaterra de Harold, sendo cultuados como deuses antigos devido a expansão do cristianismo. Deixando os detalhes de lado, eu recomendo muito o livro pois a escrita é muito envolvente e as situações muito intrigantes, mas o carisma de Harold segura todo o livro e não seria diferente se o protagonista não fosse bom.

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segunda-feira, 1 de julho de 2024

Resenha #342 Terra Morta (Tiago Toy)


Terra Morta: A Obsessão de Vitória é uma HQ da editora Draco de 2014 e conta uma pequena história em meio a um apocalipse zumbi. Vitória é uma garota completamente viciada em redes sociais e nem o fim do mundo a fará parar de caçar likes e atenção nas redes. O traço e o Preto e Branco, valorizam o grotesco e a pungência da crítica e me agradaram bastante. O amante de histórias de zumbis não vão ficar decepcionados com a carnificina e o banha do sangue. É uma HQ sucinta, sincera e nada elegante.

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segunda-feira, 24 de junho de 2024

Resenha #341 O Gaúcho (Júlio Shimamoto)


O Gaúcho é um compilado de todas as tirinhas deste personagem publicado num suplemento da Folha de São Paulo entre 1963-65, criado por Júlio Shimamoto a pedido de Maurício de Souza, que havia pedido por um herói que vivesse aventuras como nos faroestes americanos, mas num cenário brasileiro. Shimamoto cogitou encenar suas histórias no nordeste com cangaceiros, mas sua decisão final foi pelo pampa gaúcho. Surge assim Fidêncio, um ex-soldado da Guerra do Paraguai que volta aos pampas depois do conflito e decide ajudar os mais fracos.

As tirinhas eram publicadas em poucos quadros por vez, mas juntas formam quatro arcos narrativos. No primeiro Fidêncio encontra um menino que sobreviveu a um assalto que vitimou seus pais e passa a cuidar do menino. Joca acompanharia Fidêncio em todas as suas aventuras. As histórias são muito bacanas. As cenas de ação são bem feitas, apesar de não muito extensas, mas temos tramas que envolvem terras, tesouros encontrados, bandidos perigosos como nos faroestes, mas ao invés dos revólveres sacados rapidamente, a habilidade valorizada pelos gaúchos é ser bom no jogo do talho (briga com facões). A grande vantagem desta publicação é que toda a obra do personagem foi reunida aqui. Um trabalho do CAQ, Coletivo Alvoradense de Quadrinhos, de Paulo Kobielsky e Denilson Reis, fanzineiros renomados no Brasil. Vale a pena!
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segunda-feira, 17 de junho de 2024

Resenha #340 Sankofa (Juliana Vicente)


Sankofa é um conto de Juliana Vicente de 2023 que faz uma viagem afrofuturista que começa com a investigação de um assassinato na corte da Rainha Dyia, soberana de Lapak. Ela recorre ao ritual do Sankofa. O conto é bastante introspectivo e a escrita é muito envolvente e, ao mesmo tempo, consegue criar um mundo de Space Ópera muito intrigante. Principalmente porque o conto termina como o fim de uma pincelada de algo maior. Ainda sim, o conto é bastante satisfatório e não parece algo reduzido de um livro. Espero que venham mais histórias baseadas neste universo.
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segunda-feira, 10 de junho de 2024

Resenha #339 Mafagafo 3, Janeiro. Cabaré em Chamas (H. Pueyo)


Cabaré em Chamas é a edição de Janeiro de 2020 da Revista Mafagafo, e foi escrita por H. Pueyo e se passa entre Vitória/ES e Rio de Janeiro na pele de Ariadne que vive reclusa numa clínica para guls. Esta é a particularidade deste mundo, pois é o nosso mas com uma sociedade de criaturas que se alimentam de gente, se regeneram muito rápido e são amortais (não morrem naturalmente). É quando Ariadne é surpreendida com a visita de um gul a procura do antigo cuidador de Ariadne que sumiu há alguns anos, então eles são obrigados a unir forças para encontrá-lo.

