segunda-feira, 29 de novembro de 2021

Resenha #211 - Missão Stardust, Perry Rohdan 1 (K. H. Scheer)


[As resenhas do blogue não costumam ter spoilers, mas para esta série não teremos esta preocupação. Pois ela será escrita pensando em trocar ideia com os leitores que já leram as obras. Além disso contar o enredo das primeiras histórias não constitui grande prejuízo para quem deseja começar a série, mas de qualquer forma fica o aviso]

"Missão Stardust" é o primeiro volume do que viria a ser a maior saga da ficção científica, com mais de 3000 volumes já lançados no original, em alemão, e quase 1500 no Brasil. 536 deles, em papel entre os anos 70 e 1991. A série foi continuada pela SSPG editora até meados de 2010 em papel e digital até hoje. Contudo, por maior que a saga seja, o início é sempre o numero um e vamos começar por ele, e quem sabe um dia parear com os lançamentos recentes mas, de qualquer forma, o que vale é o caminho.

O primeiro episódio é Missão Stardust, que podemos dividir em três partes. Na primeira acompanhamos até a página 57 uma viagem até a lua repleta de detalhes. É importante lembrar que o livro foi escrito e lançado na Alemanha, alguns anos antes do voo real da Apolo, e portanto, trata-se de uma especulação com bastante detalhes, relevando as diferenças. Tanto que quando o volume chegou ao Brasil, foi colocado um aviso ao leitor, recomendando que inicia-se a leitura após o relato dessa viagem que terminava na página 57. Contudo, a viagem da Stardust e a da Apolo já são antigas e não vi motivo para não ler e quem gosta de detalhes técnicos vai gostar desta parte.

Na segunda parte temos o contato travado, o primeiro oficial entre a humanidade e os arcônidas. Os arcônidas são retratados como uma raça inteligente, com uma tecnologia muito superior porém que está definhando por falta de "força de vontade". Com a exceção de Crest e Thora, que os recebem, os demais arcônidas são letárgicos, satisfeitos apenas em assistirem "vídeos" em uma tela esférica. A letargia chega a um ponto em que reagem a problemas que colocariam suas vidas em risco. Crest e Thora ainda mantem viva essa chama, se importam com o futuro de seus iguais, contudo são bem diferentes. Crest é um cavalheiro com ares aristocratas e simpatiza com a humanidade, enquanto Thora é impulsiva e repudia os humanos. Rhodan representa nossa humanidade, uma visão de que a humanidade é cheia de vontade de realizar grandes feitos e conquistar o espaço.

É aqui que Perry Rhodan é definido ideologicamente, com uma visão de mundo humanista liberal, sem perder o capitalismo de vista. O humano é o centro de tudo e os arcônidas são um alerta trágico caso os humanos se rendam ao assistencialismo, a dar tudo de mão beijada, sob o custo de estagnação. O medo da estagnação pelo bem estar pleno é um medo do capitalismo. Na terceira parte, Perry Rhodan começa a agir para que a humanidade não perca seu rumo, uma vez que a descoberta de um espaço cósmico cheio de raças e tecnologia inexploradas pela humanidade é a descoberta de sua própria fragilidade. Sua missão é salvar a vida de Crest, que padece de uma doença terminal e que em troca de auxílio, ajudaria Perry Rhodan a acabar com a Guerra Fria.

A Guerra Fria Perry Rhodan, nesse novo cenário, é apenas uma perda de tempo, o que pode ser visto enganosamente como uma visão pacifista pedindo a união da humanidade, é apenas um clamor pela reorganização da Terra para adequar-se a novas ameaças. Por esse motivo, Perry Rhodan, na última frase do livro, remove os emblemas dos Estados Unidos de seu uniforme.

Tem resenha em vídeo desta série que rola no YouTube também. Lá no canal Diário de Anarres:





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segunda-feira, 22 de novembro de 2021

Resenha #210 - Senciente Nível 5 (Carol Chiovatto)


O romance Senciente nível 5, de Carol Chiovatto, é um grande exemplo de como a ficção científica brasileira pode trilhar seu caminho em nosso país. Calma. Eu explico, pois pode parecer absurdo como uma space opera que gira em torno de um conflito entre duas potências estelares pode ter alguma coisa a ver com o Brasil, além da nacionalidade da autora.

