terça-feira, 17 de dezembro de 2019

Resenha #115 - VALIS (Philip K. Dick)


"VALIS" (1981) é uma das obras mais importantes de Philip K. Dick. Nela o autor trás as principais ideias teológicas. Aqui Dick é bastante indiscreto com relação a sua relação com suas experiências pessoas, tornando a obra praticamente um relato biográfico de uma revelação divina, ou epifania. Esta experiência marcou sua obra e sua vida até sua morte em 1983.

A história fala de Horselover Fat, um homem atormentado pela morte recente de sua amiga Glória, por suicídio. Fat se vê em uma espiral de culpa que o faz tentar suicídio e o subsequente fim do seu casamento, ao mesmo tempo que tem uma experiência mística. Uma luz rosa que o faz ter consciência de tempos e línguas antigas e uma revelação que acaba salvando a vida de seu filho. 

A obra narra, na visão do próprio autor, a investigação de Fat sobre a luz. A primeira metade do livro traz a parte mais conceitual da investigação de Fat, onde ele desenvolve conceitos teológicos através de uma exegese. Dick não apenas joga os conceitos mas os explica e narra seu desenvolvimento. É uma parte bastante densa, dando ares de tratado filosófico (o que não deixa de ser um romance disfarçado disso) como do ponto de vista dramático mesmo, pelo tempo que Fat passa internado. A segunda metade da história é mais investigativa onde Fat e seus amigos (com quem travam debates que alavancam os conceitos) encontram uma pista em um filme recém lançado, chamado VALIS. Está parte que dura até o fim do livro, temos os momentos surpreendentes que costumamos encontrar em sua obras mas sem a preocupação de entregar uma surpresa. Parece óbvio que aqui Dick estava interessado em expor suas ideias sem se garrar formalmente a forma do romance, ainda que sem abandoná-la de fato.

VALIS não é uma obra que recomendo para leitores iniciantes. Não que estes sejam incapazes de entendê-la ou porque ela não fosse autossuficiente. VALIS traz de forma  amadurecida e lapidada tudo que vimos ao longo de toda a obra de Dick. A questão do gêmeo perdido de "Fluam, Minhas Lágrimas, disse o policial", a teologia básica de "O Deus da Fúria", a percepção de realidade de "Ubik" (e também em praticamente toda sua obra), o uso do I Ching de "O Homem do Castelo Alto", entre outras. De forma que VALIS (e sua chamada trilogia - "Invasão Divina" e "A transmigração de Timothy Archer") se tornam melhor compreensíveis e com os demais conceitos já assimilados em tantas obras excelentes do autor.




Leia Mais ››

terça-feira, 10 de dezembro de 2019

Resenha #114 - Pequenas Mortes Cotidianas (Paula Gianini)


"Pequenas Mortes Cotidianas" (2017) de Paula Gianini é um daqueles pequenos achados literários dos quais não podemos desperdiçar. Já tinha contato prévio com os contos da autora o que me deu segurança para começar a ler. Paula entrega um livro de contos bem curtos, sem perder a profundidade e com uma coerência de uma coleção de contos deviam sempre ter. 

O tema morte(vida) estão presentes em toda a obra. A morte aparece na forma de perdas e lutos, que invariavelmente nos modificam. A autora usa as mais variadas formas de nos trazer isso: Pontos de vista inusitados, como animais ou uma doente em coma, outras vezes momentos de desespero em linhas de pensamento fluídas, memórias em momentos limite.

Alguns contos já foram publicados na plataforma EntreContos e deixei os links nos títulos, enquanto comento os contos individualmente. Só lembrando que as versões linkadas, ainda não tinham sido revisadas para o livro. Demais contos da autora na plataforma estão aqui, para vocês apreciarem. Então vamos aos comentários individuais dos contos:

"Mariposa" conta as reflexões da breve vida uma idosa que desperta de um coma de muitos anos mas que não consegue se comunicar. Conto se destaca pela perspectiva da protagonista e o conceito do título bem atrelado ao conto. "Com a ponta dos dedos" narra as primeiras sensações de uma menina interagindo com o mundo. Outro conto que soube explorar bem o ponto de vista. 

"Dejavú" conta sobre uma mulher que repensa suas decisões da juventude quando encontra uma Kombi colorida numa autoestrada. "Passarinhos" é sobre Laura, uma menina com o dom de ressuscitar pequenos animais em uma pequena e cruel cidade distante de tudo. Gosto quando o conto abraça o fantástico de forma despretensiosa. "Quase" inverte o rumo introspectivo do livro, até então, e pinta um retrato bem humorado da baixa auto-estima de uma mulher que não percebeu o tempo passar. 

"Mar de vidro" conta sobre a rotina de uma menina bagunceira sob o ponto de vista de um peixinho de aquário. "Porco no rolete" passeia entre o trágico e o cômico nos traumas de uma vegetariana, agora viúva, que se vê obrigada a prestar pêsames em uma família que presenciou seu evento tragicômico com um porco no rolete. "Bob" conto narra sobre o abandono de um cachorro na visão do próprio. Vejo como a morte se encaixa aqui como a morte da empatia por quem dedicamos amor.

"O espeleólogo", usa o inusitado cenário do Camboja para contar sobre um menino que se espelha no seu avô, detalhando suas lembranças que moldam o seu caráter. "A lagartixa" conta sobre a relação de uma transsexual filha de um político e consigo mesma. "De saltos altos" é uma narrativa insólita de uma mulher que não se vê por completo e depende de outra figura para se completar. "(...)" conta das lembranças fragmentadas de uma mulher que observa o mar e encontra uma garrafa com uma mensagem. A forma narrativa do conto é sensível e brilhante. 

"Ossos Largos" narra uma trajetória de baixa auto-estima com um final tragicômico, que nos relembra que o caminho para melhorar não pode excluir a nós mesmos. "Casal Perfeito" mostra o desmoronamento da hipocrisia de um casamento falido no desespero do marido abandonado. É o único homem protagonista e foi moldado de maneira muito crível. "Inventário" conta sobre acumuladora de objetos que repassa sua vida ao vasculhar sua casa procurando uma caixa com maçanetas. O título condensa bem a ideia se reavaliar, e pensar no que não fez durante a vida.

É necessário advertir ao nosso leitor de Ficção Científica, que é uma obra fora do tema do tema do blogue, contudo o livro é uma boa forma de intercalar entre nossas leituras. Vale a pena não apenas pelo flerte com o fantástico, mas pela qualidade desses contos em tão poucas páginas. A recomendação aqui é colocar esse livro na sua lista entre a leitura daquela nova edição de Fundação e de Duna que vale a pena!
Leia Mais ››

quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

Lançamento do canal Diário de Anarres e primeiro vídeo


Olá pessoal. Hoje é um dia especial, pois o blogue vai finalmente estender-se para outra mídia, mas com outro nome. Estou lançando hoje o canal Diário de Anarres, onde vou fazer em vídeo o que já faço aqui: resenhas de livros. Também pretendo a médio prazo colocar vlogs sobre ficção científica e/ou literatura.

Segue o link para o primeiro vídeo

Leia Mais ››

terça-feira, 3 de dezembro de 2019

Resenha #113 - As Fontes do Paraíso (Arthur C. Clarke)


"As Fontes do Paraíso" é uma das obras de Arthur C. Clarke em que ele se mostra mais otimista em relação ao futuro em relação a outras de suas obras clássicas, pois é mostrada uma tecnologia muito avançada, em um futuro relativamente próximo.

A história segue o engenheiro Vannefar Morgan em sua obra mais ousada e grandiosa: um elevador orbital, uma forma de ligar a Terra e o espaço de forma rápida, levando mais cargas/passageiros que os custosos foguetes. O primeiro problema para a realização da obra gira entorno da montanha escolhida para a torre base do elevador. Lá fica o templo budista de Kalidassa, um imperador da antiga Taprobana - equivalente a Sri Lanka e a história de sua construção e intrigas palacianas é contada nos primeiros capítulos.

