terça-feira, 17 de dezembro de 2019

Resenha #115 - VALIS (Philip K. Dick)


"VALIS" (1981) é uma das obras mais importantes de Philip K. Dick. Nela o autor trás as principais ideias teológicas. Aqui Dick é bastante indiscreto com relação a sua relação com suas experiências pessoas, tornando a obra praticamente um relato biográfico de uma revelação divina, ou epifania. Esta experiência marcou sua obra e sua vida até sua morte em 1983.

A história fala de Horselover Fat, um homem atormentado pela morte recente de sua amiga Glória, por suicídio. Fat se vê em uma espiral de culpa que o faz tentar suicídio e o subsequente fim do seu casamento, ao mesmo tempo que tem uma experiência mística. Uma luz rosa que o faz ter consciência de tempos e línguas antigas e uma revelação que acaba salvando a vida de seu filho. 

A obra narra, na visão do próprio autor, a investigação de Fat sobre a luz. A primeira metade do livro traz a parte mais conceitual da investigação de Fat, onde ele desenvolve conceitos teológicos através de uma exegese. Dick não apenas joga os conceitos mas os explica e narra seu desenvolvimento. É uma parte bastante densa, dando ares de tratado filosófico (o que não deixa de ser um romance disfarçado disso) como do ponto de vista dramático mesmo, pelo tempo que Fat passa internado. A segunda metade da história é mais investigativa onde Fat e seus amigos (com quem travam debates que alavancam os conceitos) encontram uma pista em um filme recém lançado, chamado VALIS. Está parte que dura até o fim do livro, temos os momentos surpreendentes que costumamos encontrar em sua obras mas sem a preocupação de entregar uma surpresa. Parece óbvio que aqui Dick estava interessado em expor suas ideias sem se garrar formalmente a forma do romance, ainda que sem abandoná-la de fato.

VALIS não é uma obra que recomendo para leitores iniciantes. Não que estes sejam incapazes de entendê-la ou porque ela não fosse autossuficiente. VALIS traz de forma  amadurecida e lapidada tudo que vimos ao longo de toda a obra de Dick. A questão do gêmeo perdido de "Fluam, Minhas Lágrimas, disse o policial", a teologia básica de "O Deus da Fúria", a percepção de realidade de "Ubik" (e também em praticamente toda sua obra), o uso do I Ching de "O Homem do Castelo Alto", entre outras. De forma que VALIS (e sua chamada trilogia - "Invasão Divina" e "A transmigração de Timothy Archer") se tornam melhor compreensíveis e com os demais conceitos já assimilados em tantas obras excelentes do autor.




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terça-feira, 10 de dezembro de 2019

Resenha #114 - Pequenas Mortes Cotidianas (Paula Gianini)


"Pequenas Mortes Cotidianas" (2017) de Paula Gianini é um daqueles pequenos achados literários dos quais não podemos desperdiçar. Já tinha contato prévio com os contos da autora o que me deu segurança para começar a ler. Paula entrega um livro de contos bem curtos, sem perder a profundidade e com uma coerência de uma coleção de contos deviam sempre ter. 

O tema morte(vida) estão presentes em toda a obra. A morte aparece na forma de perdas e lutos, que invariavelmente nos modificam. A autora usa as mais variadas formas de nos trazer isso: Pontos de vista inusitados, como animais ou uma doente em coma, outras vezes momentos de desespero em linhas de pensamento fluídas, memórias em momentos limite.

Alguns contos já foram publicados na plataforma EntreContos e deixei os links nos títulos, enquanto comento os contos individualmente. Só lembrando que as versões linkadas, ainda não tinham sido revisadas para o livro. Demais contos da autora na plataforma estão aqui, para vocês apreciarem. Então vamos aos comentários individuais dos contos:

"Mariposa" conta as reflexões da breve vida uma idosa que desperta de um coma de muitos anos mas que não consegue se comunicar. Conto se destaca pela perspectiva da protagonista e o conceito do título bem atrelado ao conto. "Com a ponta dos dedos" narra as primeiras sensações de uma menina interagindo com o mundo. Outro conto que soube explorar bem o ponto de vista. 

"Dejavú" conta sobre uma mulher que repensa suas decisões da juventude quando encontra uma Kombi colorida numa autoestrada. "Passarinhos" é sobre Laura, uma menina com o dom de ressuscitar pequenos animais em uma pequena e cruel cidade distante de tudo. Gosto quando o conto abraça o fantástico de forma despretensiosa. "Quase" inverte o rumo introspectivo do livro, até então, e pinta um retrato bem humorado da baixa auto-estima de uma mulher que não percebeu o tempo passar. 