A história acompanha a capitã Lin, que tem a missão de proteger Teo, um emissário do planeta Lena-Hátia, feito prisioneiro pela Bílgia, uma potência imperialista que se estrutura como uma Universidade. Lin salva Teo em meio a uma invasão do exército Hati (naturais de Lena-Hátia) quando este tenta, traiçoeiramente, executar seu emissário, que também é irmão gêmeo da poderosa Imperatriz. Ambos fogem em uma nave e têm de lidar com uma traição palaciana de Lena-Hátia e também com uma acusação de traição contra a capitã Lin, levantada pela Universidade da Bílgia.

De uma hora pra outra, Teo e Lin, antigos antagonistas, se veem obrigados a uma aliança para descobrirem os motivos do complô que deseja Teo morto. Apesar das diferenças culturais e de temperamento dos dois protagonistas, a aliança parece dar certo. Nesse vaivém, eles são auxiliados pela poderosa IA da Bílgia, chamada Nyx, composta de milhares de unidades de processamento de dados espalhadas por todo o sistema.

A história é ágil, narrada em capítulos curtos por um narrador em terceira pessoa que segue ora os pensamentos de Lin, ora os de Teo. Oferece excelentes cenas de ação e consegue encadear bem as descobertas que vão desvendando a conspiração. Porém, mais do que pelas boas reviravoltas, a obra se destaca pela força de suas revelações.

A Bílgia classifica os seres sencientes do universo em cinco níveis, sendo que apenas os de nível 5 podem entrar na Universidade. Entretanto, os nativos de Lena-Hátia não são considerados empáticos o suficiente para pertencer a essa categoria. Até o dia em que o estudo de uma pesquisadora da Bílgia muda o valor das relações entre as duas potências. Isso acontece quando é descoberta a capacidade empática dos Hatis, ao mesmo tempo em que são revelados os detalhes da política pouco empática promovida pela tecnologia da Bílgia. Nesse ponto temos em Nyx uma personagem que impressiona tanto pelo poder, uma vez que domina a tecnologia de ictorrobôs, que faz dela uma entidade onipresente na Bílgia, quanto pela altíssima capacidade cognitiva e por sua capacidade de interagir com o mundo ao redor.

Diferente das space operas da ficção científica de língua inglesa, Senciente nível 5 não busca mostrar a vastidão dos impérios, que, inchados demais, acabam por ruir. O romance busca, antes, mostrar as forças políticas ativas e guiadas por outros parâmetros que não os estritamente econômicos. A Universidade da Bílgia e o Império de Lena-Hátia brigam por recursos, mas são as características da empatia e da senciência que de fato modelam o destino das potências. Somando isso à escrita ágil da autora e à sua habilidade em vislumbrar outras formas de sociedade, mesmo que não consigam viver em paz, essas qualidades já apontam para um caminho muito próprio para a nossa ficção científica.

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segunda-feira, 15 de novembro de 2021

Resenha #209 As Crônicas de Kérdar: A Espada de Dragão e os Dragões Vermelhos (Eduardo Alós)


"As Crônicas de Kérdar: A Espada do Dragão e os Dragões Vermelhos" é uma obra de fantasia épica de Eduardo Alós, que reúne tudo que uma boa fantasia precisa. Um mundo rico em cenários, seres, magia e guerreiros. É uma obra bastante equilibrada, há bastante personagens mas não demais, há magia mas ela não sobrecarrega tudo a sua volta. Alias o equilíbrio entre ordem e caos é justamente o que mantem o mundo de Kérdar inteiro, e quando uma guerra se anuncia entre Humanos e Elfos, é que o verdadeiro mal desperta para colocar em perigo este mundo mágico e intrigante.

A obra se divide em duas partes, a primeira é sobre a guerra entre homens e elfos, e o estopim é quando o Rei Mistgart sai para caçar e entra dentro do território elfo da Floresta Tharya - onde a caça é proibida pelos elfos - e é confrontado pelo Rei Osrond. Ambos os reis são demasiados orgulhosos para evitarem que um confronto armado entre as guardas. O resultado é um massacre dos humanos que permitiram que o Rei sobrevivesse com uma orelha decepada. Mistgart volta ao Reino de Dragun e convoca todas as províncias humanas para declarar guerra aos elfos que do seu lado faziam o mesmo, apesar da contrariedade da maioria dos súditos, inclusive dos príncipe dos humanos, Lindelöf e dos elfos Erön, que tentam juntar forças para evitar uma guerra. O resultado disso tudo acontece na segunda parte, onde um mal sobrenatural emerge das montanhas na Ilha dos Anões e só pode ser combatido com magia, para restaurar o equilíbrio entre Ordem e Caos.