A história é narrada do ponto de vista de Morgan, principalmente, mas também do jovem imperador Kalidasa, de um diplomata da ONU aposentado e de uma jornalista ambiciosa. Os capítulos são curtos mas as descrições técnicas da tecnologia usada no elevador é muito apurada e bastante baseada na realidade e em teorias existentes. Inclusive um posfácio do autor detalha mais tais fontes. O otimismo do autor em imaginar que em tão pouco tempo a humanidade estaria agregada o suficiente para uma obra deste porte ou para a colonização espacial, como vemos em Marte. 

Clarke atribui em parte esse avanço civilizacional a um evento sem precedentes: o contado com uma inteligência alienígena superdesenvolvida, chamado apenas de Sideronauta, que travou um contato breve mas devastador para as religiões no mundo. Menos para os solitários monges que ocupam a montanha ideal para a obra. O livro conta com capítulos curtos que ajudam a amenizar o ritmo lento da obra. Os debates sobre religião tomam conta da primeira metade da obra enquanto na segunda metade a tecnologia do elevador fica mais em evidência, e é onde o livro é mais interessante. Pessoalmente, acho o debate religioso um pouco inocente, mas de forma nenhuma inútil. A obra é recomendada, contudo, os outros clássicos do autor são bem melhores.
Leia Mais ››

terça-feira, 26 de novembro de 2019

Resenha #112 - Cangaço Overdrive (Zé Wellington e Walter Geovani)

Cangaço Overdrive de 2018 é uma HQ nacional da Editora Draco roteirizado por Zé Wellington e uma equipe, em sua maioria cearenses, que traz uma fusão muito bacana da literatura de cordel com o cyberpunk

A história se passa em um futuro próximo, onde o nordeste brasileiro entra em colapso ambiental sendo praticamente abandonado pela população, restando alguns focos de pobreza extrema tendo no morro do Preã, uma comunidade no Ceará que resiste apesar dos constantes ataques da polícia e das maquinações de uma corporação chefiada por uma poderosa e tradicional família. Até que uma caixa misteriosa é interceptada pelo grupo de Rosa, líder da resistência armada do morro. O conteúdo da caixa é nada menos que o lendário cangaceiro Cotiara. Sua chegada vai desencadear uma escalada de morte e violência e uma pendência que dura mais de um século. 

A história consegue fundir os mundos de forma muito agradável. É uma história sobre o cangaço, mas levada ao futuro pela tecnologia. O narrador canta como num cordel com a mesma fluidez que fala de tecnologia. Tudo com bastante concisão, sem quadros desperdiçados fora da trama principal. Uma perseguição a um grupo de cangaceiros tornada numa batalha de ciborgues. As redes sociais aparecem de forma sutil mas tão fluída que quase não se percebe. O elemento de resistência do povo sofrido contra os interesses do capitalismo selvagem trouxe uma agradável lembrança ao filme Bacurau (lançado depois) e que dá força ao quadrinho pois aliou o regional ao universal, das lendas a nossa dura realidade. Apesar de não ser especialista, as artes agradam bastante, sendo a que menos me agradou foi justamente a capa. Leitura altamente recomendada!

Ficha Técnica, Cangaço Overdrive, editora Draco, 2018.
Roteiro: Zé Wellington
Layouts: Walter Geovani
Desenhos: Luiz Carlos B. Freitas
Arte Final: Rob Lean
Cores: Dika Araújo, Tiago Barsa e Mariane Gusmão.
Letras: Deyvison Manes.
Leia Mais ››

terça-feira, 19 de novembro de 2019

Resenha #111 - Deus da Fúria (Philip K. Dick e Roger Zelazny)

"O Deus da Fúria" (Dies Irae, 1976) é uma das obras de Philip K. Dick aborda a religião com mais profundidade tal como foi em "VALIS" e "Invasão Divina". Aqui o autor apresenta de forma mais clara a tese de um Deus que não é o da bondade e do amor, mas um deus de crueldade, fora dos padrões cristãos. Além de um romance, "O Deus da Fúria" é uma exegese do cristianismo.

A história se passa em um futuro pós-Terceira Guerra Mundial, onde mais de 90% da população mundial foi dizimada, restando muito pouco da religião cristã, que definha em número de adeptos e os sobreviventes vivem com poucos recursos em uma terra arrasada pela guerra radioativa. Desse mundo emerge uma nova igreja, que cultua o Deus da Fúria, personificado no homem responsável por toda essa destruição, Carleton Lufteufel.

O protagonista é Tibor McMasters, um artista membro da Igreja dos Servos da Fúria. Ele foi incumbido da missão de pintar um mural em uma igreja retratando o Deus da Fúria como figura central. Contudo, Tibor nasceu sem os braços e as pernas, e se locomove em uma charrete movida por uma vaca e utiliza dois braços mecânicos. A obra é basicamente a viajem de Tibor para encontrar pessoalmente o Deus da Fúria/Carleton Lutfeufel para se inspirar e começar sua obra. Antes da viajem de Tibor, temos muitas páginas para apresentar alguns personagens secundários, que iniciam o romance conversando com Tibor. Temos o padre Handy, da igreja dos Servos da Fúria; o Dr. Abernathy, um padre da antiga crença cristã e Peter Sands, um cristão convertido que utiliza de drogas alucinógenas para alcançar o divino e que ajuda Tibor em sua peregrinação. 

A leitura não é fácil, pois apesar das ideias principais não serem tão complexas de entender, as muitas referências durante os diálogos exigem um entendimento de cristianismo acima da média. A edição da Argonauta também não facilita pois não traduz os trechos em alemão que os personagens citam, o que seria útil para entender o tema complexo que tratam, apesar dos próprios personagens confessarem que não entendem o conteúdo de suas próprias referências. Algo semelhante ao clássico "Um Cântico Para Leibowitz", onde a ciência como sistema de conhecimento é perdida e seus fragmentos são apenas referencias exaltadas fora do seu propósito, mas em "Deus da Fúria" esse cenário não é usado para ressaltar a ciência, mas a própria religião como forma de chegar a deus. O livro é recheado de reflexões, debates teológicos de pontos de vista diferentes, que travam um pouco a história no primeiro terço parecendo que não vai levar a lugar algum mas isso muda no restante do livro. 

O Deus da Fúria foi um projeto que Dick começou e depois abandonou pois não tinha conhecimento suficiente sobre o cristianismo e foi retomado apenas quando Roger Zelazny, se entusiasmou com a história e mudou bastante o conteúdo final. O resultado foi uma obra prolixa e até difícil de digerir com pouco conhecimento sobre o cristianismo, pois é recheada de referências (influência de Zelazny), porém a ideia geral é martelada durante toda a obra. Recomendo para leitores avançados de Philip K. Dick e para leitores que já tenham feito alguma leitura mais profunda sobre o cristianismo.
Leia Mais ››

segunda-feira, 11 de novembro de 2019

Resenha #110 - Amália atrás de Amália (Marco Aqueiva)


"Amália atrás de Amália" é uma das varias obras de Ficção Científica brasileira que estão sendo lançadas pela Editora Patuá na coleção Futuro Infinito. A novela de Marco Aqueiva é a uma daqueles histórias em que a forma é um elemento ativo da história. As 81 páginas da obra podem levar a errônea primeira impressão de tomá-la por uma leitura rápida de praia. Contudo, Amália atrás de Amália exige do leitor muita atenção aos detalhes, sensibilidade e principalmente pensar fora da caixa. A narrativa é não-linear o que pode desagradar o leitor casual, mas recompensa quem aceitar se aventurar por sua loucas páginas.

