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segunda-feira, 13 de fevereiro de 2023

Resenha #272 2021 (Edgar Franco Org.)


"2021" organizado por Edgar Franco, o ciberpajé, foi lançado em 2020 durante os primeiros e mais tensos meses da pandemia de COVID-19. A obra é também vencedora do Prêmio Argos 2021 na categoria antologia. A coleção é baseada num álbum de gravuras que o autor desenhou para inspirar os autores, e são belíssimas. Uma mistura de psicodelia com tecnologia que refletem o conceito de hipernormalidade do autor ao buscar uma extrapolação tão próxima, no caso um ano no futuro. Ironicamente dois anos no passado, agora.

Um exoantropólogo em um mundo pós-humano, de Edgar Smaniotto abre a antologia este conto em formato de ensaio científico, na pele de um pesquisador num futuro onde a raça humana aprendeu muito com outras formas de vida. Um conto utópico muito bem vindo cheio de alteridade. Et in Arcadia Ego, de Fábio Fernandes, faz uma releitura da alegoria do mito da caverna, num conto de exploração planetária, que poderia se passar no mesmo mundo do conto anterior.

O nascimento do Rei Poedi de Fábio Shiva se parece com o conto de seu xará, pela via da influência dos filósofos gregos antigos. Em um grande império a sucessão é uma história trágica para o rei e o príncipe. Conhecer a história de Édipo ajuda bastante a aproveitar melhor o conto. Onde as (nano)cores se arvoram de Gazy Andraus entrega um conto potente em imagens, que precisam ser formadas na cabeça do leitor para uma melhor imersão, pois não há um enredo linear, tradicional para seguir. O aplicativo, de Gian Danton, por outro lado traz um conto com enredo com uma revelação no seu desenlace. O conto alia o terror a ficção científica para nos impactar com nossa relação com a tecnologia, como se passou a dizer, a la Black Mirror

Pandemônyo em Pyndorama: alegrya, alegrya de Nelson de Oliveira voltamos a vibração imagética no estilo característico do autor, que já foi melhor digerido por já ter lido mais do autor que alia várias influências buscando a arte brasileira. Por fim Octávio Aragão com seu O Ninho no Nariz do Boneco” começa pintando o conto com traços lisérgicos, como numa pintura vista a distância que vai ganhando traços bem delineados quanto mais perto chegamos perto até um final mostrando um enredo bem amarrado.


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segunda-feira, 13 de setembro de 2021

Resenha #200 - Fractais Tropicais (Nelson de Oliveira Org)


"Fractais Tropicais: O Melhor da Ficção Científica Brasileira" é uma antologia que já foi lançada como a mais importante da FCB. A obra tem dimensões ambiciosas, tanto pelo tamanho quando pela variedade de autores que percorrem todos os períodos (chamadas Ondas da FC). O que une os contos é a proposta de ser um apanhado histórico da Ficção Científica Brasileira, que é dividida em três ondas. A obra começa com um prefácio muito instrutivo e inspirado do organizador que ao mesmo tempo situa qualquer leitor pouco familiarizado com a FCB quanto traz reflexões interessantes para quem já percorre os caminhos da FC. O autor foi bastante perspicaz em inverter a ordem de leitura dos contos, colocando os autores atuais para serem lidos primeiro e os mais antigos depois. Vamos analisar conto a conto. Os testos sublinhados são comentários retirados de postagens de antologias já publicadas no blogue.

3ª Onda

Além do Invisível (Cristina Lasaitis) - É o primeiro conto do livro e o primeiro conto do seu sensacional "Fábulas do Tempo e da Eternidade" que já resenhamos aqui. "Além do Invisível" aborda um amor conectado a internet em realidade virtual. Marcos e Maya depois de um ano juntos em um amor intenso resolvem mostrar sua verdadeira identidade. A condução do conto é delicada, sem pressa e com um final muito bonito e melancólico. 

O Templo do Amor (Ana Cristina Rodrigues) - Conto retirado de Portal Neuromancer, narrado na primeira pessoa, por um assassino entre dois templos, o da Morte e o do Amor. Ele recebe um contrato para assassinar Ophra, a sacerdotisa do templo do amor, para que uma nova sacerdotisa assuma. Uma caçada cheia de ressentimento começa.

