terça-feira, 28 de abril de 2020

Resenha #129 - O Planeta dos Macacos (Pierre Boulle)



"O Planeta dos Macacos" (Pierre Boulle) é um dos clássicos da Ficção Científica, escritos por um autor que não se consagrou pelo gênero e sequer se considerava escritor de Ficção Científica. Boulle, ganhou fama com seu "A Ponte do Rio Kwai", que assim como "O Planeta dos Macacos" ganharam adaptações cinematográficas que expandiram o sucesso de suas obras, ainda paradoxalmente o autor não tenha um nome conhecido, encoberto pelas adaptações no cinema de seus sucessos.

A história é simples e bastante conhecida: Ulysse Merou é membro de uma pequena tripulação que busca explorar o espaço por vida inteligente junto do Professor Antelle e Arthur Levain que parte rumo a estrela gigante vermelha de Betelgeuse. Chegando lá após um breve encontro com seres humanos bestializados e selvagens descobre que o planeta é tomado por macacos inteligentes e desenvolvidos, e Ulysse, desgarrado do resto da tripulação, tenta provar sua racionalidade.

É um esforço inútil tentar esconder algum spoiler como sempre tento fazer nas minhas resenhas, quando se fala de um dos finais mais conhecidos da história do cinema, mas cabe avisar que o final do livro é diferente e não menos impactante que o filme. E isso pode atrapalhar a leitura pois boa parte da genialidade da obra é seu final mas está longe de ser o único atrativo do livro. Primeiramente, além de ser curta, a escrita direta de Boulle é ótima para ler na praia, sem precisar um dicionário ao lado e tudo isso sem perder a capacidade de nos fazer refletir. Segundo, a ironia com o autor que conduz a história vai além da própria situação inicial e é aprofundada em várias situações ao longo do livro. Terceirto, a escrita ágil garante uma tensão que faz com que, mesmo conhecendo o final do cinema, queiramos saber o que (e como) vai acontecer no final e, por fim, a edição da Aleph traz materiais extras muito bons para ler após o fim da história: são dois artigos falando sobre o autor e uma entrevista transcrita do rádio. Sendo assim, o livro vale a leitura e não se deixe desanimar por já saber o final do cinema pois a leitura vale a pena.




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terça-feira, 21 de abril de 2020

Resenha #128 - Cyberpunk (Cirilo S. Lemos e Erick Santos Cardoso)


"Cyberpunk: registros recuperados de futuros perdidos" é uma coletânea da editora Dacro organizada por Cirilo S. Lemos (O Alienado e E de Extermínio) e Erick Santos Cardoso. A coletânea faz parte da série Mundo Punk, que nos trouxe coletâneas de diversos subgêneros retrofuturistas da ficção científica como Solarpunk, Steampunk (que na coleção se chamam: Vaporpunk I e II) e Dieselpunk, derivados justamente do ciberpunk, sendo este volume o auge da coleção. A coletânea privilegia autores brasileiros e contos inéditos e como o prefácio de Fábio Fernandes afirma, foi valorizado o lado "punk" ao invés de ficar restrito a estética "cyber". Agora vamos falar dos contos 

"De lentes invocadas e tapiocas de queijo" (Santiago Santos): Fabíola Etcheverria é uma fotógrafa reconhecida que aceita um trabalho para cobrir um evento empresarial em Cuiabá-MT. O autor faz uma bela viagem em uma cidade ciberpunk fora dos grandes centros urbanos de forma bastante fluida, ainda que devido as mudanças climáticas, o Mato Grosso ganhe importância nacional. A trama acaba se desenrolando como a maioria das histórias do gênero, com um trabalho que não é o que parecia ser e o autor conduz a história de forma que fica interessante enquanto a história chega ao final. Foi um excelente início para a coletânea.

"A lua é uma flor sem pétalas redux" (Cirilo S. Lemos): Conto faz uma versão ciberpunk das favelas cariocas com a linguagem seca e cruel que caracteriza tanto a favela quanto o high tech/low life, e tudo de forma bastante realista, afinal os últimos 50 anos de avanço tecnológico não diminuiram a desigualdade, porque os próximos 50 seriam diferentes? A história acompanha Mirolha, um menino soldado do tráfico que busca subir nas graças de Tubarão, chefe da Comunidade Autônoma do Buraco da Pedra, quando perde sua arma e que reconquistar o respeito. [melhor conto da coleção]      

"Caos Tranquilo" (Ricardo Santos): Zima trabalha em uma grande corporação na Bahia, mas encontra-se em uma caçada enquanto busca por informações de MC enquanto é ajudada por Max. Enquanto isso Edmo é um pacato pesquisador de antiguidades e possui segredos que afetam a grande caçada na qual Zima se vê como alvo. A novela tem bastante ação e uma história intrigante onde nada é jogado no colo do leitor.