A história gira entorno de Amália, que vive em um Brasil futuro cercada de tecnologia (chips neurais, biotecnologia) e violência. A violência de uma ditadura, de perder tudo e ser perseguida por ser quem ela é mas nem Amália sabe quem é, porém sabe que quer sua filha. Racionalizar a história para além disso é parte do sabor de acompanhar Amália, e deixo para o leitor.

A estrutura é basicamente não-linear. Os capítulos são curtos e o autor não manda um manual para organizá-los, mas a sensação de fuga e perseguição é constante. Momentos inebriantes e líricos logo são cortados por alguma urgência o que confere agilidade a leitura mas a não-linearidade obriga a retornar capítulos inteiros atrás de algum detalhe perdido. Preferi ler todo o livro uma segunda vez para encontrar os detalhes que julguei pouco importantes, que na verdade ajudam a entender o geral, o que valeu muito a pena. O mistério é instigante, o que acabou me fazendo reler assim que virei a última página. Foi uma experiência bem atípica de leitura, pois não estou acostumado a esse estilo de literatura-arte e acabei apreciando bastante o estranhamento que me causou. Recomendo!
Leia Mais ››

terça-feira, 5 de novembro de 2019

Resenha #109 - Carbono Alterado (Richard Morgan)

"Carbono Alterado" de Richard Morgan é uma obra de 2002 que buscou revitalizar o cyberpunk trazendo seus elementos clássicos (alta tecnologia/baixa qualidade de vida num capitalismo selvagem na forma de um romance policial noir) sem se apoiar numa sátira de algo ultrapassado, ou podemos dizer também, que é um cyberpunk que se leva a sério. O livro veio ao Brasil na carona do lançamento da série na Nexflix.

A história segue Takeshi Kovacs, um Emissário (agente especial da ONU) treinado mentalmente para se adaptar a qualquer um dos mundos colonizados e ocupar capas diferentes. No futuro imaginado pelo autor, no século XXV, a humanidade já colonizou diversos planetas e venceu a morte conseguindo encapsular os dados correspondentes as nossas lembranças e a personalidade, podendo ser reintroduzidos em um novo corpo, chamado de "capa", através de um cartucho. Contudo, nesse mundo apenas os ricos conseguem "viver para sempre", ou seja, viver vários séculos trocando as capas quando querem. 

Takeshi vem de um dos mundos colonizados, chamado apenas de "O Mundo de Harlan", onde os povos eslavo e japonês foram predominantes na colonização e nunca tinha pisado na Terra até que foi morto. Décadas depois foi reencapado num corpo caucasiano na Terra e lhe foi ofertado um trabalho de investigação de assassinato por Laurens Bancroft. A vitima do crime é ele próprio. Bancroft é um "Matusa", rico o bastante para comprar a própria vida eterna. Takeshi, sem melhor opção, se joga na investigação mergulhando nos submundos de um planeta que não conhece tendo apenas seu treinamento mental de Emissário.

Os elementos do cyberpunk estão todos ali: uma história noir detetivesca, uma femme fatale, conflitos de interesse com ricos, submundos de crime. O principal é a alta tecnologia principalmente no sentido biológico e químico e a baixa qualidade de vida, mostrada na própria condição frente aos poderosos de Takeshi e da família Elliot. E toda essa tecnologia e as devidas interações são o ponto alto da obra. 

A trama é bem convincente e trabalhada, e não é complexa demais para um livro grande. Tudo é narrado na primeira pessoa e em um livro de 490 páginas dá bastante espaço para trabalhar o personagem de Takeshi, porém o personagem ficou repetitivo em sua masculinidade e parece que sofre de uma necessidade compulsiva de se mostrar como tal. Afinal, um mundo onde o prazer virtual é de fácil acesso e a possibilidade de estar um corpo do outro gênero é facilitada, os personagens são estranhamente presos na heterossexualidade. Além da ausência de homossexuais e de todas as mulheres serem nada mais que  passivas/histéricas/ardilosas/frágeis em maior ou menor grau, é apenas contraditório uma sociedade tecnologicamente avançada e uma mentalidade de 1930. E tudo isso não acontece pela falta de menção ao sexo. Uma das várias cenas de sexo de Takeshi é detalhada em vários detalhes, por conta do uso de uma droga que compartilha os estímulos e sensações entre os dois usuários enquanto transam.

A série adaptou bem o clima noir, as personalidades dos personagens, e preferiu esticar a subtrama da família Elliot o que acabou deixando a série um pouco arrastada da trama principal pois já temos muitos flashbacks de Takeshi no livro e muitos mais na série. O livro consegue ser mais objetivo pois conta sua história na primeira pessoa, já a série divide o tempo de tela para as outras subtramas. Um ponto para a série foi o personagem que é a IA do hotel onde Takeshi se hospeda. No livro o Hendrix pouco se destaca, mas na série Poe aparece mais e ficou muito bom, a mudança, provavelmente se deve ao fato de Edgar Allan Poe já ter sua obra como domínio público, ao contrário de Jimmy Hendrix. A série capricha no visual mas acaba falhando em não acelerar o ritmo já lento do livro. O final da série é bem diferente do livro, e o do livro ficou melhor. 

Carbono Alterado falha na ausência, principalmente uma curva de aprendizado consistente para o protagonista. Espero que o próximo volume as coisas evoluam, pois apesar de tudo o mundo é atraente demais para não ler o próximo número.
Leia Mais ››

terça-feira, 29 de outubro de 2019

Resenha #108 - A Máquina Preservadora, Parte 2 (Philip K. Dick)

Segue o comentário sobre cada conto do segundo tomo da coletânea "A Máquina Preservadora". A parte um você encontra no link.

Mercado Cativo (Captive Market): Conto mostra a rotina aparentemente pacata da Senhora Edna Berthelson que carrega sua camioneta com mantimentos que vende semanalmente, em local discreto a todos do seu vilarejo, enquanto num futuro recente e pós hecatombe nuclear um grupo de sobreviventes é abastecido de comida e peças para sua nave de fuga para Vênus. Um negocio vantajoso para ambos. O conto fala sobre a ambição mesquinha pelo lucro que cega para todas as outras coisas importantes da vida. O final conta com a ironia macabra do autor em relação ao destino dos personagens.

Esta Triste Terra (Upon the Dull Earth): Silvia deseja ardentemente se unir a uma raça de seres alados que devoram sangue. Seu namorado, Rick tenta dissuadir Silvia mas esta parece ceder a um desejo irresistível. Então, Silvia consegue sua transformação, e no dia seguinte Rick fica transtornado com o que ela lhe conta sobre o resultado. Suas ações rasgam o tecido da realidade em algo parecido com uma tragédia grega entre dois apaixonados que não podem ficar juntos, ou não querem, fica a dúvida. Conto tem toda a estranheza que o autor traz de costume. 

O Síndroma da Fuga (Retreat Syndrome): John Cupertino é parado pela polícia por excesso de velocidade e então é reencaminhado ao seu psicólogo, Dr. Hagopian, que tenta convencer Cupertino de que John não matou sua esposa Carol. O conto narra Cupertino em uma paranoia extrema, ponderando a realidade ao seu redor e investigando se realmente ele matou Carol, apesar de conversar com ela mais de uma vez. Dick costuma abordar a quebra de barreiras onde a realidade é subestimada, e neste conto entretanto o foco é na culpa do protagonista e como sua mente se sabota sem qualquer limite. 

Os Rastejadores (The Crawlers): Ernset Gretry é um agente do governo responsável por investigar um fenômeno estranho no interior dos EUA. Trata-se de pequenos seres gosmentos, parecidos com lesmas gosmentas e com rostos humanoides. Gretry descobre que estes seres se reproduziram muito rápido e dedicam-se a construir galerias subterrâneas e parecem pacíficos e se não molestados. O plano do governo para conter a praga e devolver as terras aos donos é colocar todos os espécimes em uma ilha onde poderiam continuar a construir. O conto tem um final bastante aberto e deixa muita coisa nas entrelinhas, o que não é comum nos contos do autor, mas vale bastante a leitura e nos faz pensar em coisas esquisitas.