A leitura é muito bem feita. Envolve o leitor no mistério, mas faz isso enquanto nos encanta com os personagens, com a craitura inumana que atiça a curiosidade, mesmo sendo uma ameaça em si. O desenrolar da história é sensacional, pois a autora não deixa a peteca cair em nenhum momento. O desenvolvimento é tão bom que a resolução do mistério já nem importa mais, pois queremos conhecer apenas mais sobre esse mundo. Cabe avisar que a história tem gatilho de violência e abuso, mas a autora aborda o tema com muita sensibilidade. É uma noveleta sensacional.

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segunda-feira, 3 de junho de 2024

Resenha #338 Revista Odisseia de Literatura Fantástica, número 1


A Revista Odisseia de Literatura Fantástica é a primeira publicação deste evento que é um dos mais importantes do país para a Literatura Fantástica. Esta primeira publicação foi lançada gratuitamente entre os participantes durante a nona edição do evento. Consegui uma edição física, mas a digital você encontra aqui, no próprio site do evento. Felizmente para mim, o evento acontece em Porto Alegre e posso ir pegando apenas um ônibus. Foi muito bacana o evento e estava ansioso para ir desde que a pandemia obrigou uma pausa nos eventos presenciais. Não pretendo fazer uma crônica de como foi o evento para mim. Minha timidez impediu de falar com várias pessoas que gostaria, mas consegui conversar com várias que compartilham o amor pelo fantástico, e no fim foi muito bacana e proveitoso para mim.

Sobre a revista em si, temos alguns textos falando sobre a história do evento e a programação do evento. Também tem três contos fantásticos. Um de fantasia, Viagem a Skara Brae, Ana Lúcia Merege; outro de Ficção Científica, Casulos, Simone Sauressig e por fim o Terror com A Tumba do Maestro de Duda Falcão. Os contos são curtos mas muito bacanas, lidos numa sentada só. Estou ansioso pelo próximo evento este ano em 2024 e se vier com um segundo número como esse, melhor ainda!

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segunda-feira, 27 de maio de 2024

Resenha #337 O demônio de ferro (Robert E. Howard)


O demônio de ferro é o terceiro livro da box O Bárbaro da Ciméria da editora Pandorga. Já falei sobre o conteúdo da box na primeira parte da resenha e comentei sobre todos os contos até então. Continuamos na fase formulaica de Robert E. Howard com mais três contos. Sendo assim, vamos falar sobre cada um individualmente:

Sombras de ferro ao Luar é uma história de Conan em que ele já começa caçado após uma derrota do seu exército de mercenários. Em sua fuga encontra Olívia, uma princesa exilada, que encontra uma esperança no bárbardo cimério. Quando se refugiam em uma ilha no Mar Vilayet, e é lá que as coisas começam a piorar. Conan enfrenta uma série de perigos que se acumulam e o emboscam: uma criatura que o espreita na floresta, piratas que querem sua cabeça e o pior. Um santuário cheio de estátuas de ferro que ganham vida e destroem tudo que chega perto do santuário. É aquele conto que não te dá tempo de respirar de tanta coisa que acontece. Deve ter sido uma semana terrível para o Conan, mas para nós que gostamos de aventura, agradecemos!

Rainha da Costa Negra é o meu conto favorito de Conan. Nele Conan conhece Belit, uma capitã pirata que se apaixona pelo bárbaro. Juntos tocam o terror na costa sul, saqueando e pilhando com sucesso, até que decidem buscar os tesouros perdidos numa ilha afastada da costa. Lá acontecem uma série de eventos trágicos que vão mudar Conan para sempre. O grande barato do conto, é o final diferente e o tom épico que percorre toda a narrativa. Belit não é uma mocinha indefesa típica. Howard se liberta desta fase fazendo uma mulher poderosa que está na companhia de um homem apenas por sua vontade, porque sabe que juntos seriam imparáveis e não por precisar de proteção. Este conto, inclusive inspirou o livro A canção de Bêlit, que narra os três anos que Conan e Belit viveram juntos saqueando os mares do sul, que no conto é apenas citado.