O leitor mais atento vai notar que "equilíbrio" define bem esta obra. As duas metades do livro são bastante equilibradas. A magia aparece desde o início mas ganha importância e vida no decorrer da obra. Outro trunfo do autor é sua capacidade de descrição das batalhas, tanto com e sem magia, pois são muito precisas e boas de se acompanhar. Isso alia-se a sensação de grandeza dos acontecimentos que um bom épico precisa com cenas e falas de personagens mundanos, combinando numa ambientação convincente. A combinação desses elementos faz com que ao final da leitura tenhamos a sensação de ter viajado para Kérdar, um lugar com paisagem e pessoas próprias.

Encontre a versão digital e impressa da obra na loja Amazon (de graça para Kindle Unlimited) em: https://www.amazon.com.br/dp/B096WF7Z95/
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segunda-feira, 8 de novembro de 2021

Resumo #208 - Acid + Neon "1.0" (Estúdio Coverge)


"Acid + Neon" (1.0) é uma antologia do Estúdio Coverge que elabora trabalhos artísticos que unem literatura a outras artes, como gravuras e música. Ambientados neste mundo cyberpunk, também há uma sequência Acid + Neon 2.0 e um jogo de tabuleiro chamado Belona. No site da editora podemos ter acesso a vários livros de graça em formato PDF (que ficaram boas para ler no Kindle, fica a dica), além das playlists com músicas originais no Spotify. Até o jogo de tabuleiro é possível baixar os arquivos para imprimir, também de graça. Pretendo falar mais do jogo depois de ler o segundo volume deste mundo cyberpunk. Espero que até lá a pandemia já tenha acabado para poder testá-lo e contar para vocês.

Os contos eu classificaria de dois tipos. Os que se parecem ser do mesmo mundo, pois se complementam em meio aos clichês cyberpunks e outros que oscilam bastante, distanciando-se dos clichês a ponto não restarem nada do cyberpunk. Particularmente prefiro que o autor tente domar os clichês que escrever algo tão fora do subgênero, talvez isso seja por este ser o meu favorito.

A Bala (Jorge Martins) A antologia abre com um conto rápido e seco. Uma atiradora de elite prestes a fazer justiça com as próprias mãos em um senador conservador contra pessoas que utilizam próteses. O desenvolvimento já valia o conto, por ser bastante imersivo, e o autor ainda nos brindou com um boa virada no final.

Deixe Queimar (Löui Moon) O segundo conto também aborda o uso das próteses. A pegada mais intensa e seca aumenta e se alimenta bem do conto anterior. O final é forte e combina bem com o ritmo do universo cyberpunk.

Caçadora (Mura Martin) Aqui temos um conto que usa bem o cotidiano neste mundo, com um acontecimento que poderia rolar em uma conversa de bar. Um causo cyberpunk. Bem colocado no início da antologia.

Desconhectado (D.R.Laucsen) Caos e Tecno são dois amigos bem diferentes. Um age guiado pela emoção e está em um amor virtual por uma DED, enquanto o outro tenta alertá-lo para a possibilidade de ser um golpe. O final é bastante inusitado e bem construído, pois as pistas estavam ali o tempo todo. 

Futuro (Leandro Leal) Conto avança no futuro, ainda mais, para recontar a história de Camelot e do Rei Arthur com uma roupagem cyberpunk/pós-apocaliptico. A lenda de Arthur não é cyberpunk por mais implantes e enxertos que se coloquem na história, ainda mais quando os confrontos não mudam. O conto me removeu da atmosfera que os demais estavam me inserindo, até agora.

Memórias (Borisse de Almeida) Conto que pincela um momento dramático na vida de um inventor, que vê sua invenção ser usada para fins terríveis. Em um conto tão curto, conseguiu estabelecer, vários problemas da tecnologias e ainda conseguiu arrematar o conto com uma passagem dramática bem colocada.

Myriade (Mauro Bartolomeu) Não achei que um conto sobre a colonização na Lua conseguisse manter a ambientação cyberpunk. O conto conseguiu mostrar esse mundo e ao mesmo tempo trazer um momento importante para transformá-lo. Gostei muito!

Manifesto em Roxo Neon (Ana Nogueira) Conto mais reflexivo, serviu mais para trazer informações sobre o mundo do que um enredo em si. Gostei mais por já ser receptivo ao universo cyberpunk que pelo conto em si.

Fantasma de Neon (David Leite) Conto que parece fazer referência direta ao conto Myriade, mostrando o outro lado. Uma missão, encomendada para eliminar hackers selenitas. Ação empolgante.

