segunda-feira, 25 de abril de 2022

Resenha #232 - Fanfic (Bráulio Tavares)


"Fanfic" de Bráulio Tavares é uma coleção de contos do autor que é um dos melhores contistas da Ficção Científica brasileira. Aqui encontramos várias flash fictions, contos curtos que se tornaram a especialidade do autor em seu tempo de colunista diário no Jornal da Paraíba. Também temos alguns contos maiores, sendo o último, uma noveleta.  

Finegão Zuêra abre a coleção com uma pequena peça de experimentação linguística, para desestabilizar o leitor. O Homem que Perdeu Seu Reflexo acompanha o desaparecimento de um homem pela curiosidade da única pessoa que ainda se lembra de sua existência. Haxan é um conto cyberpunk que consegue trazer muita verdade nos personagens marginalizados ao narrar um pequeno grupo de jovens em uma noite de andanças reais e virtuais. Sete OVNIS é uma ficção curta em sete parágrafos onde cada um pinta retratos de pessoas comuns ao redor do mundo avistando o primeiro contato com vida alienígena. Fenda no Espaçotempo mostra seu Claudionor recebendo dois viajantes temporais. O conto curto ainda guarda uma revelação na última palavra. Concerto Noturno é um conto embebido no insólito onde Hugo Clementino, um pianista voltando após um concerto num país da Europa Oriental encontra o impensável quando volta ao seu quarto de hotel. A Estética Eliminacionista é outra flash fiction, que narra um método artístico que nos faz pensar na literatura como arte.

The Ghost in the Machine é um dos contos mais robustos da coleção. Acompanhamos Palídron, Yawin e o Professor Zohn em uma missão na Terra em um universo cheio de raças e culturas para levar o Professor a um ponto não revelado no início. O rítmo é ágil e o conto vem acompanhado de 28 notas que tanto podemos ignorá-las sem perder o fio da história, quando fazer pausas para conhecer melhor as coisas exóticas daquele mundo. Tudo isso num clima bem humorado das antigas ficções pulp dos anos 30-40. A participação de Trupezupe do primeiro conto é de deixar uma pulga atrás da orelha.

Universos Tangenciais é como se fosse um sonho narrado, bastante imersivo. Já em A Arca temos um conto de monovocalismo, que é uma modalidade em que todo o conto é escrito com uma única vogal. A Demanda do Bosque Sombrio traz um herói quixotesco que repudia os pobres mas que diferente dos moinhos podem revidar. A Propósito da Decifração Quântica nas Regiões Periféricas da Consciência é uma viagem pelo tecido rachado da realidade, tanto pela forma fantástica quanto pela mais cruel das realidades no Brasil. Ver um tema que aprendi a apreciar tanto em Philip K. Dick com uma abordagem tão própria quanto a de Bráulio Tavares é primoroso. 

O livro engrena uma sequência de narrativas curtas com Um Só Seu Filho explora o último desejo de um religioso que livre de todas as amarras faz um último pedido inusitado. A República do Recurso Infinito volta a explorar as rachaduras da realidade com a queixa de um cidadão com a burocracia. Novamente me cativou pelo tema que me encanta aliado ao estilo próprio do autor que fisga o leitor em poucas palavras. No Labirinto nos traz uma viagem que certamente foi vivida em sonho pelo autor, que tem um subconsciente tão criativo quanto seu consciente. O Vale da Maldição acompanha um grupo de exploradores de uma sociedade pós-apocalíptica que encontraram um artefato de tempos longínquos. A narrativa explora bem a estranheza dos exploradores enquanto tentamos identificar de onde vem os elementos da história. Gronk é uma peça bem humorada em que um ser estranho, parecido saído d'A Metamorfose de Franz Kafka não para de perturbar um humano. Aquele de Nós é um conto sobre um organismo que ignora a individualidade. Me fez relembrar a leitura de Homo Deus do Harari. O Polvo consegue prender com um enredo simples mas muito bem conduzido. Uma pesquisadora londrina é a primeira a questionar sobre o real causador do sumiço dos animais de um laboratório e, para fechar essa seção de minicontos, A Ilha do Meio que é outra peça tirada dos sonhos do autor, onde uma ilha é serrada ao meio mas um morador de um dos lados tenta observar o que há no outro lado.

Frankenstadt faz uma versão tecnológica da história clássica de Mary Shelley acompanhando um imenso monstro e repensando o que o torna um ser individual. Narrado de forma instigante até um final eletrizante, literalmente. Encerrando a coletânea O Molusco e o Transatrântico já foi publicado várias vezes. Eu li pela primeira vez na antologia Fractais Tropicais, já resenhada neste blogue: Acompanhamos um explorador espacial brasileiro em uma missão internacional pelo espaço em um estilo que lembra 2001, tanto pela forma de narrar quanto pela viagem profunda em um contato alienígena. Contudo, não se apegue nessa comparação. Bráulio vai por um caminho bastante instigante e parece que não vai levar a lugar nenhum até as últimas linhas, quando entrega um final de deixar pensando bastante.
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segunda-feira, 18 de abril de 2022

Resenha #231 - Rússia Steampunk: Batalha de Astana (André Wielgosz)


"Rússia Steampunk: Batalha de Astana" de André Wielgosz é uma aventura steampunk cheia de ação, com uma construção de mundo vasta e instigante, cheia de alternativas históricas ricas. O autor é historiador e membro do Conselho Steampunk e podemos ver essas duas influências se aliarem ao caráter fantástico de sua ficção retrofuturista.