Oh, É Tão Bom Ser Um Blobel! (Oh, to be a Blobel!): mostra a vida de George Munster, veterano de uma guerra contra uma raça alienígena, os bolhos de titã. Á narrativa é cheia de ironias utilizando o estranhamento entre a forma humana e a forma de vida unicelular dos bolhos para mostrar nossa incapacidade de conhecermos uns aos outros bem como expor os valores familiares burgueses do relacionamento. Há uma dimensão política do conto, sendo uma crítica aos rumos dos EUA que "assimilam" características dos países com que entram em guerra, como a Alemanha Nazista e, depois, o Vietnã (uma crítica a chamada, "Guerra de corações e mentes"). Uma forma muito criativa de explorar a polissemia da Ficção Científica. Formas de vida parecidas com os bolhos aparecem em Clãs da Lua Alfa, porém sem sofrer a mesma repulsa dos personagens. Conto também publicado na Coletânea Minority Report.

O Que os Mortos Têm para nos Dizer (Wath the Dead Men Say): se passa em um futuro onde os mortos podem conversar com os vivos, se mantidos sob certas condições de temperatura. John Barefoot é o RP do recém falecido megaempresário Louis Sarapis, que pretende continuar influenciando sua empresa e aliados políticos enquanto estiver semivivo. Contudo os agentes de conservação não conseguem estabelecer contato até que sua voz começa a aparecer em todos os aparelhos de rádio, telefone e TV. A base da história foi aproveitada posteriormente em Ubik, onde o personagem Herbert Schoenheit reaparece. Publicado também na Coletânea Minority Report.

Paguem ao Impressor (Pay the printer): Após uma guerra nuclear, chegaram a Terra os pacíficos billtongs, seres disformes que parecem gosmas e que tinham a capacidade de replicar objetos a partir das cinzas que existiam por toda parte e uma seiva que sai deles. Desde então os objetos que copiavam passaram a ser usados ostensivamente para reconstruir o que sobrou da civilização. Desde carros, roupas, partes faltantes das ruínas de prédios até taças outros utensílios diários. Até que um dia, tudo que foi copiado pelos Billtongs começaram a perder consistência e se desfazer, levando a população das colonias ao desespero. O conto parece ter ma mensagem contra o consumo desenfreado e alienado, pois os humanos desaprenderam a confeccionar tudo que usam. Vemos, outra vez, a Ficção Científica para ironizar algo completamente atual, tanto na época do conto como agora.  
Leia Mais ››

terça-feira, 22 de outubro de 2019

Resenha #107 - A Máquina Preservadora, Parte 1 (Philip K. Dick)

A Máquina Preservadora (The Preserving Machine) é uma coletânea de contos de Philip K. Dick lançada em dois volumes pela lendária editora Argonauta, responsável por trazer centenas de obras de Ficção Científica para a língua de Camões, sendo que muitas obras só podem ser encontradas traduzidas por conta desta coleção. Aqui temos um belo compilado de contos do autor, alguns já encontraram republicações no Brasil conforme apontamos os que já traduzimos. Para um colecionador e aficionado pelo autor como eu, deparei com algumas inevitáveis repetições em relação ao que já foi lido e resenhado aqui, mas foram apenas quatro contos, e os comentários foram transcritos pois acabei pulando esses contos na hora de ler essa coletânea. No mais, vou comentar os contos do primeiro volume individualmente e numa próxima postagem os do segundo volume.

A Máquina Preservadora (The Preserving Machine): Conto curto que dá nome a coletânea. Doc Labirinth é um senhor ocupado com a preservação da cultura da nossa sociedade a longo prazo, em especial com a música, pois para o Doc é a mais frágil de preservar. Doc projeta uma máquina capaz de dar forma viva as músicas que considera mais dignas de serem preservadas, como Bethoven, Mozart, Schubert, Wagner entre outros do estilo clássico. A máquina recebe partituras e devolve formas de vida parecidas com animais inéditos ainda que lembrem os que já existem. Contudo, as coisas começam a sair de controle de Doc. O final faz uma reflexão bem humorada sobre natureza humana, não necessariamente impactante mas carregada da ironia característica de Dick.

O Jogo de Guerra (War Game): funcionários de uma importadora de brinquedos avaliam produtos vindo de Ganimedes para o mercado da Terra. São eles: Um jogo de realidade virtual onde soldados invadem uma cidadela, uma fantasia de cowboy e uma variante do Monopoly chamada Syndrome. O propósito dos brinquedos é obscuro aos personagens e ao leitor também, não percebem a ideologia guerreira de seus importadores mesmo nos brinquedos vetados. Contudo, a ideologia mais sutil e eficiente está justamente no brinquedo aprovado.

E Se Benny Cemoli Não Existisse? (If There was no Benny Cemoli): O conto se passa no século XXII cerca de 20 anos depois de uma guerra que regrediu a tecnologia na Terra, quando da chegada do GRUC, uma organização inter-sistema vindos de Alfa-centauro para restabelecer relações com a Terra e ajudar em uma reconstrução tecnológica. Paul Hood, chefe do GRUC, reativa o homeojornal New York Times para que sua chegada seja noticiada a todo planeta. O homeojornal, funciona a partir de um computador central e autônomo no subsolo (por isso preservou-se durante a guerra, mesmo inativo), e junto as noticias de chegada de Hood e o GRUC, passa a noticiar uma revolta chefiada por Benny Cemoli em Nova York. O mistério começa quando Hood não encontra nenhum rastro de Cemoli, nem de sua revolta, quando vai até Nova York. O conto trata da manipulação da mídia e vislumbra um mundo de comunicação global em, praticamente, tempo real e traz uma trama complexa mas bem contada em tão poucas páginas.

Roog (Roog): Conta história de um cão chamado Boris, que sente uma ameaça rondando a frente da casa dos seus donos num pacato bairro suburbano. Conto bastante subjetivo, que segundo o próprio autor fala de lealdade e sobre a incapacidade de Boris transmitir seu alerta e de como é considerado incômodo ao tentar transmiti-la. 

Veterano de Guerra (War Veteran): David Unger é um veterano de uma grande guerra do século XXII e vive amargurado com a derrota da Terra contra colonos humanos de Marte e Vênus, que tenta sempre contar seus feitos na guerra porém quase ninguém lhe dá ouvidos, até que em meio a protestos por conta do desemprego, quando o dr. Patterson em uma consulta descobre que Unger deveria ter 15 anos do ano de 2184,  e não 85 e que a guerra interplanetária de 2185 é um evento futuro. Seria Unger um viajante involuntário do futuro? Começa um jogo de interesses entre o dr. Patterson, seu médico, o líder politico radical Gannet, V-Stephens um venusiano entre outros para impedir a guerra ou para virá-la para o lado da Terra em meio a crise eminente entre os povos. 

O Melhor Lugar de Reserva (Stand By): Quando uma frota alienígena desconhecida é detectada se aproximando do Sistema Solar, o Unicefalon, o computador administrativo com poderes de presidente dos EUA, fica inativo. Então, Max Fischer, o substituto humano escolhido pelo sindicato assume o cargo, porém logo uma crise se instaura pois um Jim Bribski um comunicador famoso de rádio tenta armar uma reeleição para ocupar a presidência. O conto faz uma sátira política que elege presidentes babacas em tempo de internet e como a tecnologia não cria uma ferramenta que não melhora tudo por si só. Conto que vale pelo desenvolvimento e não pelo final.  