Despertar para o Amanhecer (Ana Paula Camargo) Uma mulher acorda sem memórias até que encontra sua avó que lhe traz a verdade. Uma tecnologia que coloca o leitor para pensar. Combina muito com este mundo.

Opressão Final (In)Consciente (Raul Coutinho de Almeida) Plácido foi recrutado obrigatoriamente para uma invasão em uma empresa brasileira. Não há nenhuma opção boa para ele, então resta escolher a menos pior, como é comum em enredos cyberpunks. Conto tem uma linguagem leve e com uma ação satisfatória. Combinou bem com o mundo da maioria dos contos.

Assassinos Sonham com Assassinos? (Pedro Henrique Silva) Conto bastante inspirado no Total Recall mas desta vez acompanhamos um assassino que busca roubar uma tecnologia que renderia milhões aos seus contratantes. Conto tem um bom desenvolvimento mas um final confuso.

O Avatar Não-Binário do Deus Virtual (Lewd) Mia recebe um trabalho aparentemente simples que pagará o carro voador que tanto deseja, matar uma celebridade virtual que tem um caso com um executivo. O desenvolvimento e resolução foram simples e conseguem surpreender, saindo um pouco do enredo padrão do cyberpunk.

Audiência (C)Ativa (Luis Cristiano) Para quem não é niilista o bastante, parece um prólogo de algo maior ou podemos chamar de uma pincelada de uma vida. O conto narra um intelectual reunindo jovens com potencial de transgressão.

Os Olhos Dela (Letícia Cristiano) Uma típica aventura cyberpunk. Eu adoro, principalmente quando está ao lado de contos que fogem demais do cyberpunk, mas pode cansar se não saem da zona de conforto. 

Injeção Letal de Culpa (Brick Alves) Um interrogatório em uma delegacia envolve duas mulheres. Acompanhamos caminhos opostos em rumos opostos. A virada no enredo não surpreende mas é tão bem feita que me fez gostar do conto.

Ícaro no Futuro ou Guarda para Sempre os Conselhos de Teu Pai (Paula Dias) A referência a lenda de Ícaro para o mundo cyberpunk funcionou. O tema das próteses robóticas de baixa qualidade, que há em outros contos, ficou sensacional aqui.

2337 (João Marcelo Rocha) Acho que foge da temática cyberpunk. É um bom conto distopico, dependente demais de um final que não me agradou.

Transição Vinte e Seis (Henrique Fanini Leite) Acompanhamos uma espécie de agente auxiliado por uma IA chamada Sputnik, e a medida que exploramos esse mundo, ele vai ficando cada vez mais misterioso. Criativo no uso das fontes e consegue estabelecer bem o mistério.

Nivhiun (Renan Fontella) Acompanhamos um detetive que investiga grupos ativistas e vende informações sobre eles para seus inimigos, mas tanto ele quanto seus inimigos querem elevar a situação a um novo nível. Bom desenvolvimento e final.

Chuva Sintética (Vilén S.) Conto policial com todo aquele ar noir, investigativo sob luzes neon mas que ganha outro aspecto do meio para frente e traz um final em que a investigação já não importa mais. Muito bem articulada e executada a mudança na trama.

Nova (Victor Wolffenbüttel) O protagonista tenta entender o mundo ao seu redor, aparentemente um mundo pós-apocalíptico em que a energia elétrica está definhando. A descoberta desse mundo, a caminhada e as respostas são recompensadoras no final.
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segunda-feira, 1 de novembro de 2021

Resenha #207 - Realidades Adaptadas (Philip K. Dick)


"Realidades Adaptadas" é uma coletânea de contos de Philip K. Dick que reúne apenas contos que foram adaptados ao cinema. Apesar de o livro ser também uma bela lista de indicações de filmes, podemos ver um padrão na forma como as obras do autor são exploradas pelos roteiristas. O humor e a ironia de Dick são lixados em favor de um aspecto sério, como se todos os mundos do autor fossem distopias. Quem ler os contos, já conhecendo os filmes pode se surpreender com essas facetas e, quem sabe, procurar algum de seus romances.

Lembramos para você por atacado (We Can Remember It for You Wholesale): Conto que serviu de inspiração para o filme Vingador do Futuro, que começa apresentando Douglas Quail, um "assalariado de merda" que não tem o tamanho de Schwarzenegger mas deseja ir a Marte. Então, recorre a Rekordações para receber um implante de memória de como teria sido a viagem. Após complicações no procedimento a estória segue um rumo diferente do filme. O conto aborda o que restaria de nossa identidade se pudéssemos manipular as nossas lembranças e experiências de vida. Publicado também na coletânea Vingador do Futuro, coletânea Minority Report e coletânea Máquina Preservadora vol I, com o título Recordações Por Atacado.

