terça-feira, 25 de fevereiro de 2020

Resenha #122 - Rio 2054 - Os Filhos da Revolução (Jorge Lourenço)


"Rio 2054 - Os filhos da revolução" (2014) é uma distopia (pós)cyberpunk brasileiro escrito pelo jornalista Jorge Lourenço, que mistura diversas influências do cyberpunk num cenário pós-guerra no Rio de Janeiro.

A história se passa no ano de 2054 em um Rio de Janeiro devastado por uma guerra ocorrida há décadas que culminou na tomada do poder por megacorporações que agora gerem a cidade. Cercaram-se em uma área abastada, o Rio-Alfa, chamado popularmente de Luzes, deixando apenas as áreas contaminadas e abandonadas sem qualquer assistência no Rio-Beta (Escombros), acentuando a separação Favela/Asfalto, trazendo o High Tech/Low Life que tanto caracteriza o cyberpunk. 

Miguel, o protagonista, vive nos escombros e se envolve-se numa guerra de gangues de motoqueiros, quando decide salvar a existência de uma androide senciente com quem fez amizade. Juntando-se a gangue do seu amigo Anderson, Miguel acaba descobrindo também habilidade psíquicas que o tornam o único capaz de combater a nova gangue, aparentemente financiada pelas Luzes, que desencadeiam uma guerra de proporções muito maiores que as violentas competições da área dos escombros. As habilidades psíquicas e gangues de motoqueiros são a influência direta do cyberpunk japonês Akira enquanto a androide senciente, é evidentemente de Ghost in the Shell.

O autor consegue fazer essas influências conversarem muito bem entre si, numa trama bastante atraente e ágil. Somando isso a uma boa quantidade de ação e excelentes reflexões sobre a desigualdade social conseguem entregar uma boa ficção científica. Minhas ressalvas, ficam a referência ao personagem Fred e ao Nicolas, chamados quase sempre apenas de "negro", foi uma escolha infeliz pois deixa o livro com cara de romance do século XIX. Outra coisa que pode incomodar o leitor é que o desenvolvimento do Miguel é praticamente nulo, mesmo com a descoberta de poderes e todos os tipos de perigo que ele passa, parece que apenas confirma que o que ele pensava era o certo mesmo. Inclusive seus amigos não demonstram ter qualquer influência nas decisões que Miguel toma e apenas seguem a sua vontade sem muita resistência.

A trama é bem rica em acontecimentos e reviravoltas que, somadas as excelentes cenas de ação deixam a leitura eletrizante. Influência dos melhores mangás do gênero. O autor consegue nos transportar para esse futuro com uma boa construção dessa sociedade desigual. As reflexões sociais, junto com a qualidade da ação, são os pontos altos do livro. A leitura é recomendada e inclusive me pergunto porque o autor não lançou mais outra história, pois ele escreve bem.   
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terça-feira, 18 de fevereiro de 2020

Resenha #121 - Periferia Cyberpunk (org. Raphael Fernandes)


"Periferia Cyberpunk" (2018) é uma coletânea de histórias em quadrinhos que traz valor do quadrinho brasileiro ao mostrar uma versão brasileira da estética cyberpunk em oito histórias que variam em narrativa e traço, sem compartilhar um universo em comum mas firmes na sua proposta geral.

"Só os vilão" mostra um grupo de assalto que habita os esgotos de um rio tóxico radioativo que gerou uma casta de mutantes deformados. Eles buscam um artefato robótico que os daria vantagem para enfrentar o Estado que os segrega mas a arma acaba se voltando contra eles. O traço é bom e os diálogos são fluídos por se distanciarem da linguagem formal.

"Iansã Ferida" a população pobre vive no subterrâneo, quando duas garotas acordam de uma bad trip não conseguem mais acesso para a superfície até que uma amiga da PM, Dendê, tem uma saída. A linguagem informal flui muito bem. O traço aqui é muito bonito e elegante, com ângulos que dão efeitos muito bons e a página que representa o uso de uma nova droga merecia um quadro na parede.

"Um tucano me ensinou a voar" é aspecto cyberpunk aparece muito mais pela essência que pela estética. Usa bem o humor para estampar as paranoias do trabalho e o fracasso do protagonista, que trabalha sem parar e continua sem qualquer perspectiva de melhorar de vida. Toda dor do protagonista é regada pela leveza enganosa do traço de mangá.

