segunda-feira, 29 de março de 2021

Resenha #176 - Tempos de Fúria (Carlos Orsi)


"Tempos de Fúria" é uma coletânea de contos de um dos melhores contistas em atividade na Ficção Científica e nesse livro temos o autor em sua melhor forma. Os contos tem em comum o uso da violência sem restrições, a tendencia de misturar FC com o terror e a engenhosidade e criatividade nas histórias que tanto nos fazem amar este gênero. Resenhei a segunda edição que vem com mais contos e a seguir vou comentar os contos em separado.

"Imagem e Semelhança" acompanha um sujeito perturbado por usa obsessão em alcançar a Deus, não poupando ninguém, nem o investigador que é aprisionado e passa grande parte da narrativa ouvindo toda a jornada do protagonista. É como um vilão contando seu plano maléfico que acompanhamos a história e o autor consegue prender o leitor instigando a curiosidade sobre o desfecho. 

"Estes 15 minutos" um papo de bar no pé de uma favela carioca entre um membro do Comando Vermelho e um malandro viajado desencadeia uma onda de assaltos usando a distorção da realidade como subterfúgio. O autor consegue aliar o cenário e personagens bem brasileiros com quebras da realidades no estilo de Philip K. Dick e o final guarda boas surpresas. 

"Questão de Sobrevivência" é um cyberpunk como deve ser escrito para o cenário brasileiro. Pinta a divisão favela e asfalto, interesses políticos e personagens marginalizados, trabalhos perigosos bem ambientado no Brasil. Na historia acompanhamos um grupo de milicianos interceptando uma carga de leite materno que se torna vital para as crianças da comunidade pois as mulheres do "Campo Fidel" estão contaminadas pela radioatividade. Conto publicado também no Livro Assembléia Estelar resenhado aqui.  

"Pressão Fatal" se passa numa estação de pesquisa na órbita de Vênus onde o detetive Henri Bernardin investiga a morte de um membro da tripulação. A narrativa segue um tom e estrutura detetivesca tendo Bernardin um Sherlock Holmes, excêntrico, sagaz e sempre com uma resposta lógica quando contrariado. 

"Planeta dos Mortos" conta a história de um soldado em sua primeira missão de campo em Vênus, com o objetivo de investigar uma estação de pesquisa durante o processo de terraformação do planeta. 

"Desígnios da Noite" acompanha Marco, um gladiador moderno que busca vingança pela morte de sua ex-esposa com muito sangue e um mistério envolvendo uma seita astrológica.

"A Aventura da Criança Perdida" é um thriller de espionagem que faz vários personagens girarem em torno do desaparecimento de uma criança. O conto é curto, o que não favorece a construção dos personagens mas puramente do enredo e da ironia que marca o destino de alguns personagens. 

"Colosso de Bering" brinca com universos alternativos quando um escritor em crise criativa encontra um amigo que havia falecido há dois meses e conta tudo que viu. O final tem uma sutileza sutil que com uma palavra muda tudo.
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segunda-feira, 22 de março de 2021

Resenha #175 - Gigante Pela Própria Natureza (Nelson de Oliveira)


"Gigante Pela Própria Natureza" é um romance de Nelson de Oliveira que concorreu ao prêmio Kindle em 2020. A obra apresenta várias subversões surrealistas na linguagem literária, das descrições mais corriqueiras até a estrutura da história. A história começa com um homem que se envolve com uma mulher negra-índia-amarela-branca e torna-se mulher para ter um filho com ela. A criança é imensamente poderosa e sábia e logo se se perde dos pais que o buscam numa jornada insólita onde encontram vários personagens da nossa cultura. O livro é cheio de referências e é fácil ficar confuso (no bom e no mal sentido) em meio a elas, pois elas vem acompanhadas de várias quebras de perspectivas, abusando da ideia de que o romance sabe que é um romance, ironizando a adoção de clichês, elevando o nível de absurdismo para níveis que tornam o livro muito divertido, ou dependendo do leitor que não se interesse por algo tão subversivo e fora do convencional, muito confuso. Eu tive a experiência do tipo divertida e quem tiver Kindle Unlimited aproveite e se jogue nessa leitura!
   
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segunda-feira, 15 de março de 2021

Resenha #174 - Atemporal (Cláudia Roberta Angst. Org.)