E Lá ao Fundo Vivem os Wubs (Beyond lies the Wub): Peterson é o imediato na nave espacial do comandante Franco, quando Franco encontra um wub, um ser que Peterson adquiriu numa das paradas do cargueiro. A medida que os tripulantes estabelecem contato com o wub, a tripulação de divide entre os que querem devorá-lo por ser parecido com um porco de 200kg, como o capitão Franco e os que querem mantê-lo vivo, como o imediato Peterson, pelo wub ser inofensivo, sensível e inteligente. Conto fala sobre a adaptação e a violência e tem um final muito criativo e inspirado que pode tirar um sorriso do rosto. 

Recordações Por Atacado (We Can Remember It for You Wholesale): Conto que serviu de inspiração para o filme Vingador do Futuro, que começa apresentando Douglas Quail, um "assalariado de merda" que não tem o tamanho de Schwarzenegger mas deseja ir a Marte. Então, recorre a Rekordações para receber um implante de memória de como teria sido a viagem. Após complicações no procedimento a estória segue um rumo diferente do filme. O conto aborda o que restaria de nossa identidade se pudéssemos manipular as nossas lembranças e experiências de vida. Publicado também Coletânea Vingador do Futuro e na Coletânea Minority Report.
Leia Mais ››

terça-feira, 15 de outubro de 2019

Resenha #106 - Guanabara Real: Alcova da Morte (Enéias Tavares, Nikelen Witter e A. Z. Cordenonsi)

Esse romance foi escrito a seis mãos pelos gaúchos Enéias Tavares, A.Z. Cordenonsi e Nikelen Witter. Todos os três já têm obras de steampunk publicadas, e juntaram forças para criar um novo universo retrofuturista, usando a cidade do Rio de Janeiro do final do século 19 como cenário e personagem, com direito a máquinas diferenciais, carros a vapor e próteses mecânicas. Mas também onde a magia influencia o destino dos personagens, ainda que de forma oculta do cotidiano, tudo isso em meio a um mistério detetivesco. A obra faz uma bela celebração da diversidade, sem colocá-la como o motor da história.

São vinte e um capítulos, sete de cada autor. A trama é protagonizada por três agentes da agência particular de investigações Guanabara Real, que no ano de 1892 é contratada para investigar um assassinato ocorrido durante a festa de inauguração da estátua do Cristo Redentor, financiada pelo poderoso Barão do Desterro.

Tudo é contado do ponto de vista dos três protagonistas, na primeira pessoa, que são interrompidos em alguns momentos por epístolas e recortes de jornais que os heróis leem durante a história. Inclusive podemos ver a posição política de dois jornais diferentes, ao noticiarem misteriosos desaparecimentos: o jornal A República apoiando as autoridades do governo e a Tribuna Popular discursando para o povo.

Cada capítulo é escrito alternando a voz dos protagonistas: uma mulher, um negro e um índio, ou seja, os cidadãos de segunda classe, aos olhos do patriarcado branco.

Maria Teresa Floresta é a dona da agência Guanabara Real. É cheia de contatos pela cidade, principalmente entre os pobres e marginalizados, e tem um faro investigativo apurado. Ela também promove a harmonia entre os diferentes temperamentos de seus associados e amigos da agência. Nikelen Witter, autora também de Territórios invisíveis, trouxe a influência de Agatha Christie para a construção do mistério.

Firmino Boaventura é um engenheiro positivista que acredita na ciência para resolver crimes, e de certa forma o olhar científico é um modo de autoafirmação, contra o preconceito que sofre por ser negro e pela prótese mecânica que substitui a mão direita. O personagem de A.Z. Cordenonsi, autor também de Le Chevalier e a exposição universal, é a influência do steampunk na obra.

Remi Rudá, personagem de Enéias Tavares, é quem traz a influência lovercraftiana ao livro, por ser um especialista em ocultismo, alguém que domina as artes da magia. É descendente de indígenas, com gostos extremamente requintados, e vive em constante tensão com Firmino pela discrepância de suas especialidades. É de Enéias Tavares o premiado romance A lição de anatomia do temível Dr. Louison.

A diversidade social aparece na obra de maneira bastante fluída, apesar de não ser o centro da trama. Há os protagonistas que se unem pelos seus diferentes conhecimentos e habilidades, principalmente as de Maria Teresa, que conhece muito bem as áreas marginalizadas onde nasceu e cresceu. Entre os coadjuvantes, o destaque é a requintada Madame Leocádia, uma transexual dona do prostíbulo mais luxuoso da capital da recém-proclamada república.

Quanto à trama, é bem amarrada, porém sem muito espaço para maior complexidade, tanto pelo espaço que os passado pessoal dos protagonistas ocupa nas páginas quanto pela própria característica de prólogo de uma série que certamente se estenderá por mais livros. Algo que aliás é atiçado pelo final aberto e surpreendente.
Leia Mais ››

terça-feira, 8 de outubro de 2019

Resenha #105 - A cidade e as estrelas (Arthur C. Clarke)

"A cidade e as estrelas" de Arthur C. Clarke, de 1957, foi baseado em uma novela de duas décadas antes. A obra consegue trazer temas e extrapolações ainda relevantes hoje mesmo passado mais de meio século depois de escrita, ainda que tenha elementos bem calcados no seu tempo Clarke consegue extrapolar a Guerra Fria buscando soluções sempre além disso. A história se passa milhões de anos no futuro e o texto consegue transmitir muito bem essa distância temporal. 

Acompanhamos Alvin, que vive numa metrópole isolada do resto da Terra e do universo chamada Diaspar. Nela, a cidade é governada por um computador central e a morte foi derrotada completamente e os habitantes dedicam seu longo tempo de vida para seu próprio prazer, sem compromissos ou laços familiares fortes. O poderoso Computador Central de Diaspar provê comunicação instantânea, inclusive com hologramas sólidos e interações a distância muito mais complexas que a ainda distante internet. Apesar de todas essas benesses, os habitantes de Diaspar são desencorajados a sair da cidade baseados num acordo de paz lendário com antigos inimigos chamados apenas de Invasores, que aceitaram não atacar a Terra desde que não voltassem a explorar o espaço. Contudo, Alvin quer conhecer o mundo e o universo que há fora de Diaspar.

Infelizmente se faz necessário um spoiler que acontece antes da metade do livro, quando o mundo parece bem estabelecido: A cidade de Lys é encontrada por Alvin vasculhando uma antiga estação de transporte nos subterrâneos de Diaspar. Na cidade, Alvin encontra Hilvar que se torna um grande amigo. Lys se mostra uma outra Utopia de harmonia com a natureza, cultivo de plantas e criação de animais e apesar de ainda lidarem com a morte, desenvolveram habilidades telepáticas. Ambas as cidades são extrapolações das ideologias da Guerra Fria, de um lado Diaspar se apresenta como um shopping center dos sonhos, um templo voltado ao prazer entediado de tanto consumo enquanto Lys é uma comunidade autogestionada de contado pacífico com a natureza. Ainda que também sejam isolacionistas e temerosos em relação aos invasores. Alvin atua, com sua curiosidade, no  rompimento dessa barreira contruí há milhões de anos.

A escrita de Clarke é bastante agradável, dando uma boa forma as suas ideias fantásticas que são o forte de sua obra. Além do mais é autor clássico em uma obra clássica da Ficção Científica que envelheceu bem e ainda merece atenção dos novos leitores. Recomendado!
Leia Mais ››

terça-feira, 1 de outubro de 2019

Resenha #104 - Tempo Desconjuntado (Philip K. Dick)

"Tempo Desconjuntado" (Time out joint, 1959) foi escrito por Philip K. Dick onde ele trabalha com a ideia borrar os limites entre o real e o irreal. A história acompanha Ragle Gumm, um veterano da 2GM de meia idade que vive numa pequena cidade nos anos 1950 com a irmã Margo, o marido Vic Nelson e o sobrinho. Ragle vive de forma acomodada, sem emprego fixo e sua única renda são as premiações semanais de um concurso de jornal onde é o grande campeão, acertando todas as respostas há cerca de dois anos. Raegle mesmo acostumado a fama gerada pelo concurso desconfia de que é o centro de tudo que o rodeia. Desde mensagens misteriosas em tiras de papel, a comunicações de rádio amador do seu sobrinho. A paranoia leva Ragle a duvidar de todos a sua volta.