"Babel de Cristo" mostra a volta de Alexandre ao Rio de Janeiro, de 2054 e recebe o leitor com um Cristo Redentor com um braço protético. A história é bastante clichê. Veterano voltando a ativa ao receber um pedido de uma mãe de um filho desaparecido e no caminho se depara com bandidos armados. O que me agradou foi o cenário numa favela montada no morro do corcovado que sofre uma ocupação da polícia. A referencia ao presidente e aos capacetes dos soldados podiam ser mais incisivas, pois o clima de clichê e aquele cyberpunk que não se leva muito a sério já esta estabelecido.

"Golen Binário" Nuke é uma hacker que vive numa cidade poluída até que forçada a aceitar um trabalho invadindo um sistema, mas seu passado que a tinha aposentado retorna para atormentá-la em um ciclo sem fim. A resolução da trama passa mais tempo explicando a resolução do que desenrolando a trama, mas mesmo assim é uma boa história.

"Condomínio Paradise" segue o desespero de uma mulher sendo expulsa de um edifício que logo fica evidente se tratar de uma área abastada da sociedade, para um exílio no local esquecido e pobre. Quando a mulher chega ao solo ela encontra uma sociedade que aguardava e uma pessoa de seu passado e percebe que sua chegada pode mudar tudo. A cena inicial é bem desenvolvida e angustiante, mas compensa mesmo apressando um pouco o resto do desenvolvimento da história que tem uma virada e resolução muito boas. O roteiro consegue prender  o leitor com uma boa construção de acontecimentos.

"Midriasi" conta sobre uma sociedade pós-apocalíptica que vive em uma cohab num navio cargueiro que obriga os habitantes a utilizar um colírio, mas a protagonista começa a investigar em cima de suas duvidas e chegar a uma revelação sobre o que é a verdade. 

"Fortaleza 2068" é uma típica aventura cyberpunk, cheia de humor, ironias gritantes e violência desmedida na pele do policial brucutu Everaldo que é obrigado a trabalhar com nerd Júnior. O primeiro quadro já mostra essa ironia ao vermos Everaldo acertando vários inocentes  (vinte mortos, segundo seu capitão) enquanto massacrava uma quadrilha de assaltantes. Mais que o dobro das oito vitimas feitas pelo assassino que a dupla persegue. A história consegue divertir e expor com humor a violência desse futuro.

Ficha Técnica.
Só os vilão: Roteiro - Airton Marinho, Arte: Jader Corrêa.
Iansã Ferida: Roteiro - Guilherme Wanke, Arte: Braziliano.
Um tucano me ensinou a voar - Roteiro: Cauê Marques, Arte: Cássio Ribeiro.
Babel de Cristo - Roteiro: Lucas Barcellos, Arte: Jean Sinclair.
Golen Binário - Roteiro: Antonio Tadeu, Arte: Thiago Lima.
Condomínio Paradise - Roteiro: Larissa Palmieri, Arte: Azrael de Aguiar.
Midriasi - Roteiro: Bruna Oliveira, Arte: Akemi, Hayashi.

Fortaleza 2068 - Roteiro: Raphael Fernandes, Arte: Doc Goose.
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terça-feira, 11 de fevereiro de 2020

Resenha #120 - 2001: Odisseia Espacial (Arthur C. Clarke)


"2001" é a obra mais conhecida de Arthur C. Clarke e, graças a adaptação ao cinema, uma das obras de ficção científica mais famosas do cinema. Um dos poucos filmes considerados melhor que o livro. Apesar do filme e do livro serem indissociáveis, o assunto é apenas o livro que traz o que Clarke tem de melhor: Uma história cheia de criatividade que nos leva longe na imaginação e precisão científica apurada.

A história começa 3.000 anos atrás acompanhando um grupo de hominídeos na visão de seu líder, referido como Amigo da Lua, que se depara com o monólito que o ensina habilidades que tornariam o homem a espécie dominante do planeta. O que chama a atenção nessa primeira parte são as descrições da vida cotidiana bem embasadas no conhecimento científico disponível até então. 