"Atemporal" é uma antologia de contos da editora Caligo, que lança livros fora da esfera viciosa dos vanity press pois há a preocupação com o que coloca nas páginas além de vender papel. Desta vez temos uma antologia sobre viagem no tempo. Não necessariamente focado na Ficção Científica mas com contos que usam o artifício para explorar áreas mais voltadas as humanidades que as ciências como a física.

"Amélia" (Ana Maria Monteiro) segue a pequena Amélia, de férias onde passa a encontrar uma mulher do futuro com a qual desenvolve uma amizade com sua versão do futuro. Uma singela e bonita homeagem a Amelia Earhart, a primeira mulher a tentar uma volta no globo pelo ar e que desapareceu nessa tentativa no Oceano Pacífico.

"À Roda no Meu Quarto" (José Angelo Rodrigues) parte para o surrealismo onde os tempos se sobrepõe onde um escritor prefaciando Xavier da Maistre e o próprio num mesmo quarto, nos traz uma visão diferente do tempo. Infelizmente não conheço a obra de Maistre e temo que algum significado mais profundo tenha me escapado, porém o conto já vale pela viagem surrealista. 

"A Última Viagem de um Homem Sem Fé" (Jorge Santos) traz um viajante do futuro que retorna aos tempos bíblicos para encontrar sua amada numa desesperada tentativa de encontrá-la. Sua jornada tem momentos bem construídos ainda que tenha um final, em parte óbvio.

"Buraco de Minhoca" (Paula Giannini) usa o mundo infantil para adocicar uma história de perda familiar onde uma menina encontra sua versão adulta e tentam se entender para ajudar sua mãe a curar de sua doença. O conto nos põe a dúvida de que tudo possa ser fruto da imaginação da menina e a interação entre as duas é alegre sem deixar de trazer a profundidade do drama que a menina está passando. A habilidade em entrelaçar essas duas camadas já vimos no seu livro que resenhamos no blogue.

"Gênio" (Marco Saraiva) conta a história de um cientista maluco, o profº Lúcio Veras, que é encontrado morto na universidade onde trabalha e de seu amigo, Sérgio, um dos poucos que conseguia lidar com sua personalidade difícil. Então, Sérgio descobre que o profº Veras, não era apenas maluco, mas que também esteve certo sobre sua pesquisa.

“O paradoxo do avô” (Victor O. de Faria) mostra um avô preso em uma repetição trágica: ter de salvar sua neta de ser atropelada e parar no hospital apenas para ser levado de volta e tudo se repetir. Diferente das histórias deste tipo onde o protagonista precisa reviver o momento da morte de alguém querido e só conseguir escapar da repetição quando obtém sucesso, o avô deste conto precisa deixar sua neta morrer para parar este ciclo. Esse diferencial já vale o conto.

“Pandorga” (Eduardo Selga) relata a viagem no tempo acidental de uma caravela portuguesa, numa narrativa cheia de lirismo e significados sobre o Brasil.

“Prisioneiro do tempo” (Antonio Stegues Batista) vai para o outro lado, o da ação frenética de dois homens disputando o amor de uma mulher voltando no tempo e arriscando tudo.

“Quinze minutos” (Ricardo Labuto Gondim) faz sua reflexão sobre a viagem no tempo através do escopo da loucura e da paranoia de um escritor que largou tudo e não consegue se estabelecer na carreira, sem saber o quanto do seu sofrimento é causado pela frustração ou realmente algo fantástico está acontecendo.

“Tempo negado” (Claudia Roberta Angst) acompanha uma mulher madura que se apaixona por seu aluno, para quem dá aulas particulares, e não sabe o quanto disso é real ou imaginação causada por um amor mal resolvido de seu passado. O clima romântico é bem balanceado com o mistério encarnado pelo jovem aluno.


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segunda-feira, 8 de março de 2021

Resenha #173 - Eu Estou Vivo e Vocês Estão Mortos (Emmanuel Carrere)


"Eu Estou Vivo e Vocês Estão Mortos: A Vida de Philip K. Dick" do biógrafo Emmanuel Carrére conta sobre a vida do meu autor favorito e faz de forma muito criativa, incorporando elementos de romance e análise enquanto relata momentos importantes da vida do autor que ficou conhecido pelos seus romances e pela sua relação com as drogas.

