segunda-feira, 28 de março de 2022

Resenha #228 - Poeira Lunar/Os Náufragos do Selene (Arthur C. Clarke)

 


Poeira Lunar (To Fall on Moondust) é uma obra de Arthur C. Clarke que foi lançada recentemente com este nome, pois a antiga Nova Fronteira já havia lançado como "Os Náufragos do Selene". É uma história sobre o drama de 21 ocupantes de uma nave de turismo na lua que sofre um naufrágio em um de seus mares. Os mares da lua imaginada por Clarke são repletos de uma poeira fina que em gravidade quase zero ganha uma consistência que se comporta como um liquido. Hoje sabemos que os mares da nossa lua são uniformemente firmes. Alguns poucos anos depois do livro ser lançado, a teoria dos mares de poeira foi derrubada, deixando o Poeira Lunar imediatamente obsoleto como especulação. Fica a pergunta: o que sobra para uma ficção científica que não serve mais para especulação?

Se olhar com extremo rigor, nada, a não ser uma história. A história de um desastre e o drama para a sobrevivência, a convivência sob o estresse do confinamento, o perigo eminente, até o resgate tornou-se comum no cinema nas décadas seguintes. Se o leitor conseguir se levar pelos acontecimentos, vai conseguir tirar o que a obra tem de bom. Contudo, mesmo erguida sob uma teoria que logo se tornou furada, temos um livro muito bem escrito e bem especulado em relação aos desafios que a tripulação e a equipe de resgate tem que enfrentar. É muito fácil cair em falar besteira ao imaginar um mar de poeira fina em gravidade quase zero e como retirar 21 pessoas de uma embarcação afundada de lá. Ainda assim, é uma obra que não é boa como seus maiores clássicos, "O Fim da Infância", "A Cidade e as estrelas" e "Encontro com Rama", mas é superior a "As Fontes do Paraíso".
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segunda-feira, 21 de março de 2022

Resenha #227 - Le Chevalier e a Exposição Universal (A. Z. Cordenonzi)


"Le Chevalier e a Exposição Universal" de André Zanki Cordenonsi é uma aventura detetivesca steampunk estrelada pelo agente francês sem nome, conhecido apenas como Le Chevalier. A história se passa numa Europa não muito diferente da nossa, em termos políticos sendo acrescida de tecnologia a vapor que possibilitou avanços e uma modernização mais acentuada em Paris (cenário do livro) e por consequência, um maior desigualdade e precarização da vida da classe baixa.

Le Chevalier recebe a incumbência de investigar a violenta morte do agente Pinard, as vésperas da Exposição Unviersal que reunirá inventos de todo o mundo e muitos deles podem ser mortais e ameaçam a vida do próprio Imperador Napoleão III. A escrita acompanha o estilo antigo com bastante descrições mas logo temos boas cenas de ação que aceleram a leitura, até a tornarem uma excelente "leitura de praia". É como chamo os bons livros com leitura fluida e que não complicam o entendimento enquanto divertem o leitor.

Quanto a caracterização dos personagens, eles são propositalmente caricatos, desde o heroísmo e determinação do protagonista passando pelo reclamão, esfomeado porém corajoso e leal, Persa. Confesso que gostaria de ver algo mais que as bravatas da parte dele, como houve com Julliete que aparece muito menos mas tem motivações mais claras e cativantes. Os vilões são apenas frutos da política e fez sentido serem descartáveis como mecanismos, pois quando caem são sempre substituídos por outros iguais (mais espertos e hábeis ou não).

O balanço final é de um livro do tipo leitura de praia. Divertido, que não pesa a mão em nenhuma característica de crítica ou científica, mas elas estão lá pra quem quiser algo além da aventura que predomina e (mais uma vez) diverte muito e deixa um gosto de quero mais, que acredito encontrar nos contos (As crônicas de Le Chevalier) que o autor deixou de graça na Amazon.
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segunda-feira, 14 de março de 2022

Resenha #226 - Vaporpunk: Novos documentos de uma pitoresca época steampunk (Org.Fábio Fernandes, Romeu Martins)


"Vaporpunk: Novos documentos de uma pitoresca época steampunk" ou apenas Vaporpunk 2, trouxe novos contos para expandir o conceito de Steampunk nos contos da primeira antologia. A primeira mudança é a maior quantidade de contos, e o menor número de páginas no total. A abordagem também é diferente, não seguindo apenas a História Alternativa, mas também abrindo o leque para a aventura e a fantasia, nem sempre em cenários brasileiros.