Demônio de ferro é um conto baseado no enfrentamento entre Conan e uma criatura demoníaca e abissal no estilo lovercraftiano mas mais bestial e violenta. Novamente, apesar das inspirações, não se trata de horror cósmico, mas uma aventura violenta. Seria melhor encerrar com o conto anterior, porque depois de conhecer Belit nenhuma personagem feminina de Conan tem graça.

O livro termina com a tradicional Galeria de capas, das revistas onde os contos foram originalmente publicados e encerra com um texto sobre a outra mídia que difundiria ainda mais o bárbaro cimério na cultura pop: as HQs!

Este box eu achei sensacional, principalmente em custo benefício. É barato, tem muito conteúdo. Não são todos os contos de Conan, mas são os principais e é suficiente para conhecer o personagem.



Galeria de capas
Recepção de Conan nos quadrinhos

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segunda-feira, 20 de maio de 2024

Resenha #336 Revista Histórias Extraordinárias, numero 3


A Revista Histórias Extraordinárias editada pelo jornalista Marcos Cavalcanti e Mario Garnett foi lançada em dezembro de 2020 e até o momento está na sua sétima edição. Adquiri as três primeiras via Catarse, que acredito ser a principal forma de adquirir os números. A Editora Mundo trabalha com itens colecionáveis e alguns dos cartões vem como brinde nas compras por financiamento coletivo. A proposta é relembrar os tempos de revista pulp com narrativas de horror cósmico, sobrenatural e ficção científica. Como é comum nas revistas, há textos de outros tipos que circundam o tema. Uma entrevista, uma matéria e algumas pequenas resenhas de filmes, mas o grosso da revista é de contos.

A revista abre com um artigo sobre Ted Chiang e sua ascensão como um dos maiores autores de Ficção Científica da atualidade e como fez isso escrevendo apenas contos. O artigo faz um bom apanhado de seus principais contos e a adaptação ao cinema de Storys of your life com o filme A Chegada. Pousamos! é um artigo muito bacana sobre turismo espacial, desde a explosão da Challenger até as atuais viagens feitas por bilionários. Depois temos uma entrevista com Roberto de Souza Causo, um dos maiores de nossa Ficção Científica, e o meu favorito! Seguido de um conto de Shiroma, o segundo de sua nova fase após o primeiro ciclo de contos que podemos ler no livro Shiroma: a Matadora Ciborgue. Em Confronto nas Alturas, temos Shiroma fugindo de Pheonix Terra, até que é confrontada por caçadores de aluguel. Li cada linha avidamente pois estou acompanhando as histórias de Shiroma sempre que posso. Linha por Linha, de MV Garnet, conta a história de dois operadores de instrumentos que captam sinais que causam horror e pânico aos técnicos. Do Mar ao Cais de Mário Cavalcanti é um conto curtíssimo que mostra que a edição tem o tema da loucura presente na maioria dos contos.

O Palhaço na Máquina de Felipe Carvalho é o conto que ilustra a capa da revista é um conto muito envolvente, sobre uma médica psicóloga que atende uma menina que insiste que tem parentes imaginários. A investigação é muito bacana e o desfecho faz jus a publicação e a tradição dos pulps. O Caso das Máscaras de Chumbo de Davi M. Gonzales segue a linha do mistério que pode ser sobre alienígenas ou contato com outra dimensão. Achei o conto um pouco arrastado. Meu Mundo e Nada Mais de Paulo Fabrizio é uma versão muito bacana da invasão alienígena mais contada do que mostrada. Contudo, foi um conto bastante agradável de ler e encerra bem a publicação.


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segunda-feira, 13 de maio de 2024

Resenha #335 Matadouro 5 (Kurt Vonneguth)


Matadouro Cinco é um clássico da literatura dos Estados Unidos e um clássico antiguerra que usa a ficção científica, bom humor e sarcasmo para falar de temas pesados como o Bombardeiro em Dresden e o trauma que é levado para a vida civil da guerra.