Cão Um está desaparecido (Lady Sybylla) - Conto segue Sashi, um soldado de Becha I que acorda após um bombardeiro e não consegue encontrar o Meca (Cão 1) que devia proteger. Ela percorre o campo de batalha onde cruza com os horrores e uma guerra futurista em ambos os lados e começa a questionar se está do lado certo da guerra.

Menina Bonita Bordada de Entropia (Cirilo S. Lemos) - Conto já resenhado aqui. É um conto de Cirilo S. Lemos que entraria facilmente na categoria Weird Fiction, "Ficção Esquizita" que busca o estranhamento estético. Na história, uma menina é encontrada em alto mar, ferida quando é salva por uma embarcação tripulada por demônios e um capitão robô, que impede que a menina seja servida de almoço pelos sonhos mas a menina frágil não é o que parece. A construção é muito eficiente em causar estranhamento e é muito rica em provocar imagens em nossa mente e vale muito a pena ser lida. 

Metanfetaendro (Alliah) - Conto tem o estilo experimental do new weird e segue uma artista cheia de dúvidas. Conto repleto de figuras de linguagem através de Geometria não-euclidiana. De fato um conto difícil de acompanhar, pois escolhe um caminho ousado. Difícil de entender mas me instigou o suficiente a buscar o livro (homônimo) para ler os demais contos.

Da Astúcia dos Amigos Improváveis (Santiago Santos) - Conto oriundo do blogue Flash Fictions, que traz uma história de guerra cheia de revelações. Os humanos vão a guerra contra os Drokkarianos com a ajuda de seres incorpóreos, chamados de celestiais que nos ajudam na guerra mas após o primeiro dia em campo de batalha com uma missão fracassada acabou levando o protagonista a caminhos que mudarão a forma de ver os lados da guerra.

O Apanhador do Tempo (Márcia Olivieri) - Conto começa com um tom de tribunal com um homem admitindo sua culpa. O desenvolvimento mostra que o destino do planeta está para mudar e tudo é sobre imortalidade.

Aníbal (Andréa del Fuego) - Aníbal mostra, em forma de lenda, um fim da raça humana como conhecemos, sobrevivendo dentro de outras formas de vida. O conto brinca mais com os termos da Ficção Científica que especula propriamente, porém é o suficiente para fornecer uma boa viagem a quem não se fixar tanto na validade dos termos. Particularmente, adorei a viagem!

A Última Árvore (Luiz Brás) - Tudo gira entorno da última árvore do planeta. A sua volta uma favela, cercada por uma redoma e partes de um robô cobiçadas pelo "dono" da favela em constante luta contra outras fações. Os temas da ecologia e um humor sutil, característico do autor, permeiam esse conto sensacional. Conto cheio de brasilidade sem tirar o olho de questões universais. Você pode ler o conto aqui.

Quinze Minutos (Ademir Assunção) - Unabomber está chegando. Sua chegada/invasão a Terra é narrada de forma urgente e enquanto o autor explora sobre o que se trata tudo isso. O último parágrafo é revelador mas não explica demais. A pressa impressa na forma de mensagens urgentes é alternada por uma poesia louca e embaralhada que entendemos no final.

Cibermetarrealidade (Tibor Moricz) - O mundo é de metal, cada ser com sua função. Tudo está em constante autoreparo mas para um engenheiro que ronda a cidade a autoconsciência é um risco de ser considerado, ele próprio, uma falha. O conto se equilibra bem entre uma metáfora e reflexões sobre consciência, num fluxo gostoso de ler e complexo ao mesmo tempo.

Los cibermonos de Lacombia (Ronaldo Bressane) - Conto é um relato em portunhol de um agente temporal em sua última missão na busca de um desertor que usa a tecnologia do futuro para fazer justiça com as próprias mãos. Dá-se entender que o português é uma língua morta e a ação se passa toda na Colômbia (ou Lacombia). A narrativa é carregada de humor, inclusive no seu desfecho. A obra faz parte da obra Mnemomáquina e o conto só fez meu interesse pelo livro aumentar.