Fábio Fernandes, um dos organizadores da antologia, abre o livro com "Alferes de Ferro", uma história que reconta a vida de Joaquim José da Silva Xavier, que a história imortalizou como Tiradentes. Nesta nova versão o alferes inconfidente tem um destino mais heróico do que de mártir da independência em um mundo em que a porção nordeste do império foi tomada e consolidada pelos holandeses, além de não poupar nosso herói das contradições da luta pela liberdade com a manutenção da escravidão.

Dana Guedes nos trás um conto episódico em "V.E.R.N.E. e o Farol de Dover" onde um grupo de anarquistas e libertários luta pela liberdade da classe operária, sabotando diretamente as operações do governo para proteger os industriais. Naquela missão, em específico, o grupo pretende destruir o HMS Guardador que transportaria peças industriais e sua destruição atrasaria por meses a construção de um parque industrial novo. Os personagens Beatrice e Dmitri são os mais trabalhados, e os outros membros da equipe são caracterizados por peculiaridades estéticas e não sabemos se sobrevivem para serem aprofundados em episódios futuros. Aliás essa característica episódica dá um sabor folhetinesco ao conto e nos faz querer saber mais.

Romeu Martins "Tridente de Cristo" narra uma segunda história do investigador policial João Fumaça quando vai a festa de casamento do estadunidense Neil Gibson com a índia brasileira Maria Pinto, amigos da aventura anterior, porém Neil e João são rendidos por um agente estadunidense a serviço da coroa espanhola. Neste mundo o Império Brasileiro e a Coroa espanhola são equivalentes aos Estados Unidos e a Inglaterra no século XIX, como potências mais relevantes. Infelizmente o conto deixa a desejar pelo excesso de informação e contextualização, do que acontecimentos que levaram os personagens até aquela situação. Absolutamente tudo que sabemos do vilão sai de sua boca quando revela em longos parágrafos seus planos. Nem Tião Gavião, discursaria para Penélope Charmosa por tanto tempo.

Nikelen Witter "Uma missão para Miss Boite" acompanha Ana Joaquina que vem ao sul do Brasil, aparentemente em viagem a visita de um amigo, junto do marido Serafim. Porém o casal faz parte de uma Sociedade secreta em missão: resgatar/roubar um artefato que deve ser protegido a todo custo. Ana contrata Miss Boite, uma mercenária ousada que aceita a missão. O conto tem reviravoltas muito bem feitas e cenas de ação inspiradas. Meu conto favorito da edição!

Luiz Brás "Mecanismos Precários" coloca em choque uma série de dicotomias entre um casal enfurecidamente apaixonado, digladiando-se em mechas a vapor destruindo a cidade até que um personagem inusitado coloca tudo de ponta cabeça. Conto cheio de metalinguagem que foge do padrão de histórias Steampunks mas que tem muito valor como literatura.

Sid Castro "Notícias de Marte" cria seu Brasil steampunk em paralelo com o nosso Brasil. Acompanhamos o Visconde de Cerradinho Antônio Almeida, aviador do Império Brasileiro embarcado no navioaeródromo Amazonas, em uma missão misteriosa que se perde da esquadrilha e é derrubado por um navio republicano chamado Amazonas. Logo Antônio percebe que está em um universo paralelo, sob a desconfiança dos oficiais da Marinha de um Brasil republicano ás vésperas de um motim que seria conhecido como A Revolta da Chibata. O motim é a única chance de Antônio voltar a sua realidade e concluir sua missão. O conto conseguiu colocar em paralelo ambos os mundos sem deixar o conto confuso, conseguindo contar uma boa história, com ação e um gancho para o final sensacional.  