O que chama a atenção logo nos primeiros capítulos é o estilo que introduz partes narradas como se fosse um romance. Alguns diálogos e pensamentos de Philip K. Dick como se fosse um personagem de ficção. A ideia de mesclar sua vida com a ficção na forma da narrativa tem muita relação com a própria forma que PKD tinha de se relacionar com as ideias que expressava em seus livros sobre a realidade - ou a ausência dela. Vemos esse caminho se aprofundando nesse livro a medida que acompanhamos a história de Dick enquanto escreve os seus livros e a forma como Carrére os usa como fontes para entender sua vida. É ai que podemos encontrar ao mesmo tempo o grande diferencial da obra com seu maior defeito.

As principais obras são esmiuçadas para que o autor acrescente suas reflexões a entender PKD, o que consegue mostrar o quão ele era profundo, paranoico e perturbado como consegue literalmente estragar a leitura de qualquer obra mencionada durante o livro. As obras mais relevantes tem seus enredos contados (até aqui, tudo bem) até o fim do livro e analisadas exaustivamente, de forma sensacional, se você já leu a obra. Contudo, o livro exige que você tenha lido muitas obras para não tomar spoilers violentíssimos e mesmo se você já leu muitas obras do autor como eu, fui obrigado a desviar de páginas inteiras para chegar ao fim sem saber o final de livros que ainda estão na minha estante. Tudo isso sem um aviso. Ok! Sei que é difícil contar a história da vida de um autor como PKD, que teve sua vida tão intrinsecamente ligada a suas obras, seria muito malabarismo desviar de todos os spoilers e no fim das contas é melhor já ter uma boa bagagem de leitura de suas obras para começar essa aqui, mas um aviso (que só as resenhas podem fazer) se faz necessário. Sendo assim para ajudar os que tem dúvidas se/quando devem ler esta biografia vou deixar uma lista de livros que são analisados profundamente nessa obra para que o leitor se prepare ou ignore consciente do que vai ser spoilado (vou colocar no final do texto).

Já você que leu boa parte das obras, pode esperar que uma biografia de um escritor comum não pode ser mais instigante que suas obras, contudo Dick escrevia muito sobre sua visão de mundo e depois, em seus últimos anos, literalmente uma exegese buscando uma cosmogonia, que encontramos resumida em VALIS. Carrére esmiúça bem o pensamento de Dick, obviamente não decupa a sua exegese (exigiria um ou mais livros só para isso), mas traça os caminhos mentais que o levaram a acreditar em parte das ideias que trabalhou nas suas principais obras. Tal profundidade pode fazer parecer que estamos lendo uma sequência de ensaios sobre as obras, o que torna esta biografia uma leitura atraente para fãs de Dick e um potencial estraga prazeres para quem não leu tantos livros assim. Pessoalmente, procurei ler todos os livros de PKD que pude antes de começar esse e valeu muito a pena!

Segue a lista de livros mencionados que tem seus finais revelados em "Eu Estou Vivo e Vocês Estão Mortos: A Vida de Philip K. Dick" 

Olhos no Céu / Eye in the Sky
Tempo Desconjuntado / Time out Joint
O Homem do Castelo Alto / The Man in the High Castle
Os Clãs da Lua Alfa / Clans of Alphane Moon
Tempo em Marte / Martian Time-Sleep
Os Três Estigmas de Palmer Eldritch / The Three Stigmata of Palmer Eldritch
Andróides Sonham Com Carneiros Elétricos? / Do Androids Dream of Electric Sheep?
Ubik / Ubik
O Labirinto da Morte / The Maze of Death
Reflexo na Escuridão (Homem Duplo) / A Scanner Darkly
VALIS / VALIS

Contos
Jogos de Guerra / War Games
A Fé de Nossos Pais / Faith of Our Fathers







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segunda-feira, 1 de março de 2021

Resenha #172 - Salvem as Crianças (Luiz Brás)


"Salvem as Crianças" é um conto de Luiz Brás disponível na Amazon no formato e-book. O conto é uma distopia que parte da premissa de uma Ditadura de extrema-direita através de uma Universidade governada por um Reitor Ditador. O conto tem o mesmo ritmo narrativo de Anacrônicos: ágil, eletrizante, seguindo algumas linhas que se convergem e interagem até a conclusão e sem gastar uma palavra fora do que interessa. Essa última, uma característica na qual costuma-se definir um conto como tal. O tom irônico da construção do mundo é afiado com o atual contexto político e mostra como o autor foi sagaz em escrevê-lo em 2017. O momento ideal para ler esse conto é o quanto antes.
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