A história conta com uma reviravolta que muda o cenário e surpreende bastante, mesmo que o cenário não tenha envelhecido bem, com exceção dos diálogos com delinquentes juvenis que simularam bem a nova realidade, me agradou bastante. Quanto a escrita, é direta e com sutis ironias características do autor e ele trabalha a ideia de paranoia até a revelação. A obra é uma edição recente da Suma, que publica obras de Philip K. Dick não tão conhecidas, já que os maiores clássicos foram publicados pela Aleph nos últimos anos. A Suma fez um trabalho de luxo com capa dura que dá muita vontade de ler e mesmo não sendo um dos clássicos, ainda é uma leitura relevante da coleção do autor.    
Leia Mais ››

terça-feira, 24 de setembro de 2019

Resenha #103 - Tempo Fechado (Bruce Sterling)

"Tempo Fechado" (Heavy Weather, 1994) é um livro de Ficção Científica escrito por Bruce Sterling, um dos criadores do movimento cyberpunk nos anos 1980. Na década seguinte, escreveu Tempo Fechado que ainda mostra um mundo cercado por alta tecnologia e baixa qualidade de vida, contudo o foco é no desastre climático causado pelo desenvolvimento desenfreado do capitalismo.

A história é contada na visão de Jane e Alex Unger, quando Jane sequestra o irmão de uma clínica de tratamento de um problema pulmonar terminal de Alex no México. Jane leva Alex até o Texas onde Jane vive junto a Trupe Intempestiva. Um grupo de cientistas e aventureiros que caçam tornados na região desértica do Texas e Oklahoma liderados por Jerry Mulcahey, um matemático e meteorologista que acredita na chegada de um furacão escala F-6. Tão poderoso, que está acima da escala Fujita, que vai de F-1 até F-5.

A leitura é bem fluída e mostra um livro que envelheceu bem como extrapolação do futuro pois a pauta climática já é uma realidade há, no mínimo, uma década. Também conservou alguma atualidade na sua linguagem, pela forma como os personagens hackeiam as coisas, "to hack" no original, "fuçar" na tradução, mais que a linguagem é a atitude cyberpunk que se mantém como nos livros clássicos mas agora abordando um novo cenário. 

Enquanto assistimos as notícias da Amazônia arder em chamas e vemos toda essa irresponsabilidade que os personagens apenas lamentam impotentes, acontecendo no nosso tempo. Na história, o evento que simboliza o estado catastrófico do clima é chamado de Tempo Fechado e acontece pouco depois de 2015, na visão de Sterling. Talvez não aconteça um evento que seja um marco para sinalizar tal catástrofe, mas sim um processo contínuo do capitalismo produzindo morte por lucro.  

A história é incomodamente parecida com o filme Twister, roteirizado por Michael Crichton. Uma trupe de aventureiros perseguindo um quase mítico tornado F-6 na região Texas e Oklahoma. Inclusive a cena da vaca voando estão em ambas as histórias, cena essa que trouxe muita atenção ao filme na época, lançado um ano depois do livro. Não encontrei nenhuma referência direta ao livro de Sterling, no filme. Fica o questionamento e a estranheza pela semelhança. O livro é recomendado pela ação que diverte bastante, pela extrapolação muito válida, pela atitude cyberpunk e pela boa escrita de Sterling.  
Leia Mais ››

terça-feira, 27 de agosto de 2019

Resenha #102 - O Profanador - Philip K. Dick

"O Profanador" (The man who japed) de Philip K. Dick foi lançado em 1956. É uma obra do início da carreira do autor. Acompanhamos, na história, Allen Purcell o dono de uma agência de propaganda que trabalha para a Telemidia, o único órgão estatal de comunicações na ditadura da Reclamação Moral. Resultado de uma guerra devastadora iniciada em 1987. Esta ditadura religiosa e totalitária, é baseada numa reconstrução pós-guerra com uma vigilância no comportamento ao extremo.  

Purcell odeia esse mundo que o sufoca mas também almeja um cargo na Telemidia. Então recebe o convite para o cargo de Diretor Geral. Ao mesmo tempo Purcell tem certeza ser o responsável pelas profanações a estátua do Major Streiter, herói da Reclamação Moral. Contudo, Purcell não consegue se lembrar dos momentos em que expressou sua revolta como se estivesse adormecidos, ou então, cobertos pelo medo de ter sua vida nessa sociedade destruída.

O livro é uma leitura rápida e mostra o universo utópico-decadente sem muitas inovações, mesmo em 1956, em tempo foi uma primeira tentativa de de Dick de inserir seu humor característico numa novela. O resultado está longe de ser notável como em Ubik, mas ainda sim é um bom trabalho do autor, mesmo abaixo dos seus clássicos.
Leia Mais ››

terça-feira, 6 de agosto de 2019

Resenha #101 - A Redenção do Anjo Caído (Fábio Baptista)

"A Redenção do Anjo Caído" do Fábio Baptista foi lançado em e-book na Amazon em 2017 e em papel em no mesmo ano pela editora Cáligo. Li a versão em papel pois ainda sou o chato do livro de papel (e do blog escrito também) ainda mais com a capa para a edição de papel que é muito bonita, assim como toda a edição. O livro é uma fantasia que não tem medo de abordar a mitologia cristã, que para boa parte dos brasileiros não é mitologia mas sim a verdade absoluta, o que potencializa muitos atritos por manipular a fé de forma artística. Não satisfeito, Fábio também mexe com outro tema que desperta muitas paixões: a política, com muitas referências sutis como passos de elefante. Fábio se mostra destemido ao colocar a mão na merda e tirar ouro em forma de literatura.

Lúcifer, na história, também conhecido como a Estrela da Manhã, após milênios ocupando o trono das trevas concluí que nada pode fazer para vencer a guerra que declarou a Deus, pois este é onipotente, onipresente e onisciente. Baseado na premissa de que sua derrota é inevitável e decretada antes de começar, Lúcifer resolve entregar os pontos, literalmente desistir. Contudo, Deus não pretende entregar a redenção sem que Lúcifer tenha um arrependimento genuíno e condiciona a redenção a tarefa de que Lúcifer passe um tempo no mundo dos homens e faça o bem para os outros. Como seria de se esperar Lúcifer passa por "dificuldades", para ficar na superfície.

Avançar mais na história seria entregar parte da graça do livro, pois existe a mitologia que é de conhecimento relativamente comum e existem os momentos criados pelo autor e é justamente a expectativa de ver onde Fábio inventa e onde é mitologia. Temos vários momentos de ambos e a forma como o autor amarra e dá sentido a tudo a medida que a história muda radicalmente em várias partes.

A leitura é muito fluída, devido a habilidade do autor, e alterna momentos divertidos, principalmente se você rir com os deboches de Lúcifer. Alias, o carisma do personagem e um dos maiores atrativos do livro e é muito difícil não torcer por ele e por outros personagens. Os personagens secundários são muito críveis, desde a senhora que vende cachorro-quente que situa bem nossos pés no chão até os estoicos anjos e os cruéis demônios. No mais, a obra é um entretenimento de primeira qualidade, principalmente por não ser um entretenimento vazio, mas bem construído, amarrado e concluído com um final muito bom! Recomendado com urgência pois precisamos ler mais obras boas escritas no Brasil em Fantasia e Ficção Científica!
Leia Mais ››

terça-feira, 30 de julho de 2019

Resenha #100 - O Homem Demolido (Alfred Bester)

"O Homen Demolido" de Alfred Bester foi o primeiro vencedor do primeiro Prêmio Hugo (em 1953) e desde então tornou-se um clássico que influenciou vários autores como Philip K. Dick. Nesta obra temos uma perseguição policial frenética e inteligente, mas também uma antecipação do homem multifacetado dos tempos atuais. Na história, o futuro é tomado por telepatas chamados de Pexsen ou Psicodiafanistas. Graças ao trabalho de policiais telepatas há décadas ninguém é assassinado. Tudo começa quando Ben Reich, um rico empresário, concorrente de D'Courtney, planeja assassina-lo para acabar com a concorrência. Contudo Lincon Powell é um policial habilidoso que empreende uma caçada atrás de Reich, mas Reich também se preparou para lidar com policiais telepatas mas Reich não contava com uma testemunha: Barbara D'Coutrney, filha de Craye D'Coutrney vítima de Reich.

