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segunda-feira, 27 de janeiro de 2025

Resenha #363 Voltas ao redor do sol 2024 (Rubens Ângelo org.)

 


"Voltas ao redor do Sol - 2024" é a segunda antologia organizada por Rubens Ângelo para o Clube de Leitores de Ficção Científica, sendo a anterior "Voltas ao redor do Sol", que por sua vez é uma homenagem a "10 voltas ao redor do Sol" que foi a primeira antologia organizada pelo CLFC, para comemorar os 10 anos da entidade. Felizmente Rubens não esperou chegar aos 40 anos para colocar em prática a retomada do projeto de lançar antologias para comemorar e agitar as coisas no CLFC.  Esta edição de 2024, comemora os 38 anos da entidade mais tradicional da nossa amada Ficção Científica e tive a satisfação de participar com um conto, que é uma história alternativa da Guerra dos Farrapos, mas antes disso pretendo falar um pouco sobre cada conto em separado.

Eutanásia (David Machado) se passa em um julgamento num tribunal onde a figura do réu, vítima e defensor se confundem enquanto lida com ataques de um promotor impetuoso. O autor demonstrou habilidade ao ordenar as revelações enquanto entendemos o caso e nos brinda com um ótimo desfecho. Conto criativo, com um tropo clássico da ficção científica numa roupagem "tribunal".

Neutrino (Ricardo Labuto Gondim) fez algo muito difícil: me agradar com histórias de viagem no tempo. Conta sobre um homônimo que entra em parafuso ao descobrir homônimos atuando na história da música clássica ao longo do tempo. O final é uma sacada genial.

O Aparelho (Walter Cardoso) em pouco espaço traçou um quadro poderoso de uma sociedade em colapso. Acompanhamos, um sujeito que se apresenta pela sua tipagem, é um gama, que nota sua rotina desmontar-se em sua frente mas buscando auxílio no Aparelho, que promete fornecer todas as respostas, tornando nosso protagonista incapaz de ver o mundo ruir ao seu redor. O conto termina abruptamente, como uma última pincelada neste quadro de horror na vida do sujeito.   

Placebo Quântico (Ludmila Hashimoto) conto que começa como um casal de namorados em um impasse sobre o destino de um animal de estimação, que ganha ares de loucura que escalonam em níveis cada vez mais lisérgicos. Gosto da coisa philipkdickiana que joga explicações científicas que explicam um fenômeno mas deixam os personagens cada vez mais longe de compreender o que acontece, exceto Baleia. Essa parece que entendeu tudo. Achei sensacional a tensão crescente nos diálogos. Alias o humor tragicômico é um tempero da autora que deixa o conto melhor do que parece. 

Tenório perde Sua Alma (Davenir Viganon) foi minha participação nesta antologia. O título faz uma referência ao clássico de Tabajara Ruas Neto perde sua alma, onde o general se fere na Guerra do Paraguai e relembra seu tempo de farrapo, assombrado pelos seus soldados subordinados Caldeira e Milonga. Minha história também é de arrependimento, onde temos Tenório, um Lanceiro Negro que conta em uma carta para seus filhos o motivo de tê-los abandonado. É uma história alternativa do Massacre de Porongos, onde os massacrados não foram os Lanceiros Negros. O conto é parte de um projeto maior, que também engloba outros contos.

Pupilas Douradas (Luíz Bras) é um conto que já havia lido em seu Symetrias Dyssonantes, onde comentei que "é um diálogo/entrevista com o desenvolvedor de um app que coloca uma IA para nos simular e poupar-nos de certas interações sociais que tanto evitamos. Como é de se esperar nem tudo vai como programado, até porque o programa passa a se controlar. É a primeira dose de ironia dessa vida conectada."

Últimas Travessias (José S. Fernandes) conto com uma histórias simples de conflitos de geração agravados pela tecnologia. No caso, temos o jovem Irtio que vive em Lunacar, um planeta que a humanidade colonizou, que deseja conhecer a Terra e outros planetas, mas seu pai se mantem ferrenhamente contra. Temos um conto dramático narrado com muita sensibilidade.

Boneca Denden, feliz quem a tem (Tibor Moricz) publicado anteriormente na sua coletânea Filamentos iridescentes, temos um conto característico do estilo do Tibor. Pós-apocalíptico, provocativo em relação a religião e sem freio quando choca o leitor. Gosto muito do estilo que tem muita força no seu livro Fome (resenhado no blogue) e aqui, esses temas são tratados com mais melancolia pela personagem principal ser uma boneca que vive com vários outros brinquedos tecnológicos, abandonados após uma provável extinção da humanidade. Esses brinquedos passam por um ritual que promete levá-los a uma terra prometida onde poderiam ser de carne e osso. O desenvolvimento do conto é de uma tensão crescente e o desfecho sensacional.