A segunda parte da obra, se passa no então futuro em 2001 e segue o Dr. Heywood Floyd, em uma missão até a base internacional na nossa Lua onde é encontrado o misterioso monólito, referido apenas como ATM-1. A própria tecnologia alcançada pela humanidade em 2001, mostra muito do otimismo que Clarke tinha no desenvolvimento tecnológico, comprovável pelo atual andamento da conquista do espaço. A terceira parte, que dura até o final do livro acompanha a da nave Discovery, pouco tempo depois da missão de Floyd, para explorar a pequena lua de Saturno (Jápeto) passando por Júpiter. Bowman, Poole e o computador HAL 9000, conduzem a nave com mais três membros em estado criogênico. Contudo, há um objetivo secreto, investigar uma nova ocorrência de um monólito igual ao encontrado na Lua. 

As primeiras sequências parecem acumular sem ter uma resolução, mas são muito boas para criar mistério e se mostram partes de uma única jornada de transformação e busca por respostas. Clarke usa bem as descrições dos momentos mais insólitos. Elas exigem da imaginação do leitor, até então bem abastecido de referenciais científicos, passam a acompanhar uma viagem lisérgica ao desconhecido, que é muito difícil de mensurar. Essa mudança no ritmo e da própria forma da narrativa é o que costuma desagradar o leitor desavisado. Para quem puder ler e deixar que a obra lhe abra a mente, o livro é muito recomendado!
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terça-feira, 4 de fevereiro de 2020

Resenha - Revista Quadrante Sul 8

Depois de dois anos, voltamos a falar da Revista Quadrante Sul que resenhamos em outubro de 2016 depois que adquiri os números 4 até 7 após um evento de quadrinhos independentes na cidade de Alvorada (Região Metropolitana de Porto Alegre), o Gibifest. Agora retornamos com mais 3 números da revista e mais 3 números da série de "Peryc, o Mercenário" publicado pelo mesmo selo independente. Você pode acompanhar todas as resenhas dessa série aqui sendo que no primeiro deles explico melhor sobre o que se trata tudo isso. Nessa postagem vamos falar do número 8, com aquela fórmula de sempre: primeiro falo sobre cada história e depois faço um geral da edição.

A capa tem uma arte cyberpunk muito bacana do Matias Streb, parecida com os seres que existem na primeira história. A edição abre com "Silyx: A semente da vida" uma bela Ficção Científica que mostra Garzok, um grifo que tem a missão de levar o frágil Silyx para seu inexorável destino. O traço me agradou bastante e a história trouxe muita coisa em poucas páginas. Em "Enigma: Acerto de Contas" por outro lado prezou mais pela ação com um tipico brucutu que resolve tudo na força, investigando a serviço privado, passando por brigas e gostosas aleatórias. No geral a história parece se levar a sério demais, pois se fosse uma sátira ou tivesse uma inversão se tornaria mais interessante. Na sequência, depois de uma entrevista com o quadrinista Paulo Serpa Antunes, temos "Mandato de uma nova lei", com 2 páginas, que mostra guardas robóticos queimando gibis antigos de um sebo sob alegação de que o próprio sebista disse que não precisa deles pra pagar as contas mas que este não precisa se preocupar pois gibis novos ocupariam o lugar vago nas prateleiras. Uma mensagem de preservar as obras antigas para venda/troca pois elas são importantes também. Antes da história seguinte, ainda temos outra entrevista, desta vez com Gustavo Piqueira sobre seu fanzine Metrópolis.

"Boxing Joe 2" é uma nova história do personagem de Jeronimo Souza que já apareceu na edição 5 onde mostra personagem sendo narrado como se fosse um trailer de um filme. Pois é uma colagem de momentos, contudo parece ser outra história de origem, pois na história anterior Joe é um menino da Nova Zelândia que nasce sem braços e pernas sendo depois abandonado pela mãe, enquanto aqui é o neto de Gorbachov que é um anão que devido a uma doença procura por próteses superavançadas. Por fim temos um quadrinho de duas páginas na linha existencial falando sobre o consumismo desenfreado e uma arte ótima de contra capa de Mestre Shima, num clima noir violento. No geral, a história que mais me agradou foi a primeira e a última, quanto as demais foram medianas. As imagens de capa e contra capa foram as que mais me agradaram até aqui.

Ficha Técnica:
"Silyx: A semente da vida": Adão de Lima Júnior.
"Enigma: Acerto de contas": História de Marcelo Tomazi, Arte de João Paulo Vieira e Letras de Alex Doeppre.
"Mandato de uma nova lei": Léo Ramos.
"Boxing Joe 2": História de Jerônimo Souza, Arte: Jonathan Pires e Letras de Alex Doeppre.
"Placebo": Anderson Ferreira.
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