Segunda Variedade (The second variery): Se passa em um mundo devastado pela guerra entre EUA e URSS. As tropas soviéticas, após tomarem os Estados Unidos, são praticamente dizimados por robôs chamados "garras", inicialmente controladas pelos estadunidenses. A estória começa quando um soldado russo vai até uma base americana entregar uma mensagem e Hendricks vai até a base russa investigar. As "garras" que parecem drones, logo, tomam formas mais avançadas, explorando e destruindo a humanidade nos soldados. Tudo isso narrado de forma crua, mostrando toda a miséria da guerra, sem nenhum traço de bom humor - como é comum em outros do autor. Também publicado na coletânea Minority Report.

Impostor (Impostor) é a primeira estória do autor sobre o tema "Eu sou humano?". Nela temos Spence Olham, que trabalha num Projeto (indeterminado, relacionado a corrida armamentista) e passa a ser perseguido pelo seu amigo policial que o acusa de ser um robô espião de uma raça alienígena que teria feito uma cópia perfeita da memória do verdadeiro Spence Olham. O que chama a atenção não é apenas a dúvida "sou humano ou não" mas a capacidade de transferir memórias para um robô e este adquirir todas as características. É o transhumanismo abordado décadas antes (1953) do movimento Cyberpunk (anos 1980)! Também publicado na coletânea Minority Report.

O relatório minoritário (Minority Report): Conta a estória de John Anderton comissário da polícia pré-crime, uma instituição policial que utiliza "precogs", mutantes capazes de prever o futuro. Tal qual o filme, os policiais prendem os assassinos antes de cometerem um crime e a trama começa quando o nome de Anderton é apontado como um assassino. A estória envolve a existência da própria polícia, contudo, o faz por caminhos diferentes do filme. O conto tem personagens menos "maquiados" que no filme. Anderton é gordo e careca (nada parecido com Tom Cruise, em 2002) e os precogs tem aspecto medonho. A crueza do conto está nos personagens e não na ambientação (enquanto o filme transferiu isso para a ambientação e contratou atores bonitos). É um ótimo conto. Também publicado na coletânea Minority Report.

O pagamento (Paycheck): Conta a história de Jennings que começa indo a empresa pela qual trabalhou por dois anos para receber o seu pagamento. Pelo contrato, Jennings teve a memória apagada para evitar espionagem industrial. Contudo ao receber os esperados 50mil créditos, recebe uma sacola com sete objetos sem valor e nenhum significado aparente. Desmemoriado e duro, Jennings descobre que nos dois anos que foram apagados de sua memória, uma ditadura foi implantada e o governo passa a persegui-lo por causa dos seus segredos. Agora Jennings tem apenas sete bugigangas para encontrar a verdade. O conto tem uma ação inteligente, eletrizante e, ao mesmo tempo, desenvolve um mistério que aumenta a cada vez que Jennings encontra uma utilidade para um daqueles objetos e apesar de querermos ir para o final o quanto antes para descobrir, o grande atrativo do conto é o desenvolvimento da trama.

O homem dourado (The Golden Man): Em uma sociedade onde mutantes são uma ameaça a humanidade, um investigador da ACD encontra um tipo de mutante que é capaz de prever o futuro, tornando impossível capturá-lo. Apesar de adorar o filme, em comparação com o conto, foi uma adaptação medíocre. Ainda que o poder do protagonista seja melhor explorado no filme, o conto traz uma reflexão sobre a dádiva que os poderes representam, não necessariamente são benéficas. A clarividência do protagonista acompanha um comportamento que o impede de ver o tempo como uma pessoa normal e o impede de estabelecer relações sociais. Seria bacana que o tema de superpoderes tivesse esse cuidado com as deficiências que os acompanham.

Equipe de ajuste (Ajustment Team): O humor e a ironia já são muito presentes nos contos do autor. Aqui ele é especialmente sagaz e cômico. Ed acorda para tomar seu café pela manhã e se vê envolvido no fracasso de uma missão de vital importância atribuída a um cachorro pelo Escriturário. Ed acaba passando por uma experiência que o fez enxergar uma distorção da realidade. A agência onde o Escriturario trabalha é obrigada a intervir, enquanto Ed tenta assimilar o choque pelo que viu.  

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