segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

Resenha #81 - Admirável Mundo Novo (Aldous Huxley)

"Admirável Mundo Novo", (1931) de Aldous Huxley, junto com "1984", de 1949, de George Orwell e "Fahrenheit 451" (1953) de Ray Bradbury formam o trio de distopias clássicas conhecidas também como Ficção Cientifica Social. Seguindo os passos da Utopia de Thomas Morus em usar a ficção para pintar um mundo ideal com alto teor político, com a diferença de que o mundo pintado por Huxley, Orwell e Bradbury são os mais terríveis possíveis, onde além de mostrarem os medos de sua época temos vislumbres do que temos hoje, dando as três obras tons proféticos que não eram necessariamente pretendidos pelos seus autores.

Agora voltando-se para "Admirável Mundo Novo", Huxley nos mostra um mundo 700 anos no futuro onde a dominação se dá desde antes do nascimento dos seres humanos. Todos são produzidos em série e condicionados genética e comportamentalmente a aceitarem suas posições na sociedade e a nunca questionar. Trata-se de uma via de dominação sem  base na violência explicita e vigilância absoluta, como em 1984, ou retirando os meios de pensamento mais complexo, como em Fahrenheit 451, mas impondo uma felicidade artificial induzida pela droga oficial, o Soma.

Na obra, podemos dividi-la em duas partes: na primeira, acompanhamos Bernard Marx, (o nome Marx não está lá de graça) um cidadão desajustado pelo seu físico não ser igual aos de sua classe que resolve procurar fora da civilização respostas para seus anseios e nisso somos apresentados ao mundo distópico da obra. Na segunda parte, conhecemos John um "selvagem" de uma reserva histórica onde ainda resistem as instituições e tradições de nosso tempo como o casamento, família e nascimento natural de bebês. John assume o protagonismo da história com seus questionamentos e todo choque que sua presença causa nesse Admirável mundo novo.

A escrita de Huxley é bastante ágil e nos apresenta o seu mundo com bastante naturalidade, o mundo já impressiona por si. Ainda que a leitura seja truncada na segunda metade da primeira parte,  quando John assume a história o livro melhora muito até o seu desfecho. Considero que Huxley vai mais longe que Orwell, pois ele expõe com mais precisão o lado não-violento sua imaginação distópica da dominação do homem pelo homem. O que pode atrapalhar o leitor nessa jornada são as muitas referências a obra de Shakespere, pois é com suas obras que o Selvagem John se comunica com o mundo. O livro é bem aproveitado mesmo sem essas leituras, mas acredito que algo da experiência se perca sem elas. Ainda assim é um livro essencial para quem aprecia Ficção Científica e/ou aprecia ficção pelo teor político, e confesso que já deveria ter lido a muito tempo mas antes tarde que nunca.
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terça-feira, 11 de dezembro de 2018

Resenha #80 - As Águas-Vivas não sabem de si (Aline Valek)

"As Águas-Vivas não sabem de si" é uma FC de 2016 escrito por Aline Valek. É um pouco diferente das obras de FC publicadas no Brasil pois não tem o apelo ao nicho de leitores. O que é bem vindo, pois apesar de importante existir um nicho de escritores/leitores de Ficção Científica, tampouco é saudável ficar restrito apenas a ele. A obra é competente em trazer densidade na construção dos personagens e na criatividade em muitos momentos na narração.

A protagonista é Corina, uma mergulhadora experiente contratada para testar um novo traje de mergulho em águas profundas. Na estação Auris, ela e a equipe vão explorar sinais de cachalotes e se deparam com mistérios abissais e conflitos internos que vão movimentar a trama.

A ambientação de exploração no fundo do mar não é novidade mas a abordagem faz toda a diferença: a busca pelo desconhecido, me remete a Solaris de Stanislaw Lem, mas o desconhecido se apresenta de forma muito mais sutil que na obra de Lem, pois existem capítulos muito criativos com pontos de vista inusitados e filosóficos que evitam que a Ficção Científica fique sutil demais. Os dramas de Corina e dos demais membros da Auris são bem apresentados mas não tão desenrolados na trama, o que de fato não chega a prejudicar a obra pois evita que o livro se estendesse demais e acertar o prumo nos mistérios, que são o que mais instigam saber. 

A edição como um todo é muito bonita e bem feita. A escrita busca mais sensibilidade e filosofia que a linguagem científica, e as voltas no passado e reflexões podem desagradar quem espera grandes movimentações na história ou o lado aventuresco de uma expedição científica. Para quem estiver disposto a mergulhar em si, como eu me dispus quando fiz a leitura, "As Águas vivas não sabem de si" é uma boa pedida.
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terça-feira, 4 de dezembro de 2018

Resenha #79 - Memórias póstumas de Brás Cubas (Machado de Assis)

Por que resenhar um livro clássico da literatura brasileira em um blog de Ficção Cientifica (e Fantasia)? Basicamente pelo mesmo motivo que resenhei Número Zero de Umberto Eco e A Metamosfose de Franz Kafka: não tenho (nem pretendo ter) outro blog de literatura, então posto neste aqui mesmo. Contudo, Machado de Assis é irresenhável, devido a quantidade de estudos densos a qual suas obras já foram dedicadas, sendo assim  possível apenas recomendá-lo e dar alguma porção de motivos.

É com essa intenção que venho-lhes dividir algumas considerações sobre  "Memórias Póstumas de Brás Cubas". A história tece uma narrativa autobiográfica sobre a vida de Brás Cubas que uma vez morto resolve tecer suas memórias, ou seja, temos um narrador morto. Esse ponto de vista inusitado dá um sabor irônico e filosófico a leitura. Machado busca com isso fugir tanto do Romantismo (pelo excesso de fantasias) quanto do Naturalismo (pela necessidade de explicar tudo cientificamente). Afinal de que importa saber como Brás Cubas trouxe a tona memórias depois de morto? Porque ele trata de assuntos mundanos conhecendo a eternidade e o que há do outro lado da vida?

Tudo isso regado a pessimismo, e um pouco ou talvez muito de biografia do próprio autor que assim como Brás Cubas, não deixou filhos e, até o momento em que escreveu este livro, não havia alcançado fama. Pois antes de encontrar a própria morte, Machado de Assis ainda viveu para ser o primeiro presidente da Acadêmia Brasileira de Letras.

A leitura da obra acaba sendo influenciada negativamente pela obrigatoriedade de sua leitura nas escolas, o que tira muito da potencialidade de captar o humor e ironia de seu pessimismo. Mas como aproximar o leitor escolar dos clássicos é outra conversa. Para aqueles que conseguiram desfrutar dos seus escritos, encontram um excelente livro que, sempre tem lugar na lista de releituras, pelas ironias que passam desapercebidas na primeira leitura. Deixo, além da minha recomendação, a cativante dedicatória do início do livro: 

“Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver dedico como saudosa lembrança estas memórias póstumas.”
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