segunda-feira, 31 de maio de 2021

Resenha #185 - Flores para Algernon (Daniel Keyes)


"Flores para Algernon" de Daniel Keyes é um clássico de 1966, vencedor do prêmio Hugo duas vezes, tanto do romance, quanto do conto homônimo de 1958. Também foi adaptado ao cinema em 1968 em Os Dois Mundos de Charly. A história conta sobre Charlie Gordon, que aos 32 anos trabalha em uma padaria e tem QI 68. Certo dia, recebe uma proposta para fazer uma cirurgia revolucionária que aumentaria sua inteligência, algo que Charlie deseja profundamente. Acompanhamos a evolução de Charlie após a cirurgia, que na verdade se tratava de uma pesquisa científica, e como sua inteligência floresce a ponto de relembrar antigas mágoas e traumas do passado.

O livro é todo narrado de forma epistolar, ou seja, tudo o que lemos são os Relatórios de Progresso que Charlie escreve quase todos os dias. Acompanhamos como Charlie escreve melhor, deixando de lado os erros de ortografia e as construções frasais simples chegando a uma complexidade cada vez maior, inclusive que os pesquisadores que o tratam. Essa curva de aprendizado é uma das grandes sacadas do livro. O elemento principal são os conflitos emocionais em relação a família que a inteligência excepcional desperta em Charlie, pois este se torna consciente de todos os traumas que a falta de inteligência o impedia de lembrar.
 
"Flores para Algernon" é um livro bastante triste e uma das poucas ficções científicas que realmente conseguem fazer o leitor se emocionar. Um drama que nos força a pensar sobre as pessoas que nascem com condições mentais adversas, reflete sobre o caráter insensível da ciência e, pela forma epistolar no qual foi escrito, nos coloca irreversivelmente no lugar de Charlie. Acreditamos tanto na ingenuidade de Charlie que o aspecto duvidoso que um relato em primeira pessoa desaparece aqui. Acreditamos em Charlie e no seu desejo de se tornar inteligente e o desdobramento de quando seu maior desejo se realiza. Temos também um final que promete marejar os olhos, até do mais insensível leitor e este que vos bloga não conseguiu impedir a fuga de algumas lágrimas ao final da leitura.
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segunda-feira, 24 de maio de 2021

Resenha #184 - Deixe as estrelas falarem (Lady Sybylla)


"Deixe as estrelas falarem" de Lady Sybylla, conhecida autora de artigos e resenhas de Ficção Científica no blogue Momentum Saga. É a segunda novela da saga da Amaterasu que iniciou em "Deixe as estrelas falarem" (que já lemos e resenhamos no blogue), acompanhamos Rosa Okenedo, capitã do cargueiro Amaterasu que retorna a sua nave após um período de férias, quando recebe um serviço suspeito, carregar um único contêiner, sem perguntas por um bom pagamento. Como é de se imaginar, algo de errado não está certo e o conteúdo transportado é o motivo.

Primeiramente, o livro é bem escrito e apesar de curto, o romance usa muitas páginas para introduzir os personagens. Demora um pouco para que as coisas comecem a acontecer, por conta desses momentos introdutórios. Ao fim da leitura, fica uma sensação de fim de episódio de série, pela abertura de sub-arcos de personagens aos quais são bem introduzidos e pouco desenvolvidos. A obra não se apresenta abertamente episódica (como na série Perry Rhodan), apesar de ter uma sequência (Por Uma Vida Menos Ordinária), porque se fosse assim seria bem melhor de assimilar uma introdução tão grande. Sendo assim, aguardo novos episódios!
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segunda-feira, 17 de maio de 2021

Resenha #183 - Até que a brisa da manhã necrose teu sistema (Ricardo Celestino)


"Até que a brisa da manhã necrose teu sistema" é um lançamento independente, via Clube dos Autores, e também romance de estreia de Ricardo Celestino. É um romance que classifico como cyberpunk, apesar das várias particularidades, que misturam elementos trash, numa prosa disposta em formas bastante diferentes, com bastante experimentação, sem deixar escapar a relevância da tecnologia, como numa boa FC. Certamente uma das melhores contribuições recentes da Ficção Científica Brasileira (sim, com iniciais maiúsculas).

Acompanhamos a história de Mário, ou M4594, em sua jornada por uma vida melhor na Orbe Norte em uma São Paulo cyberpunk que leva a sério o punk. Nessa São Paulo, os que não conseguem lugar nessa sociedade são realocados no Complexo Comunitário Reabertura, onde a vida é mais difícil ainda. Mário é apenas um veículo narrativo, um sujeito como qualquer outro, para uma viagem bastante profunda nesse mundo. É apenas mais um habitante que tem a vida registrada e controlada pelo PÁTRIA AMADA, programa responsável por separar os mais aptos a viver na Orbe Norte.

Mário vive a típica história cyberpunk. Um cara fodido que recebe uma proposta boa demais para não ser um mal negócio, e de fato é. O elemento trash, como nos filmes de terror dos anos 1970/80, dá o clima que vemos na ilustração da capa e no clima bizarro onde a principal fonte de proteína é carne humana, e os habitantes do Reabertura podem ser vítimas de carniceiros ilegais. Ricardo conseguiu imaginar tempos piores que a nossa realidade. Algo que o absurdo do trash foi muito eficiente, nos imergindo nessa estranheza e horror, para depois vermos como não é tão diferente do que é e do que pode ser. Um efeito que os ficcionistas tem suado a camiseta para imaginar recentemente. 