"A gota d’água" (Daniel Grimoni): Milton é um vendedor de guarda-chuvas em um mundo afetado por mudanças climáticas que quer apenas atender ao desejo do seu filho em enxergar normalmente, mas encontra resistência de sua esposa. Milton vê o mundo desabar enquanto explora seus próprios segredos, quando tudo vem a tona. O forte nesse conto é a linguagem poética, enquanto os segredos e reviravoltas são muito bem colocados na trama. Uma leitura forte, tocante e é o conto mais bem escrito do livro.  

"Folhas no terraço" (Michel Peres): Conto noir numa Recife futurista, onde o investigador particular Flaiano aceita um serviço da senhora Miragaia que deseja vingança ao que fizeram ao seu irmão. Conto faz um tour pelo submundo da prostituição sado-masoquista e modificações genéticas e consegue prender com o mistério e o caminho investigativo de Flaiano. Conto fez bom uso dos clichês em um cenário brasileiro.

"Boca Maldita" (Claudia Dugim): Conto é uma viagem na pele de Hani, um garoto de programa que percorre os territórios de três culturas diferentes atendendo seus clientes e colecionando amantes. O conto encaixa-se perfeitamente no new wierd sem sair do ciberpunk. A história é uma viagem pela civilização que restou do mundo no continente antártico e suas três culturas. Elas coexistem mais em aceitação que guerra mas a passagem de Hani agita as coisas. Chama a atenção a linguagem crua e direta e a sexualidade livre desse mundo, feito para chocar a família tradicional brasileira (felizmente).

"Cyberfunk" (Carlos Contente e Rodrigo Silva do Ó): Cyberfunk é uma perseguição frenética na pele de Jorginho em meio a corporações chinesas e uma vida fodida nas favelas do Rio para tentar mudar de vida. Uma das melhores misturas do ciberpunk com a realidade brasileira e a baixa qualidade de vida ao nosso modo. A ação é frenética, que faz valer o "funk" no título, e os autores conseguiram deixar tudo muito fluído o que melhora a experiência da leitura, que antes de terminar já se tornou um dos meus preferidos do livro. 

"Próximo nível" (Marcelo A. Galvão): Alice é uma bug zapper reconhecida e é chamada para resolver um problema com a conta de dois jogadores de um MMORPG jogado no mundo todo, que a principio foram "assassinados" no jogo e tiveram contas excluídas, o que pode levar embaraço, processos e inclusive flopar o jogo. Alice entra no mundo do jogo e começa um trabalho investigativo para encontrar o bug. O conto consegue mesclar bem o mistério em um mundo virtual, sem parecer infantil ou fútil, de forma competente e convincente. O final consegue surpreender na forma dos acontecimentos com criatividade. 

"Sonho de Menino" (Marcel Breton): Conto passado em Minas Gerais, o que fica evidente pelo sotaque colocado por extenso nos diálogos, e conta a história de Paulo que se envolve com traficantes de sonhos quando compra um dos seus produtos que foi roubado deles. Começa a perseguição ao sonhador que quer apenas realizar uma fantasia e acaba em um esquema maior que ele. O conto teve uma leitura um pouco truncada pela forma de colocar o sotaque mineiro de forma literal nos diálogos, o que particularmente não apreciei muito mas a história é boa e tem um final que consegue surpreender.

"Recall" (Karen Alvares): O sonho de ser mãe ao alcance da mão em uma prateleira. A biotecnologia capaz de fabricar vida, ou melhor, de controlar a forma como a vida vem ao mundo é trazida de forma impactante neste conto. Flávia deseja realizar o sonho de ser mãe depois de dois anos de uma separação difícil e encontra no bebêmatic a solução mas ser mãe e controlar o destino de uma vida não é tão simples quanto comprá-la. O conto é envolvente e muito bem escrito.

"Sonhos wifi" (Fábio Fernandes): Problemas com um jogo de Realidade Virtual prendem um grupo de jogadores em camadas de falsas realidades numa São Paulo deserta e cheia de predadores bizarros. O conto tem uma linguagem furiosa e fluida, como se fosse uma história contada numa mesa de bar, mas com questionamentos profundos sobre a realidade, sem deixar claro se alguém sabe onde ela está.