"Mar de vidro" conta sobre a rotina de uma menina bagunceira sob o ponto de vista de um peixinho de aquário. "Porco no rolete" passeia entre o trágico e o cômico nos traumas de uma vegetariana, agora viúva, que se vê obrigada a prestar pêsames em uma família que presenciou seu evento tragicômico com um porco no rolete. "Bob" conto narra sobre o abandono de um cachorro na visão do próprio. Vejo como a morte se encaixa aqui como a morte da empatia por quem dedicamos amor.

"O espeleólogo", usa o inusitado cenário do Camboja para contar sobre um menino que se espelha no seu avô, detalhando suas lembranças que moldam o seu caráter. "A lagartixa" conta sobre a relação de uma transsexual filha de um político e consigo mesma. "De saltos altos" é uma narrativa insólita de uma mulher que não se vê por completo e depende de outra figura para se completar. "(...)" conta das lembranças fragmentadas de uma mulher que observa o mar e encontra uma garrafa com uma mensagem. A forma narrativa do conto é sensível e brilhante. 

"Ossos Largos" narra uma trajetória de baixa auto-estima com um final tragicômico, que nos relembra que o caminho para melhorar não pode excluir a nós mesmos. "Casal Perfeito" mostra o desmoronamento da hipocrisia de um casamento falido no desespero do marido abandonado. É o único homem protagonista e foi moldado de maneira muito crível. "Inventário" conta sobre acumuladora de objetos que repassa sua vida ao vasculhar sua casa procurando uma caixa com maçanetas. O título condensa bem a ideia se reavaliar, e pensar no que não fez durante a vida.

É necessário advertir ao nosso leitor de Ficção Científica, que é uma obra fora do tema do tema do blogue, contudo o livro é uma boa forma de intercalar entre nossas leituras. Vale a pena não apenas pelo flerte com o fantástico, mas pela qualidade desses contos em tão poucas páginas. A recomendação aqui é colocar esse livro na sua lista entre a leitura daquela nova edição de Fundação e de Duna que vale a pena!
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quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

Lançamento do canal Diário de Anarres e primeiro vídeo


Olá pessoal. Hoje é um dia especial, pois o blogue vai finalmente estender-se para outra mídia, mas com outro nome. Estou lançando hoje o canal Diário de Anarres, onde vou fazer em vídeo o que já faço aqui: resenhas de livros. Também pretendo a médio prazo colocar vlogs sobre ficção científica e/ou literatura.

Segue o link para o primeiro vídeo

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terça-feira, 3 de dezembro de 2019

Resenha #113 - As Fontes do Paraíso (Arthur C. Clarke)


"As Fontes do Paraíso" é uma das obras de Arthur C. Clarke em que ele se mostra mais otimista em relação ao futuro em relação a outras de suas obras clássicas, pois é mostrada uma tecnologia muito avançada, em um futuro relativamente próximo.

A história segue o engenheiro Vannefar Morgan em sua obra mais ousada e grandiosa: um elevador orbital, uma forma de ligar a Terra e o espaço de forma rápida, levando mais cargas/passageiros que os custosos foguetes. O primeiro problema para a realização da obra gira entorno da montanha escolhida para a torre base do elevador. Lá fica o templo budista de Kalidassa, um imperador da antiga Taprobana - equivalente a Sri Lanka e a história de sua construção e intrigas palacianas é contada nos primeiros capítulos.

A história é narrada do ponto de vista de Morgan, principalmente, mas também do jovem imperador Kalidasa, de um diplomata da ONU aposentado e de uma jornalista ambiciosa. Os capítulos são curtos mas as descrições técnicas da tecnologia usada no elevador é muito apurada e bastante baseada na realidade e em teorias existentes. Inclusive um posfácio do autor detalha mais tais fontes. O otimismo do autor em imaginar que em tão pouco tempo a humanidade estaria agregada o suficiente para uma obra deste porte ou para a colonização espacial, como vemos em Marte. 

Clarke atribui em parte esse avanço civilizacional a um evento sem precedentes: o contado com uma inteligência alienígena superdesenvolvida, chamado apenas de Sideronauta, que travou um contato breve mas devastador para as religiões no mundo. Menos para os solitários monges que ocupam a montanha ideal para a obra. O livro conta com capítulos curtos que ajudam a amenizar o ritmo lento da obra. Os debates sobre religião tomam conta da primeira metade da obra enquanto na segunda metade a tecnologia do elevador fica mais em evidência, e é onde o livro é mais interessante. Pessoalmente, acho o debate religioso um pouco inocente, mas de forma nenhuma inútil. A obra é recomendada, contudo, os outros clássicos do autor são bem melhores.
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