O livro tem apenas 200 páginas e com ritmo frenético, ágil e Bester consegue fazer com que algo relevante sempre esteja acontecendo, nada fica gratuito. A velocidade de comunicação dos telepatas também é bem escrita e um exercício de imaginação do futuro muito interessante e relevante, pois apesar de não existir telepatas no nosso presente, temos comunicação rápida e em tempo real influenciando diretamente as relações sociais. Contudo, o principal dessa obra é imaginar as várias camadas de personalidades emergindo e submergindo em conflito, dando profundidade aos personagens. O mundo criado por Bester influenciou bastante Philip K. Dick e as semelhanças para mim que já li bastante de PKD são bem aparentes: Telepatas (Pexsens/Precogs), homens atormentados e de identidade fraturada e ocupação avançada do Sistema Solar.

O livro não tenta pintar uma mudança drástica no futuro, nem para a utopia nem para distopia, tampouco com a tecnologia com a exceção dos computadores utilizando cartões perfurados. O resultado é um livro que envelhece muito bem, com uma leitura ágil e bem vinda.
Leia Mais ››

terça-feira, 16 de julho de 2019

Resenha #99 - Último Refúgio (J. M. Beraldo)

"Último Refúgio" de J. M. Beraldo é a sequência de "Império de Diamante", livro de fantasia brasileiro que levou o prêmio Argos de 2016 e foi muito merecido, pois trouxe algo diferente para a Fantasia escrita no Brasil, cheio de referências a África, desde o sistema de magias, passando pelos personagens negros e grandes impérios até a geografia do continente. Nessa sequência, contudo, o autor nos leva a um novo continente nesse mesmo universo em uma aventura com seu protagonista Rais Kasim. 

Kasim é em o "Último Refúgio" um refugiado da guerra travada em Myambe e trabalha como mercenário contratado pela Companhia mercantil de Último Refúgio, a maior cidade do continente de Panjekanaverat. Também temos Vema Thevar, uma onironauta e amante de Kasim vinda de uma família de refugiados de segunda geração. Ambos acabam sendo arrastados para uma conspiração que vira uma jornada pelos mistérios no continente. Kasim é encarregado de investigar um líder revoltoso que está organizando os trabalhadores do porto da cidade chamado Chidi, enquanto isso Vema é recrutada pelo mestre dos onironautas Nyx para criar um sonho mais amplo e detalhado jamais visto.

Temos um mundo totalmente diferente de Myambe, no lugar da seca, religiões fortes e do sólido Império de Diamante. Em Panjekanaverat há uma raça ancestral porém decadente (os Panjek) em uma cidade cosmopolita sustentada tecnologicamente por três grandes casas de arte: A arte da Carne, onde quirurgiões englobam a função de médicos e fazem manipulações no corpo com uma ética peculiar, ou seja, fazem cirurgias, implantes e até criam raças funcionais (como os makaras - bestas de carga que circulam cotidianamente na cidade); a Arte dos Planos, usa energia taumatúrgica para criar máquinas especiais que trazem suas versões de avanços tecnológicos que conhecemos da nossa vida moderna, mas podem criar coisas bizarras como um robô para transportar uma cabeça semiviva; e a Arte da Mente, são onironautas que navegam e moldam sonhos e removem pesadelos, explorando o limites da mente e as barreiras entre as dimensões. Os lideres dessas casas são panjeks chamados de maharashans mas estes dividem poder e influência com o prefeito da cidade, Vayk Varna que tece uma série de alianças políticas e comerciais para se manter no poder. Essas tecnologias e o ar cosmopolita da cidade mais a situação de imigrantes de Myambe (continente que já conhecemos) dá camadas adicionais de profundidade para a cidade expandindo o mundo de forma inteligente.

A leitura é bastante fluída e o autor continua contando uma historia consistente sem desvios desnecessários. Assim como no primeiro livro, temos várias partes do texto dedicadas a entender melhor este mundo novo, pois há um novo sistema de magias que em Panjekanaverat é mais complexo deixando Myambe com aspecto provincial em comparação. O autor optou por menos personagens principais, e por mais páginas para dar mais profundidade aos protagonistas e é aqui que Vema brilha na história assim como o continente que é um personagem em si. Com o fim da leitura, Panjekanaverat nos deixa saudades assim como Myambe me deixou. Agora, resta esperar o próximo livro e que ver se haverá um novo continente a ser explorado ou se teremos um retorno aos que já conhecemos. Que venha o terceiro livro!
Leia Mais ››

terça-feira, 18 de junho de 2019

Resenha #98 - Ás Moscas, armas! (Nelson de Oliveira)

Ás Moscas, armas! de Nelson de Oliveira (a.k.a. Luiz Brás), é uma coleção de contos muito sucintos, criativos e instigantes. São 25 contos em apenas 120 páginas. Na maioria ocupam apenas duas páginas. Sem medo de viajar pelos recantos da imaginação e da alma humana, o livro pede uma leitura saboreada e reflexiva. O estilo do autor é avesso a enrolação, preferindo a concisão e profundidade nos pensamentos e também pela criatividade nas histórias que podem te levar para qualquer lugar e essa é uma constante na obra e nas outras resenhadas no blog: Oneironautas do autor junto com Fábio Fernandes, Anacrônicos e Sabixões e Sabixinhos.

Vamos falar brevemente de cada conto, depois do conjunto. O livro abre com "A preponderância do pequeno" em que um frequentador da casa de campo do senhor Maxwell descreve seu dono refletindo sobre suas diferenças, os parênteses guardam a sinceridade. "Daltonismo" acompanha uma briga de casal embalada pela obra de Machado de Assis, sobre a não/traição de Capitu. Em "Ah!" Rubens passa mal e Ana Maria não sabe o que fazer. Depois o mundo vira luz. Todos viram luz. O conto nos faz imaginar eventos da escala pessoal até a global. Uma sensação que o autor passa em Anacrônicos. "Antes do Verão, depois da primavera" conta sobre o achado de Carlos e Joana: um baú de tesouros cheios de lembranças perdidas. Objetos simples mas que despertam memórias. O conto nos faz pensar sobre espaços entre as coisas e as coisas que se perdem lá.


"Amor", faz um retrato do lado dolorido do amor. Em "Baile de Máscaras", o alfaiate Zacarias Sepúlveda Bezerra é acusado de  um crime que não cometeu no dia de Natal e sua execução será transmitida pela TV. Conto usa os elementos do justiçamento e é um bom exemplo da literatura do autor na sua capacidade de instigar. "Entre paredes murmuramos sombras que nos assustam" é um pensamento corrido, escrito sem parágrafos, numa sentada só. Uma explosão de sentimentos. "Jaqueline in the box" nas primeiras linhas, Jaqueline foi apenas um bebê abandonado numa caixa de papelão, mas com com o passar do tempo ela se tornou uma caixa de papelão mais que qualquer outra coisa. O conto carrega numa linguagem infantil, de alguém que se esconde de sua dor já que não tem mais sua caixa para protege-la. "Lua, 1969" é um conto sobre duas entidades que conversam e se confrontam sobre a saúde de uma criança quando o pouso do homem a Lua era transmitido na televisão. É bastante enigmático, a ponto de eu ter entendido pouca coisa dele.