Eu sou eu (Juliana Vicente) conto curto, que conta a evolução de uma entidade narrada pela perspectiva dela, e a graça é tentar identificá-la enquanto mergulhamos no seu modo de ver o mundo. Lindo conto.

Sonhos, Discursos & Cronotransições (Gerson Lodi-Ribeiro) conto cheio de metalinguagem sobre um autor que tem sua mente levada para o futuro, enquanto recebe o Premio Argos de 2027, e é incumbido de uma missão para salvar a humanidade. O conto busca o caminho mais fofo, ao invés de uma ação sisuda e acredito que a escolha foi bem acertada. Conto leve e gostoso de ler, como um filme da Sessão da Tarde, no bom sentido.

C'mon Teletubby, teleport us to Mars! (Gabriel Carneiro) com uma escrita muito fluida, mesmo com parágrafos enormes, o autor consegue contar uma história engraçada de uma moça que só queria viajar o mundo sem gastar um rim e resolve construir uma máquina de teleporte. Brincando com os tropos da ficção científica e não contra eles, o autor trouxe uma peça de humor que refresca a nossa ficção científica.

A morte de César (João Ventura) em pouquíssimas palavras o autor contou uma história engraçada e com uma discussão historiográfica bem válida.

O Nevoeiro (Ursulla Mackenzie) Adoro histórias epistolares, ou seja, que são compostas de uma carta ou narrativa escrita de um personagem. No caso, um navio que cruzou por águas proibidas

Os dois livros (Marcelo Bighetti) conto divertido que brinca com as teorias da conspiração envolvendo grandes inventores do século passado, Alberto Santos Dumont e Nikola Tesla, que alegam que foram mortos por causa das consequências de duas invenções. Como aventura o conto desempenha seu papel em divertir.

Mycelisis (G. G. Diniz) conto curto mas que consegue elevar a tensão enquanto descobrimos o que está acontecendo. Difícil falar mais sem, talvez, estragar a experiência.

p.s. deixei a resenha de número 365 justamente para um livro que se chama Voltas ao redor do sol. :D
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segunda-feira, 4 de março de 2024

Resenha #325 As Artes Mágicas do Ignoto (G. G. Diniz e Dante Luiz)

As Artes Mágicas do Ignoto foi uma daquelas campanhas no Catarse que eu queria ter participado mas acabou ficando fora do orçamento. Felizmente a editora Corvus colocou em sua lojinha virtual e entrou para a minha lista de leituras. Adorei a proposta de homenagear a Rainha do Ignoto de Emília de Freitas. Achei que seria um resgate direto, alguma espécie de continuação moderna da história original, mas na verdade trata-se mais de uma versão brasileira de uma escola de magia, que já existe por ai. Confesso que fiquei em dúvidas se seria bom ou não. Felizmente minhas dúvidas foram dirimidas e a leitura me empolgou mais que esperava.

Todos os contos se passam no mesmo universo, no mesmo lugar. O Instituto Ignoto, que fica instalado em uma ilha mágica embarcada no casco de uma tartaruga gigante que perambula pela costa norte e nordeste do Brasil. Temos a presença de alguns personagens que aparecem em todos os contos, quase sempre como coadjuvantes. O diretor Balthazar e a bibliotecária Fabiana, além do Arnaldo, o vira-lata caramelo que perambula pela escola e, como toda boa escola, tem seu cãozinho mascote involuntário. Há também pequenos inserções de personagens que me arrancam sorrisos de canto de boca quando percebidos. Contudo, isso é apenas um tempero para o que realmente importa. Há uma criação de mundo permeando histórias sensíveis, divertidas e tocantes num ambiente escolar e mágico. Vale citar a representatividade em todos os protagonistas das histórias. Acredito que esta é o maior legado da obra de Emília Freitas, pois em seu tempo a escritora pôs sua pena a defender a causa das mulheres, da abolição e do espiritismo (muito contestador na época, não o lamentável antro de conservadorismo barato de hoje) e vislumbrou um lugar onde a magia para o bem fluía livremente e podem ter certeza que o Instituto Ignoto é exatamente isso. 