"Amor em Antares" (Alexey Dodsworth): O conto entrou nessa coleção graças a superação das metas do financiamento coletivo que permitiu o lançamento do livro e o encerra com o conto mais tocante da coleção. Marie é uma menina autista com problemas para se relacionar com as pessoas e encontra no amor de Seon, o significado desse sentimento. O final é emocionante e tudo foi conduzido com bastante habilidade pelo autor.
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terça-feira, 14 de abril de 2020

Resenha #127 - Epílogo (Victor Allenspach)

"Epílogo" é o terceiro livro que Victor Allenspatch lança de forma independente e o segundo de Ficção Científica. Uma bibliografia curta mas que na segunda obra mostra uma grande evolução em comparação ao já ótimo A procura de vida inteligente de 2015. Em Epílogo, temos uma história densa em um mundo pós-apocalíptico com elementos de cyberpunk e do terror, resultando numa viagem profunda por fragmentos de uma civilização que falam diretamente com nosso presente.

A história começa com a protagonista acordando sem memória. Ela é ressuscitada por Lázaro que consegue salvá-la apenas dos ombros para cima. Transformada num ciborge, ou biônico, como a chamam nos esgotos onde passa a viver, recebe o nome de Proto. Neste futuro pós-apocalíptico, perdido no tempo, os ventos solares devastaram quase toda vida na superfície e os sobreviventes dos apagões sobrevivem em esgotos sujos, onde as doenças se alastram e membros são substituídos por próteses robóticas corriqueiramente enquanto o câncer devora os habitantes.

A narrativa é permeada por reflexões constantes de Proto, que apesar de todas as dificuldades, está sempre se reavaliando e se redescobrindo e por ter perdido a memória procura completar suas próprias lacunas existenciais. Tudo isso é permeado por momentos cheios de tensão e terror em que sua vida fica por um fio, seja por recorrentes falhas em seus componentes artificiais quanto pela fragilidade de sua parte biológica. O fato de Proto ser mulher não é gratuito: a posição das mulheres nesse mundo não é melhor, nem pior, que a atualidade entrando de cabeça nas reflexões do autor sobre o que de fato muda na humanidade em condições adversas, quando não terríveis.

A ambientação, apesar de limitada pela visão de Proto, é justificada pela característica de isolamento dos nichos populacionais de sobreviventes que Proto encontra ao longo da história. Ao mesmo tempo que ela é uma espécie de pária por sua condição ciborgue e por sua amnésia, a falta de laços concede uma mobilidade libertadora. É no deserto que ela passa a perambular que temos essa noção de forma marcante.


A escrita é bastante direta na descrição das cenas mais fortes, passando a visão de naturalidade da realidade deste mundo. Essa mesma naturalidade passa uma falsa impressão de que a obra não é profunda nas reflexões pelo simples fato de Victor não ter uma escrita prolixa, tornando Epílogo uma leitura bastante acessível a qualquer leitor. Concluindo, considero a obra um achado em meio a tantas obras independentes lançadas em e-book, onde não é raro encontrar obras pouco lapidadas, para não dizer mais. Já o autor, espero que consiga ganhar os olhares das editoras pois seus dois livros independentes já mostram sua qualidade.



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terça-feira, 7 de abril de 2020

Resenha - Revista Quadrante Sul 10

Chegamos a resenha da, até então, última edição da Quadrante Sul. Edição que celebra o personagem Lucas Blood, o Predador. Um vigilante urbano que perambula pelas ruas sujas apenas com sua moralidade e violência para fazer justiça com as próprias mãos. Temos duas histórias do personagem que ironicamente não estampa a capa, podemos vê-lo apenas no canto superior esquerdo. O personagem foi criado em 1988 pelo gaúcho Carlos Fernando Ferreira. São 30 anos dá edição número 1 e 30 anos do personagem. Mas vamos as histórias.

A primeira se chama "Primeiras Vezes" e mostra planos urbanos interessantes e bem desenhados para depois mostrar um estuprador atacando uma mulher até que o predador intervêm. Na segunda história "Chaver" (amigo, em hebraico) o Predador recebe ajuda de um rabino das redondezas e faz amizade com ele. A história foca nas conversas e não tem ação, ao contrário da primeira história. Depois a edição traz uma entrevista com o fanzineiro Sérgio Toshihiro e conclui com uma matéria sobre a Fanzine Metrópolis. A edição é boa, apesar de preferir as que tem várias histórias curtas mas ainda assim é uma boa adição a coleção.


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