"Górgona" é dividido em duas partes, a primeira fala de uma profecia, usando de tom lírico e a segunda é um papo de bar com um escritor e tem um tom grotesco. É um conto de interpretação bem abstrata mas arrisco-me a entendê-lo como uma forma de mostrar os homens ameaçados pelo poder das mulheres que não veem da força. "Ninfas" pinta um quadro de caçada e fuga, sedução e armadilha. "Fora do quarto à noite", Edgar é um bombeiro idoso aposentado que imagina derreter tudo a sua volta. Conto de difícil interpretação, talvez seja sobre como ficar sozinhos e sentir-se repulsivo/destrutivo. "Inveja" brinca com os rótulos usando rótulos para nomear personagens invejosos. Usa a repetição de forma que fica divertido. "O Homem só" fala sobre Alberto um homem solitário, que não consegue transar com sua amante, pois tem mais prazer com suas fantasias do que na interação com outras pessoas. "Propósito" é uma página de elogio a Darth Vader mas desenha mais o admirador que o admirado. "Odor" descreve cientificamente a mais irracional das atrações. 

"O que eu faria se estivesse no meu lugar" é um conto circular que brinca com a alteridade de um rapaz que quer dar um presente para a namorada. "Quinze Minutos" pinta apenas com diálogos a correria diária, e com a repetição da rotina. É divertido e uma leitura ágil. Pequenas Reminiscências perdidas" conto curto gira entorno de Priscila e Rodolfo, num suspense que envolve até o fim. "Ruas" viagem onírica nas ruas de São Paulo, dominadas por diferentes animais domésticos e de rua. O narrador em primeira pessoa, não aprece ter uma raça definida. "Três tristes tias" cotidiano de três idosas cheias de manias, suas ações contrastando com as falas de um sobrinho que aparece apenas nelas enquanto as irritações das senhoras moldam a percepção de seu mundo. "Avenida Roshamon" temos um punhado de versões de um atropelamento. Fato distorcido e torcido muitas vezes, no boca a boca. "O que mais há a dizer?" faz pensar sobre quando as palavras são retidas e despejadas. "Um sujeito meio esquisito" um conto muito esquisito.

O livro é bastante aleatório nos assuntos, mas sempre girando entorno do insolito. Apesar das poucas palavras, é preciso ler e refletir antes de seguir o próximo conto. Não é uma leitura de praia, mas um mergulho profundo. Recomendado! 
Leia Mais ››

terça-feira, 11 de junho de 2019

Resenha #97 - Planeta do Exílio (Úrsula K. Le Guin)

"Planeta do Exílio" (1966) é junto com "O Mundo de Rocannon" uma das primeiras obras publicadas pela autora e faz parte do ciclo Hainnish que contam histórias que se passam em vários planetas onde a Liga dos Mundos busca intercâmbio cultural com planetas com menos tecnologia e complexidade civilizacional. É possível notar a qualidade da escrita da autora já neste livro do seu segundo livro e, lendo os seguintes, como evoluiu nas posteriores até chegar nas obras de maior sucesso: "A Mão Esquerda da Escuridão" e "Os Despossuídos". 

A história se passe no planeta Eltanin, também chamado de Alterra, 600 anos terrestres depois que a Liga dos Mundos abandonou milhares de colonos sem restabelecer contato novamente. Os alterranos que remanesceram estão definhando lentamente em sua cidade - Landin - enquanto convivem com seus vizinhos, os Tevar. São nativos do planeta ao qual a Liga estabeleceu contato quando da sua chegada mas hoje apenas aturam os alterranos devido as condições climáticas. Existe muito preconceito entre os dois povos, mas a chegada de um inverno terrível, num planeta em que as estações do ano duram uma geração inteira, e uma invasão em massa organizada pelos hostis Gaal, obrigam aos tevaranos e alterranos lutarem lado a lado. Em meio a esse conflito, Hiff Rolery, uma neta do líder tevarano Wold e Jakob Agat, o líder dos Alterranos se apaixonam e tentam selar uma aliança entre os povos para o iminente ataque dos Gaal. Contudo, apenas Agat parece disposto a passar por cima do preconceito para isso.        

A característica mais marcante da obra é a habilidade em misturar Ficção Científica e Fantasia, assim como vimos em O Mundo de Rocannon. A obra é essencialmente Ficção Científica, pois os colonos usam tecnologia avançada ainda que limitada pelas regras da Liga dos Mundos de não sobrepujar os nativos e todo o pano de fundo da própria da Liga dos Mundos. O elemento de Fantasia fica por conta de toda a ambientação e baixa tecnologia do mundo de Eltanin que remete muito a Fantasia medieval. Úrsula consegue mesclar os dois ambientes de forma coesa e escreve tudo isso em personagens com uma boa evolução e complexidade para um livro tão curto. Nesse ponto pode não agradar muito ser curto demais e as coisas se resolverem um tanto rápido, mas levando em conta que é a segunda obra da autora (a primeira foi lançada no mesmo ano) e que as obras seguintes são melhores trabalhadas, nos mostra que Úrsula Le Guin no início de sua carreira ainda é excelente! Enfim, recomendo a obra para quem quer saber mais da Liga de Todos os Mundos, que gosta de uma boa mistura de FC e Fantasia e que quer apreciar uma boa escrita.

Segue a ordem cronológica das obras do Ciclo Hainnish, junto com o ano de publicação de cada obra:
- Os Despossuídos (The Dispossessed) – 1974;
- Floresta é o Nome do Mundo (The Word for World Is Forest) – 1976;
- O Mundo de Rocannon (Rocannon’s World) – 1966;
- Planeta do Exílio (Planet of Exile) -1966;
- A Cidade das Ilusões (City of Illusions) – 1967;
- A Mão Esquerda da Escuridão (The Left Hand of Darkness) – 1969;

- The Telling – 2000;
Leia Mais ››

terça-feira, 4 de junho de 2019

Resenha #96 - Espaço Eletrônico (Philip K. Dick)

Estamos de volta para falar de outra obra de Philip K. Dick, "Espaço Eletrônico" (The Unteleported Man) foi escrito em 1964 e lançado no Brasil em 1971 no selo de FC Urânia da antiga editora Brugueria. Eram edições de baixo custo, de bolso e hoje é a única opção para se ler em nossa língua, mas como bom fã do autor, aceito de bom grado a rinite provocada por suas 160 páginas amareladas. Esta novela teve uma segunda versão "Lies Inc." escrita alguns anos depois, ainda sem tradução para a língua de camões. Foi uma leitura rápida e emocionante de uma obra da primeira fase do autor.

A história se passa em 2014 em uma Terra superpovoada poe 7 bilhões de habitantes. Após a descoberta de um planeta habitável, o nono planeta da estrela Formalhaut, chamado Whale's Mouth, a imigração em massa parece uma solução. A empresa de Rachmael von Applebaum era a líder no mercado de transporte de colonos inter espaciais até uma nova tecnologia encurtar o tempo de transporte de 18 anos para 15 minutos. Porém nenhum imigrante retornou para contar como era o planeta. Rachmael, desesperado pela falência da empresa, quer provar que Whale's Mouth é uma farsa e então busca a ajuda da empresa Lies Inc. para reter a maior nave da empresa chamada Onphalos. 

O clima de paranoia em relação o mistério de Whale's Mouth é bem estabelecido e o livro tem bastante ação, principalmente depois que o mistério desenvolvido e o suspense acaba. O autor ainda não tinha inserido os elementos de conflito com a realidade que o fizeram ser conhecido, pois o autor ainda estava em sua fase mais "pulp". É um livro que vale a pena ser lido se você conseguir encontrá-lo, mas tem mais valor para quem quer completar a coleção do que para o leitor casual ou para quem quer começar a ler o autor.
Leia Mais ››