A antologia abre com 2+2 da co-organizadora G. G. Diniz, onde uma física talentosa tenta provar uma tese mas não leva em consideração o que estava na sua cara o tempo todo. Em Anexo de Delson Neto conta sobre Jussara, uma RH do Instituto, que leva seu trabalho a sério demais até que seu próximo entrevistado para uma vaga em aberto para professor de Artes que leva a vida de forma tão bagunçada quanto o longo dia que a aguarda. Conto muito divertido, muito diferente da pegada de seu livro cybeprunk. Entre Terra e Mar, (Larissa Usuki) conta sobre suas meninas, uma sereia e uma aprendiz de magia, que passam a se gostar tanto quando gostariam de levar a vida uma da outra. Segredos da Noite (Sol Chioro) começa com um encontro noturno ao acaso com um espírito e sua irmã com uma ex-aluna e se desenrola num mistério que só eles e uns latidos podem resolver. Filho de Ossaim (Camila Cerdeira) explora os adeptos de religiões afro-brasileiras dentro da escola que lutam invocando espíritos e orixás contra uma desconhecida hora de seres medonhos enquanto um amor tenta florescer. Destinos Trançados (Lavínia Rocha) é uma das histórias mais fofas do livro. Uma típica paixonite leva uma menina a colocar seu grande amor numa enrascada. A narração é feita cheia de interferências divertidas que combinam muito com o texto. Uma pena não haver mais variações narrativas no livro. Justiça (L. V. Matos) fala sobre o bullying quando uma menina que sofre abuso de outra maior ganha uma poção que permite controlar a vontade de sua valentona. Fora d'Agua de Waldson Souza trouxe a história de um rapaz pertencente a uma raça de seres aquáticos que nunca soube de sua mãe até que recebe a notícia de sua morte e tem que tomar decisões muito importantes para sua idade. Uma das histórias melhor escritas do livro, pois o autor tem um domínio e habilidade na condução dos dilemas complicados, tornando-os atrativos na leitura. Desenlaços (Nair Nascimento) conta a história de uma meia caipora que regressa ao Instituto Ignoto, mesmo sem boas lembranças do lugar, e carregando seu dom de conversar com espíritos. Achei bastante maduro e com uma história muito intrigante. Encerrando a antologia, Os Princípios da Confiança (Dante Luiz) tem o diretor Balthazar como protagonista com uma história sobre mestres e aprendizes, que aprofundou o personagem com apenas uma decisão que lhe cabia tomar. Gostei tanto do personagem e do seu tratamento na história, que acho merecedor de um livro só para narrar sua vida no Instituto.


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segunda-feira, 6 de dezembro de 2021

Resenha #212 - Sertãopunk - Histórias de um Nordeste do Amanhã (Alan de Sá, G. G. Diniz, Alec Silva)


"Sertãopunk: Histórias de um nordeste do amanhã" é uma antologia de textos e contos que buscam estabelecer um novo subgênero de ficção científica que reflita o nordeste brasileiro. Os autores começam a antologia com quatro textos curtos que estabelecem com bastante riqueza de detalhes, com muita propriedade e boa argumentação, sobre é o sertãopunk e como se relacionam com o próprio nordeste, com o afrofuturismo e a religiosidade no Brasil. Na sequência, temos dois contos, "Os olhos dos cajueiros" e "Schizophrenia" que servem para ilustrar o que os textos evocam. Tudo isso em um livro de apenas 50 páginas.

O conteúdo do livro me agradou bastante e você termina a leitura dos primeiros textos sabendo de fato do que se trata, porém senti falta de um texto com um apelo mais artístico e emocionado, pois no fim das contas estamos falando de arte. Gostei quando o autor teceu uma crítica ao "Cyberagreste, pois é no contraponto ao que vem sendo feito e não satisfaz, que sentimos a força do propósito de movimento. Outro elemento artístico que senti falta foi uma maior quantidade de contos, pois como disse, tudo isso é sobre arte no fim das contas e apesar de ter gostado dos contos, achei apenas dois contos muito pouco.

O primeiro conto, é uma investigação policial que me agradou bastante pela construção do mundo e pela virada no andamento da investigação. Neste caso, o final em aberto funcionou bem. AO menos é melhor que uma resolução ruim. O segundo conto, "Schizophrenia" é cheio de imagens interessantes mas alguns elementos de construção de mundo ficaram sobrando, apesar de interessantes. Porém o gostinho de "no fim tudo era sonho", apesar de não ser exatamente isso, amargou o conto no final.

No fim das contas, acho o saldo do livro positivo, mas a sensação de que a coisa toda ficou mais na teoria que na prática. Quero ver muito mais histórias ambientadas nesse subgênero!
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