Romeu Martins "Modelo B" segundo conto do autor na edição onde retornamos com o detetive João Fumaça. O conto me agradou bem mais, que  "Tridente de Cristo", pois conseguiu valorizar a ação e os acontecimentos sem muita contextualização. Ambas as histórias são simples, mas o perigo e os vilões ficaram mais humanos e razoáveis. Diferente do conto anterior, aqui terminei a leitura querendo mais contos do João Fumaça. 

Jacques Barcia "O cerco de Dr. Vikare Blisset" acompanha através do relato de um detetive encarregado de prender o Dr. Vikare Blisset um célebre anarquista que usa suas tecnologias para quebrar patentes científicas e tecnológicas controladas pelo Estado. O conto funciona pelos relatos e por trechos de relatórios sobre as armas, tecnologias e associados do Dr. Vikare que nos imergem nesse mundo e trazem excelentes cenas de ação. Um conto que funciona como tal e ainda nos deixa com muita vontade de conhecer mais este mundo.

Cirilo S. Lemos "Meus pais, os pterodáctilos" é um steampunk com cara de New Weird que tras uma história doce sobre um menino que vive com pais em Varup, uma cidade povoada por pterodáctilos que falam e vivem em sociedade. O menino adotado não é bem visto pela sociedade mas os pais do menino fazem de tudo para que ele seja aceito. A construção de mundo é soberba e não perde em nada para mundos estranhos e exóticos de China Mieville. Excelente encerramento para a antologia!
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segunda-feira, 7 de março de 2022

Resenha #225 - Parthenon Místico (Eneias Tavares)


"Parthenon Místico" de Eneias Tavares é a sequência que tanto aguardava para "Lição de Anatomia do Temível Dr. Louison" do já longínquo ano de 2014. O mundo de Brasiliana Steampunk tem tudo que um bom livro Steampunk precisa: uma estética apurada, cheia de charme, tecnologia a vapor, ação e personagens cativantes. A sequência, que na verdade é uma prequela, acompanha o grupo chamado Parthenon Místico, quinze anos antes dos eventos narrados em "Lição". Grande parte dos personagens criados e adaptados ao mundo a vapor estão lá. Dr. Antonie Louison e Beatriz de Almeida e Souza, entre os criados por Eneias e os retirados de obras clássicas, Solfieri (do Noite na Taverna de Alvares de Azevedo), Bento Alves, Sérgio Pompeu (d'O Ateneu de Raul Pompéia), Dr. Benignus (do livro homônimo de Emílio Augusto Zaluar), Vitória Acauã (dos Contos Amazônicos de Inglês de Souza) estarão ao lado de Giovani (personagem de Apeles Porto Alegre), Aristarco (também d'O Ateneu) e até de uma misteriosa aparição d'O Aleph de Jorge Luis Borges.

Na história, acompanhamos os primeiros momentos da criação do Parthenon Místico, grupo de insatisfeitos anarquistas que se veem obrigados a enfrentar a Ordem Positivista com planos de dominação que os colocam em choque com nossos heróis. Como no livro anterior, a narrativa é construída através de relatos dos diários, digo dos noitários, dos personagens, também de relatórios, transcrição de áudios e notícias. Porém quem assume um protagonismo desta vez é Sérgio Pompeu, que traz o primeiro relato de quando recebeu uma carta de um antigo colega do Ateneu, Bento Alves para vir a Porto Alegre. Sérgio que se sentia sem lugar no mundo aceita o convite e entra para o Parthenon Místico, e já tem de encarar suas primeiras aventuras com o grupo.

Minhas expectativas com relação a continuação eram as mais altas possíveis e elas foram totalmente atendidas. Obviamente meu apego ao mundo criado pelo autor facilitou que eu gostasse do livro, mas ele definitivamente não é apenas uma aventura boba e estética vazia. O livro está embebido de rebeldia, sabendo combinar o lado aventuresco e folhetinesco sem tornar seu aspecto rebelde em algo caricato. 

P.S. - Como se não bastasse tudo isso, o livro tem suportes gratuitos para ampliar o mundo abordado nas duas obras. Acessando o QRCode no fim do livro ou aqui o leitor tem acesso a audidramas e histórias em HQ virtuais, e informações sobre outras mídias que compartilham o universo criado pelo autor.
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