2º Onda

O molusco e o transatlântico (Bráulio Tavares) - Um dos contos mais extensos da antologia e vale a pena. Acompanhamos um explorador espacial brasileiro em uma missão internacional pelo espaço em um estilo que lembra 2001, tanto pela forma de narrar quanto pela viagem profunda em um contato alienígena. Contudo, não se apegue nessa comparação. Bráulio vai por um caminho bastante instigante e parece que não vai levar a lugar nenhum até as últimas linhas, quando entrega um final de deixar pensando bastante.

Paradoxo de Narciso (Ivanir Calado) - Um cientista consegue regressar no tempo e encontra a si mesmo. A atração entre o eu experiente que tem sucesso no seu invento e o seu eu jovem que ainda estava lutando para conseguir desenvolver o invento que o levaria até o passado. Temos o paradoxo de narciso explicado na forma deste conto muito intrigante com um final muito irônico. Ironia que carrega o conto do início ao fim.

Visitante (Carlos Orsi) - Uma fada guerreira chega a uma terra estranha e é conduzida por ser (que narra a história) programado para recepcionar bem sua visitante mas os encantos da fada atrapalham sua programação. Parece maluco e de fato é, mas um mundo pós muitas coisas que é construído e ampliado a cada resposta que a visitante obtém. Conto deixa o leitor preso nesse mundo estranho e a condução é segura revelando cada camada aos poucos. 

Ostraniene (Lucio Manfredi) - Acompanhamos um agente em contato estreito com um chefe straiter da Ostraniene (chamado Zósima) uma organização oriunda da queda do bloco socialista que vivia em equilíbrio com a rival Malta mas quando Zósima deseja um chip com informações, a Ostraniene passa a realizar ataques pesados e cheios de alta tecnologia. O protagonista contudo parece ter a chave para derrotar Zósima. O conto prende pelo desenvolvimento que gera uma tensão bacana e soma bem com a estranheza de basicamente tudo. Tem referencias legais a Neuromancer, principalmente na metade final. 

Galimatar (Fábio Fernandes) - É certamente o trabalho mais otimista que já li do autor, que imaginou um mundo onde pudesse existir algo tão sensível e interessante como a linguagem Galimatar. O conto fala sobre uma Xamanesa que encontra um homem azul (pós-humano) em Adis Abeba, capital da agora EtiPópia. A história simples é envolta de uma construção de mundo em hábitos tão bem narrados que conseguem segurar o interesse do leitor até o fim.  

A máquina do saudosismo (Ataíde Tartari) - Acompanhamos um homem que devido a leucemia, decide congelar-se até um futuro onde pudesse ser curado. Quando o descongelamento dá certo, séculos depois, ele acaba sentindo muitas saudades do seu tempo a ponto de não conseguir socializar com as pessoas do seu novo presente. 

Estrela marinha no céu (Finisia Fideli) - Conto curtíssimo e sensível sobre tudo que poderia nos alcançar quando olhamos para o céu. Há um pano de fundo de história mas vale mais pelas reflexões.

As múltiplas existências de Áries (Finísia Fideli) - Este não é tão curto quando o anterior, mostra uma vida de um ser extraterreno que habita o corpo de um funcionário do Banco do Brasil. É um retrato rotineiro do ponto de vista de um ser extraordinário. As finas ironias, fazem desta uma leitura muito agradável. 

Coleira do amor (Gerson Lodi-Ribeiro) - Félix perdeu sua amada Theresa mas não consegue aceitar a perda pois tem um sistema inibidor instalado que o impede de parar de amá-la. O conto tem momentos finais muito tensos, que envolvem violência sexual. Apesar do exagero na descrição das cenas, consegue fazer uma boa discussão sobre o livre-arbítrio, em relação aos sentimentos, e o pós-humano.

A sereia do espaço (Jorge Luiz Calife) - Uma astronauta francesa é capturada por uma forma de vida misteriosa em Tritão, lua de Netuno. Depois acompanhamos Gustavo, namorado da francesa, que se promove o primeiro contato com essa nova forma de vida. Conto bastante instigante, mas com uma história bem simples, recheada de imagens bem construídas. Bom conto.