Acompanhamos a história do prisioneiro 112.358 que está passando por um treinamento na Sibéria para reintegrar-se as forças militares do Império Russo em 1851. A comandante é a Marechal Ekaterina Romanova que abdicou do trono para comandar em campo. Logo descobrimos que o recruta 112.358 é o ex-tentente Andropov, enviado a Sibéria por traição em uma missão em Paris e recebe uma chance de provar seu valor em uma missão em Astana.

O formato de noveleta, em um livro de 60 páginas, toma a boa decisão de focar na ação e conseguiu colocar camadas para quem se dispuser a contemplar o contexto histórico alternativo. Há uma corrida armamentista que movimenta uma Guerra Fria entre os impérios russo e britânico, que se tornam objetivos das missões dos personagens que querem apenas sobreviver. Contudo, o leitor que deseja apenas ação estará bem servido. 
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segunda-feira, 11 de abril de 2022

Resenha #230 - O milagre do lírio (Clare Winger Harris)


"O milagre do lírio" de Clare Winger Harris é considerada a história mais famosa da autora que surgiu nas antigas revistas pulp dos anos 1920 nos Estados Unidos e que está sendo celebrada pela editora Cyberus com vários lançamentos de contos na Amazon. Inclusive com distribuição gratuita por alguns dias. Isso se repetiu com vários contos e consegui aproveitar vários dos seus contos. O primeiro deles que li foi "O milagre do lírio" que não foge as principais características das histórias contadas naquele tempo: histórias ágeis, com reviravoltas estrambólicas e com finais que buscam impressionar o leitor. Apesar de se aportarem na ciência do seu tempo, os leitores costumavam enviar cartas questionando a relevância dos aspectos científicos levantados pelos autores.

Hoje, as histórias soam como que saídas da série "Além da imaginação", e a revelação final de "O milagre do lírio" mostra bem isso. A história conta sobre a humanidade que trava uma luta contra uma evolução dos insetos que devoram lavouras e depois disso, as instalações que sustentam os humanos, além dos próprios humanos. Cada capítulo avança séculos na história e com a passagem do tempo, as comunicações evoluem e a raça humana consegue travar contato com os seres de Vênus que enfrentam um problema parecido. A resolução impressiona bastante e, como dito anteriormente, parece algo saído de "Além da imaginação", ou melhor dizendo, podemos ver a influência da literatura pulp na série. No mais é uma história divertida e bacana de ler, se você levar em consideração a época e contexto em que foi escrita.
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segunda-feira, 4 de abril de 2022

Resenha #229 - A Cor do Infinito (Editora Cyberus)



"A Cor do Infinito" é uma pequena coletânea de contos afrofuturistas, contando com apenas três contos. A proposta é sensacional pois é sempre bom ver que o afrofuturismo ter mais publicações e autores diferentes, criando e publicando histórias. Já faz um tempo que estou acompanhando as publicações, como podem notar neste blogue, principalmente dos autores Fábio Kabral e da Lu Ain-Zaila, os mais destacados autores do subgênero.

Nesta pequena coletânea, não há o que posso acrescentar, apenas aprender com os autores que demonstram saber onde querem chegar com o texto. Contudo, no que tange a literatura em si, os contos poderiam estar melhor lapidadas, pois as narrativas estão um tanto brutas. No primeiro conto "O Rei do Congo" de Lia Rodrigues, conta a história de Joel que volta formado em Direito para o interior do Espirito Santo, visitar seus pais passa por um processo de reconexão com suas raízes. A autora capixaba traz uma narrativa envolvente e bonita. Não há muita ficção científica porém o conto é bem conectado com o fantástico fechando bem o arco do protagonista.

Em "Anseio do Rei" de Wilson Carvalho, soa confuso por foca em um momento muito curto num fluxo de consciência do protagonista Nadlu momentos antes de um ritual religioso onde encara uma dúvida sobre usar ou não drogas para desempenho. Pesquisei sobre a festa com o termo usado no conto, Dongada mas achei apenas referência a Congada, que se encaixava na descrição do conto. Não sei se é uma mesma forma de referenciar a mesma festa ou se é outra ou, ainda, se é um erro de digitação. Quando tiver a informação retifico o comentário. Por fim, "O que querem as filhas e os filhos da África?" da gaúcha Diônvera Coelho da Silva, narra uma grande quantidade de eventos, desde o encontro entre o caboverdiano Bonami e a brasileira Aduke que tem uma filha chamada Oyri e seu papel como cientista após a extinção das abelhas. A história é boa porém detalha muito o início dos pais de Oyri e atropela os acontecimentos decisivos com a filha, deixando o conto inconstante. Gostaria de ver uma versão com a segunda metade do conto mais detalhada e extensa para imergir melhor neste futuro bacana de imaginar.

A ilustração da capa de Andrew Derr é muito bonita e chama a atenção para a leitura, porém alguns detalhes da edição poderiam ter sido vistos pela editora, como por exemplo, no último conto. Quando a autor menciona grupos como "ele/ela", é algo simples que uma leitura de apoio poderia ter evitado e isso é trabalho da editora. Também senti falta de um pequeno texto de apresentação da organização do livro e inclusive uma apresentação do editor, afinal quem escolheu e juntou esses contos? Espero ver mais cuidado com os autores nas próximas edições pois são estes detalhes que fazem toda a diferença.
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