Acompanhamos Bill Pillgrim, na verdade o próprio narrador falando sobre Bill Pillgrim e suas experiências como sobrevivente do Bombardeiro de Dresden, que foi um ataque aéreo devastador perpetrado pelas forças aliadas que dizimou a cidade de Dresden, matando mais pessoas que o bombardeio nuclear no Japão em Hiroshima ou Nagazaki. Bill é um típico sobrevivente da guerra, tendo lutado nela como soldado, que leva uma vida pacífica como optometrista, casado com dois filhos até que revela num programa de rádio que foi abduzido por extraterrestres que lhes ensinou outra forma de ver o tempo. Bill passa a viajar no tempo, através de perdas de consciência que o levam a outros pontos do tempo. Uma forma criativa de mostrar como a guerra nunca acaba dentro de quem se traumatizou com ela, não importa o quão feliz sua vida tenha sido depois do conflito. A ironia do autor surge na inutilidade e na falta de propósito em cada ato violento que ocorre, em qualquer escalão. Inclusive na mentalidade guerreira de outros personagens que cercam Bill, e na forma como vários outros personagens se adaptam aos horrores que vivem. Inclusive se você encarar as viagens de Bill, na pele de outros personagens.

Não há uma apoteose no final, pois o próprio livro fala da inutilidade de enxergar o tempo como uma sucessão de fatos sequencialmente organizados, mas há sequencias para falar de como ficou a cidade após o bombardeio. Os personagens são apresentados com seu destino descrito, como morrem e a finalidade se torna fugaz e um mero fato corriqueiro. O que abre espaço para muitas reflexões sem essas amarras. Tudo isso envolto em uma linguagem muito simples e cativante, que me conquistou para que eu procure novas leituras do autor. Agradeço ao Roberto Honorato do Primeiro Contato SciFi pela dica.

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segunda-feira, 6 de maio de 2024

Resenha #334 Nebulosa (André Cáceres)


Nebulosa é um épico espacial que me surpreendeu pela escrita simples e prazerosa, enquanto trazia uma trama aparentemente simples e com temas muito relevantes. É o que considero uma leitura relevante e potente num percurso divertido de uma boa leitura de praia.

Acompanhamos quatro fios narrativos: O primeiro é Dédalo, um jovem acólito de um culto pouco relevante para o império galáctico, chamado ciência. Sua vida é abalada pela descoberta de uma alta  possibilidade de tentativa de assassinato do rei Nimrod. O segundo fio é  Aurora. Uma filha superprotegida pela mãe. No entanto Aurora, resolve entrar para a guerrilha contra o Império em seu planeta na periferia dos seus domínios, que passa por miséria e uma guerra sem fim. O terceiro fio é de Ícaro. Filho mimado do imperador que passa a viver entre piratas espaciais. O quarto fio, gira entorno da família Suçuarana, outrora poderosa detentora da coroa, mas hoje sobrevive das migalhas do seu prestígio.

Particularmente, gostei de todas as linhas narrativas. Todas são baseadas em clichês que conhecemos. Dédalo, que é muito inspirado em Fundação. Aurora é a menina pobre com passado nebuloso. Ícaro é  filho rico que busca sentido na vida. O núcleo dos Suçuarana, com aquele tom palaciano de Game of Thrones (mas que sabemos ter se inspirado no clássico italiano O Leopardo). André consegue refletir o Brasil nas suas tramas, o que as óperas espaciais dos Estados Unidos fazem em relação ao seu próprio país. Lá é comum que as narrativas abordem impérios multiculturais ruírem sobre o próprio peso de suas atrocidades, sabendo que atraem o ódio dos conquistados. Já Cáceres, debate o peso das determinações sociais e preconceitos de um país que está mais acostumado a tirania, inclusive sendo fundado na base da exploração, como toda colônia.

Mesmo com a história simples e divertida de acompanhar em cada fio narrativo, o autor nos reserva a complexidade da trama para seus momentos decisivos, realmente conseguindo me surpreender, e nos trazer mais reflexões sobre e esse pobre império. Gostei bastante das brincadeiras com as nomenclaturas e referencias a nossa cultura que me fez pensar que o autor poderia fazer mais volumes sobre esse universo que eu leria sem parar de virar páginas, contudo as páginas acabam rápido mas deixam uma boa leitura e reflexões sobre nós.

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