Tempestade Solar (Roberto de Sousa Causo) - Conto faz parte das aventuras de Shiroma, compiladas em Shiroma: Matadora Ciborgue, já resenhado no blogue. Neste conto Shiroma vai atrás de vingança contra seus tutores, Tera e Tiago. Foi um dos pontos altos do livro e, como conto isolado, é uma bela peça de ação. Gosto muito desta série. 

Acúmulo de Skinnot em Megamerc (Ivan Carlos Regina) - Conto que pinta com cores absurdas algo do cotidiano. O estilo do autor é bastante sarcástico e contundente, de uma forma que ao procurar o fantástico basta uma ida as compras para ver que tudo está ao nosso alcance.

Quando Murgau A.M.A. Murgau (Ivan Carlos Regina) - Nesta outra participação do autor, conhecemos os Murgau, uma raça alienígena com três gêneros em um conto que fala sobre o amor livre. Instigante e belo. 

O dia em que Vesúvia descobriu o amor (Octávio Aragão) - Vesúvia é a história de uma nação que poderia ser o Brasil. Além da referência ao vulcão que destruiu Pompéia, temos uma história de um colapso. É um conto bastante cheio de jogos de linguagem e referências. 

Caro senhor Armagedon (Fausto Fawcett) - Retirado do livro "Cartas do fim do mundo", o conto é uma carta ao Armagedon, pois este furou seu compromisso de terminar com o mundo, após tanto preparo por uma empresa contratada pelo sr. Armagedon. O tom de indignação dos empresários dá combustível para uma explicação de todos os preparativos, falando sobre nosso mundo. A linguagem é fluida e quase sem pausas. É a primeira leitura do autor, após Santa Clara Poltergeist. O estilo próprio, eloquente e inquieto está nesse conto também.

1º Onda

O Grande Mistério (André Carneiro) - Conto narra uma trama política em que o sexo é parte do jogo, e tudo é tratado com uma naturalidade diferente. Isso faz realmente sentirmos em um lugar distante no tempo e essa sensação é o maior atrativo do conto.

A Ficcionista (Dinah Silveira de Queiroz) - É uma narrativa metaficçional, em que o controle criativo de vários autores estão sob controle de uma invenção que aglutina as pautas das ficções. Um dos contos mais extensos da edição. Preciso reler para captar melhor as nuances e melhora minha impressão do conto.

Chamavam-me de Monstro (Fausto Cunha) - Conto é um relato de um habitante de Ghrh que está na Terra tentando se adaptar as proporções tempo, espaço e prioridades alimentares enquanto ocupa de corpos humanos até bancos de praça. O relato também conta das diferenças entre o seu planeta natal e contextualiza uma guerra que coloca o ser humanos como sequer dignos de nota. Lembra bastante a sensação que o Guia do Mochileiro das Galáxias busca passar sobre a humanidade mas de uma forma que me agradou muitíssimo mais - apenas relevem que não sou fã da saga de Douglas Adams.

O Elo Perdido (Jeronymo Monteiro) - Flávio e Berenice realizaram o sonho de ter um filho porém ele nasceu muito diferente. O doutor Bernstein não sabe se trata-se de uma mutação mas suspeita que seja tudo tenha relação com o elo perdido. O conto narra a vida de Carlos e a adaptação de seus pais a condição única do filho. 

Morte no Palco - (Rubens Teixeira Scavone) - Conto bastante introspectivo sobre um último suspiro no espaço. Acompanhamos as reflexões do protagonista sobre o universo e sobre momentos com sua família. Conto para se ler devagar, saboreando as frases e esquecer o enredo.

Neste vídeo, que saiu no Diário de Anarres, no YouTube, falo do livro de uma forma geral




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segunda-feira, 22 de março de 2021

Resenha #175 - Gigante Pela Própria Natureza (Nelson de Oliveira)


"Gigante Pela Própria Natureza" é um romance de Nelson de Oliveira que concorreu ao prêmio Kindle em 2020. A obra apresenta várias subversões surrealistas na linguagem literária, das descrições mais corriqueiras até a estrutura da história. A história começa com um homem que se envolve com uma mulher negra-índia-amarela-branca e torna-se mulher para ter um filho com ela. A criança é imensamente poderosa e sábia e logo se se perde dos pais que o buscam numa jornada insólita onde encontram vários personagens da nossa cultura. O livro é cheio de referências e é fácil ficar confuso (no bom e no mal sentido) em meio a elas, pois elas vem acompanhadas de várias quebras de perspectivas, abusando da ideia de que o romance sabe que é um romance, ironizando a adoção de clichês, elevando o nível de absurdismo para níveis que tornam o livro muito divertido, ou dependendo do leitor que não se interesse por algo tão subversivo e fora do convencional, muito confuso. Eu tive a experiência do tipo divertida e quem tiver Kindle Unlimited aproveite e se jogue nessa leitura!
   