A forma é um atrativo a parte. Frases curtas desalinhadas como numa poesia modernista mas que não deixam de ser prosa. São as partes ágeis da leitura. Exigem uma cadência de leitura própria. Esses momentos são alternados com textos em itálico, onde as vezes são inseridos os diálogos de forma indireta. Eu apreciei bastante a novidade, depende do leitor estar aberto ou não a algo novo.

A capa é convidativa a algo mais despojado de reflexão, como eram os filmes o terror trash oitentista, mas o texto é complexo, passa longe de ser leitura de praia, mas isso acontece pela profundidade que o texto de fato tem e não pelo gosto de se prolixo. Isso torna um texto que exige do leitor mas o recompensa quando ele se dispõe a mergulhar na obra. A obra exige gosto pela tecnologia de informação, pelo cyberpunk e um pouco de estômago forte sempre ajuda, porém como disse, é uma obra que recompensa o leitor que decidir imergir nela. Recomendo muito!
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segunda-feira, 10 de maio de 2021

Resenha #182 - Missão Infínity / Mais um dia glorioso em Tau Ceti / Kamikase (Lady Sybylla)




Hoje vamos falar de três contos de Lady Sybylla, que são fáceis de encontrar na Amazon. Eu mesmo li esses pelo Kindle Unlimited, sistema de empréstimo de obras de parte do catálogo. Os contos são: "Missão Infinity", "Mais um dia Glorioso Tau Ceti!" e "Kamikase" são boas amostras do talento da autora e pode servir de estímulo para pegar um dos seus romances.

"Mais um dia Glorioso Tau Ceti!" conta da jovem Idara que vive numa colônia tentando sobreviver ao abandono em todas as esferas possíveis. É obrigada a suportar a rádio que liga automaticamente todo dia. Algo que representa bem o abandono da colônia. Contudo, não é um dia comum, tampouco glorioso, pois um ataque terrorista coloca Idara no fogo cruzado. O conto consegue se focar na história da protagonista e tornar a ambientação relevante e significativa com a linha principal da história. Conto é bem escrito e executado. Tão bom que me fez buscar outra obra da autora.

Já em "Missão Infinity", é um conto mais extenso que aborda a primeira missão tripulada a Marte. A escrita aqui é mais concisa, focada no enredo que gira entorno dos mistérios que a tripulação da Infinity encontra em solo marciano, e se mostra o suficiente para prender o leitor, reservando surpresas e uma virada muito boa no final da história.

Por fim "Kamikase" imagina em três atos, debate nossa existência e relevância no universo. Temos três atos, no primeiro, uma bióloga fala defende que o ser humano, não pode mais se preocupar em não contaminar o universo com sua matéria biológica e que deveria se espalhar pelo cosmo, colonizando planetas. No segundo ato, temos uma consequência desesperada da ideia defendida no primeiro ato e no terceiro, um certo fatalismo misturado com um pouco de esperança. Vale muito a leitura!

p.s. Tem um vídeo no Diário de Anarres, em que falo dos mesmos contos. Entra lá para conferir!



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segunda-feira, 3 de maio de 2021

Resenha #181 - Back in the USSR (Fábio Fernandes)


"Back in the USSR" do Fábio Fernandes é um ponto fora da curva na Ficção Científica e, principalmente, no subgênero de História Alternativa onde se destaca o humor aliado a metalinguagem sobre a imortalidade. O mundo alternativo que o autor construiu parte do fato que o Método de Ressurreição de Frankenstein® foi refinado, patenteado pela empresa Ewigkeit e usado em larga escala, principalmente por reis, artistas pop e magnatas perpetuam desde que ressuscitados nas primeiras horas após a morte. As mudanças políticas são no mínimo curiosas: Os EUA nunca se tornaram uma potência pois sequer chegaram a se formar enquanto a União Soviética foi desmantelada com a volta dos Romanov ao poder travando uma Guerra Fria com a República de Weimar, após a vitória da Alemanha na Grande Guerra (a 2GM não foi necessária).

Nem tudo mudou: ainda tivemos os Beatles, ao menos, até o fim dos anos 1970 e John Lennon. Ok, ele é assassinado por Mark Chapman em frente ao hotel Dakota e é ai que começa a trama. Lennon é ressuscitado contra sua vontade (ele havia deixado uma ordem de não ressuscitar) e "convidado" a fazer um show na Rússia. Passamos a acompanhar Lennon em um jogo de poder e influência entre as potências e a quase onipresente Ewigkeit (Eternidade, na língua de Marx). A trama alterna entre a segunda vida de Lennon (com alguns flashbacks) e momentos que mostram como esse mundo foi ficar assim tanto geopoliticamente quando mostra como alguns pensadores e literatos pensam sobre o Método®. Tudo isso condizido com agilidade pela escrita fluida do autor (li as quase 220 páginas em dois dias), que consegue deixar as falas naturais e deixar interessantes até as suas partes mais descritivas.

"Back in the USSR" é, como toda obra com elementos metalinguísticos, um refresco necessário para quem lê bastante porque é fácil se acostumar a convenções (e a FC tem muitas) e é preciso sempre relembrar da necessidade de pensar fora da caixa e imaginar fora dela também.

p.s. tem vídeo no Diário de Anarres sobre esse livro!


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