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terça-feira, 9 de junho de 2020

Resenha #134 - Vinte e Um (Nelson de Oliveira)

Vinte e Um é uma coletânea de contos de Nelson de Oliveira que junta duas épocas de sua escrita viajando no fantástico e insólito. O livro é um upgrade de Treze lançado em 1999, acrescido de mais oito contos. Predomina aqui o estilo característico de não desperdiçar as palavras em contos curtos que rapidamente te levam a viagens insólitas, ora se valendo da ficção científica, ora do mundo fantástico ou, inclusive, encontrando o fantástico sem evocar nada do sobrenatural.

A primeira parte do livro, os contos originais de 1999, Treze, conta com várias contos curtos que tem sempre algo inusitado. Algum ponto de vista que faça toda a diferença para entender a história ou um personagem fanho. Contos curtos demais para sintetizar sem entregar a graça deles. Contudo, o primeiro é mais longo. "Dies Irae", narra o dia enlouquecido de uma pedinte que se divide entre o amor selvagem e abusivo dos outros pedintes e uma dívida que todos tem com Gideão, um agiota que controla a entrada em um prédio como se guardasse os portões do céu/inferno, onde existem delícias misteriosas para quem pode pagar e horrores inimagináveis e gratuitos. 

Destaco também, "Gorducha" que pinta uma vida em um quadro tragicômico de um distanciamento insuportavelmente suportável; "Não sei bem o que, aqui" é uma cacofonia de sujeitos que são momentos dentro de uma mesma pessoa, funciona como um Divertidamente para adultos; e "Homenagem a Tróia" parece a visão de Cassandra, a vidente amaldiçoada por Apolo, do alto de sua torre obrigada a saber de toda a tragédia que viria sem ninguém que acreditasse nela.

A segunda parte do livro, "Sete" traz os contos inéditos que apesar de seguirem a mesma pegada de contos curtos, são mais criativos. Destaco "Gritos Ocultos" que pinta um drama familiar com os nossos silêncios, alternando falas corriqueiras e pensamentos reveladores e "Pintando o Sete" é um divertido caso de amor com um final muito inspirado. Por fim a última parte do livro Um, com um conto narrando capas de disco de vinil clássicas encarnando na pele de pessoas aleatórias. O estilo de Nelson é uma aula de como escrever contos, tanto na forma quanto nas ideias que nos capturam para a leitura conto a conto.
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terça-feira, 18 de junho de 2019

Resenha #98 - Ás Moscas, armas! (Nelson de Oliveira)

Ás Moscas, armas! de Nelson de Oliveira (a.k.a. Luiz Brás), é uma coleção de contos muito sucintos, criativos e instigantes. São 25 contos em apenas 120 páginas. Na maioria ocupam apenas duas páginas. Sem medo de viajar pelos recantos da imaginação e da alma humana, o livro pede uma leitura saboreada e reflexiva. O estilo do autor é avesso a enrolação, preferindo a concisão e profundidade nos pensamentos e também pela criatividade nas histórias que podem te levar para qualquer lugar e essa é uma constante na obra e nas outras resenhadas no blog: Oneironautas do autor junto com Fábio Fernandes, Anacrônicos e Sabixões e Sabixinhos.

Vamos falar brevemente de cada conto, depois do conjunto. O livro abre com "A preponderância do pequeno" em que um frequentador da casa de campo do senhor Maxwell descreve seu dono refletindo sobre suas diferenças, os parênteses guardam a sinceridade. "Daltonismo" acompanha uma briga de casal embalada pela obra de Machado de Assis, sobre a não/traição de Capitu. Em "Ah!" Rubens passa mal e Ana Maria não sabe o que fazer. Depois o mundo vira luz. Todos viram luz. O conto nos faz imaginar eventos da escala pessoal até a global. Uma sensação que o autor passa em Anacrônicos. "Antes do Verão, depois da primavera" conta sobre o achado de Carlos e Joana: um baú de tesouros cheios de lembranças perdidas. Objetos simples mas que despertam memórias. O conto nos faz pensar sobre espaços entre as coisas e as coisas que se perdem lá.


"Amor", faz um retrato do lado dolorido do amor. Em "Baile de Máscaras", o alfaiate Zacarias Sepúlveda Bezerra é acusado de  um crime que não cometeu no dia de Natal e sua execução será transmitida pela TV. Conto usa os elementos do justiçamento e é um bom exemplo da literatura do autor na sua capacidade de instigar. "Entre paredes murmuramos sombras que nos assustam" é um pensamento corrido, escrito sem parágrafos, numa sentada só. Uma explosão de sentimentos. "Jaqueline in the box" nas primeiras linhas, Jaqueline foi apenas um bebê abandonado numa caixa de papelão, mas com com o passar do tempo ela se tornou uma caixa de papelão mais que qualquer outra coisa. O conto carrega numa linguagem infantil, de alguém que se esconde de sua dor já que não tem mais sua caixa para protege-la. "Lua, 1969" é um conto sobre duas entidades que conversam e se confrontam sobre a saúde de uma criança quando o pouso do homem a Lua era transmitido na televisão. É bastante enigmático, a ponto de eu ter entendido pouca coisa dele.

"Górgona" é dividido em duas partes, a primeira fala de uma profecia, usando de tom lírico e a segunda é um papo de bar com um escritor e tem um tom grotesco. É um conto de interpretação bem abstrata mas arrisco-me a entendê-lo como uma forma de mostrar os homens ameaçados pelo poder das mulheres que não veem da força. "Ninfas" pinta um quadro de caçada e fuga, sedução e armadilha. "Fora do quarto à noite", Edgar é um bombeiro idoso aposentado que imagina derreter tudo a sua volta. Conto de difícil interpretação, talvez seja sobre como ficar sozinhos e sentir-se repulsivo/destrutivo. "Inveja" brinca com os rótulos usando rótulos para nomear personagens invejosos. Usa a repetição de forma que fica divertido. "O Homem só" fala sobre Alberto um homem solitário, que não consegue transar com sua amante, pois tem mais prazer com suas fantasias do que na interação com outras pessoas. "Propósito" é uma página de elogio a Darth Vader mas desenha mais o admirador que o admirado. "Odor" descreve cientificamente a mais irracional das atrações. 

"O que eu faria se estivesse no meu lugar" é um conto circular que brinca com a alteridade de um rapaz que quer dar um presente para a namorada. "Quinze Minutos" pinta apenas com diálogos a correria diária, e com a repetição da rotina. É divertido e uma leitura ágil. Pequenas Reminiscências perdidas" conto curto gira entorno de Priscila e Rodolfo, num suspense que envolve até o fim. "Ruas" viagem onírica nas ruas de São Paulo, dominadas por diferentes animais domésticos e de rua. O narrador em primeira pessoa, não aprece ter uma raça definida. "Três tristes tias" cotidiano de três idosas cheias de manias, suas ações contrastando com as falas de um sobrinho que aparece apenas nelas enquanto as irritações das senhoras moldam a percepção de seu mundo. "Avenida Roshamon" temos um punhado de versões de um atropelamento. Fato distorcido e torcido muitas vezes, no boca a boca. "O que mais há a dizer?" faz pensar sobre quando as palavras são retidas e despejadas. "Um sujeito meio esquisito" um conto muito esquisito.

O livro é bastante aleatório nos assuntos, mas sempre girando entorno do insolito. Apesar das poucas palavras, é preciso ler e refletir antes de seguir o próximo conto. Não é uma leitura de praia, mas um mergulho profundo. Recomendado! 
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terça-feira, 8 de janeiro de 2019

Resenha #82- Oneironautas (Fábio Fernandes e Nelson de Oliveira)

Vamos abrir os trabalhos de 2019 com uma breve resenha de um livro breve: "Oneironautas" da dupla dinâmica Fábio Fernandes e Nelson de Oliveira, o Gordo e o Magro da Ficção Científica brasileira que se juntaram nesse livro para uma viagem surrealista no mundo dos sonhos, como o título sugere ao fazer referência ao deus grego dos sonhos.

O livro foi escrito em capítulos alternados de 300 palavras cada, onde os acontecimentos começam a ficar cada vez mais loucos e divertidos mas nem por isso deixamos de ter uma história: Nelson e Fábio se encontram na Festa Eterna em 2066 onde navegantes dos sonhos se encontram e são encontrados também. A partir daí a coisa desanda e descamba para as situações mais insólitas, divertidas e encharcadas de referências da cultura nerd em geral. Como num teste de "quais filmes que você viu?", a não ser que você gabarite sempre, alguma coisa vai se perder, mas nada que uma releitura não resolva. 

Aliás, a releitura é tão recomendada quanto a leitura, pois pode ser feita sem pressa alguma, pois o livro é bem curto, como a remanescência de um sonho que tentamos relembrar com detalhes mas com a vantagem que neste sonho em forma de livro podemos reler sem esperar o sono chegar.
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terça-feira, 2 de outubro de 2018

Resenha #75- Sabixões & Sabixinhos: Philosophus Brasilis (Sofia Soft, Teo Adorno)

Sabixões & Sabixinhos: Philosophus Brasilis é uma das obras mais recentes de Nelson de Oliveira, um dos autores mais prolíficos que tenho visto e acompanhado. Aqui ele assina com o pseudônimo de Sofia Soft e Teo Adorno. Nessa divertia coletânea de pensamentos que vieram para provocar e divertir. Os assuntos abordados são os mais variados, mas existe uma tendência a alfinetar o Brasil e o que é ser brasileiro. As passagens garantem reações que vão daquele sorriso no canto da boca, até paralisia temporária devido a reflexão digestiva do verso. O trabalho gráfico é uma atração à parte pois acompanha os toques ácidos e irônicos do texto. Leitura mais que recomendada!
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terça-feira, 31 de outubro de 2017

Resenha #67 - Anacrônicos (Luiz Bras)

Um livro é especial quando você o recebe de presente ou quando ecoam na sua mente após a leitura. "Anacrônicos" é especial para mim pelos dois motivos. A novela de Ficção Científica brasileira, foi lançada este ano de forma independente por Luiz Bras (pseudônimo de Nelson de Oliveira) que é encontrado nas redes pelo vulgo Paisagens Personas

Em primeiro lugar, Anacrônicos é extremamente bem escrito. Passa um desconforto pela forma narrativa que usa, como se você relembrasse momentos vividos contando em sua própria cabeça. Essa distorção na percepção do tempo acompanha os personagens, um grupo de jovens, que tentam lidar com a aparição de mortos-vivos (que não são zumbis) mas seres sintéticos "de um tipo de borracha industrial" extraídos das lembranças dos entes mais queridos que passam a ocupar os cômodos das casas e repetem ações das mais triviais diária e inexoravelmente. O foco é na dimensão íntima dos personagens, conseguindo abarcar o sentimento de caos no mundo todo. Tudo isso abarcando ironias, dores e desespero das pessoas que tentam levar suas vidas meio ao cotidiano e o caos que toma conta. A estória se passa num futuro próximo, quando todos nós estaremos um pouco mais velhos, se vivos. Temos uma aula de como situar uma estória no futuro sem forçar, sem infodump. Para uma sociedade que vive fugindo do seu passado, cansada de carregar o peso da própria bagagem, e o revive de forma cada vez mais ordinária, o livro é muito pertinente.

A forma do texto é curta e reflexiva, seria um erro chamar de prolixo pois ele tende a ser desconfortável (se você espera uma narrativa linear padrão). Vejo contundência e um potencial para quem puder refletir sobre si mesmo e o passado. Enfim, um livro curto que desafia qualquer busca pelo consumo rápido já é uma ironia em si. Pontos para o autor!

P.S.: O autor mantém um blog com resenhas de livros de ficção científica brasileira, que está se tornando um verdadeiro acervo de impressões do que é produzido no Brasil! Vale a leitura. https://ficcaocientificabrasileira.wordpress.com/
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