segunda-feira, 28 de agosto de 2023

Resenha #300 Outros Brasis da Ficção Científica (Org. Davenir Viganon)


Para esta postagem de número 300, quero trazer uma resenha especial. A antologia que tive a honra de organizar foi a vencedora do Prêmio Argos de 2022 na categoria melhor coletânea/antologia. Estou falando da Outros Brasis da Ficção Científica, (2021), que abriu uma série de antologias temáticas de ficção fantástica que foi sequenciada pela Outros Brasis da Ficção a Vapor de 2022 e Outros Brasis da Ficção Cyberpunk, que está em produção. Porém para falar sobre a obra vou trazer o texto do Nelson Freiria publicado no excelente blogue Ficção Científica Brasileira. Boa leitura.

Tanto a FC quanto o Brasil são difíceis de definir, mas quando os vemos sabemos o que são. Ao mesmo tempo é necessário oferecer novas experiências ao leitor desse gênero: experiências brasileiras. É preciso não se prender a convenções enraizadas. Podemos buscar novas visões de mundo, buscar elementos regionais de Brasis distantes. Podemos expandir nossas formas de escrita, novas linguagens, que são exploradas por outros gêneros há bastante tempo. Todas essas inovações já estão aparecendo na FC brasileira e temos uma pequena amostra delas nos contos selecionados aqui. [Trecho do prefácio]

Em meados de 2021, a coletânea de contos Outros Brasis da ficção científica chegou como uma grata surpresa na literatura de ficção científica nacional. Enquanto o país atravessava o pior momento da pandemia de Covid-19, o livro organizado por Davenir Viganon achou caminhos para tocar os leitores, apresentando-lhes diferentes cenários brasileiros ou abrasileirados, diversos perfis sociais e uma grande diversidade de temas. Tudo isso em uma obra de apenas duzentas páginas.

Composta por catorze contos, sendo seis de autores convidados, sete de autores selecionados e um do próprio organizador, há narrativas de todos os tamanhos e gostos. A obra apresenta uma boa dose de crítica política, algumas vezes se relacionando com o momento de crise sanitária e a polarização que o Brasil vive nos últimos anos. Mas a coletânea também dialoga muito bem com naves espaciais, o planeta Marte, órgãos artificiais, plantas conscientes, distopia, sexualidade e muito mais. É nessa mistura de sabores que o livro consegue representar nosso país, que é plural em todos os sentidos.

Além de extrapolar a atualidade para nos trazer boa literatura, os contos, em sua maioria, também revelam os novos caminhos da ficção científica nacional, expondo as preocupações e os valores de autores que buscam narrativas cada vez menos engessadas, cada vez menos obedientes a padrões. Além disso, também há espaço para o cômico, um traço bastante comum em nossa literatura, e que permeia várias das histórias de Outros Brasis da ficção científica, oferecendo uma leitura bem à brasileira, sem jamais se esquecer das questões tecnológicas.

 A coletânea conta com alguns bons e conhecidos nomes, como Fábio Fernandes, Claudia Dugim e Gilson Cunha. Também apresenta alguns autores mais recentes, que vêm se destacando e conquistando espaço nas prateleiras, a exemplo de Lu Ain-Zaila e Ricardo Celestino. Não poderia deixar de citar, é claro, o inenarrável Luiz Bras, também entre os autores convidados. Mas o que mais me surpreendeu durante a leitura foi a ousadia dos sete autores selecionados ao explorar novos temas e estilos.

É incrível notar como todas as histórias são estruturadas com o sentimento de brasilidade, seja em elementos maiores ou menores, mas que causam facilmente a sensação de familiaridade nos leitores, seja nas atitudes dos personagens e nas situações que vivem, ou em como certos aspectos influenciam todas as coisas, por exemplo, a complicada política de nosso país. Talvez a melhor descrição desse aspecto esteja nas palavras do próprio organizador: “Por uma FC brasileira que transpire Brasil”.

Outros Brasis da Ficção Científica é a estreia de um novo selo dentro da Editora Caligo. O trabalho de edição foi altamente competente, tanto nas escolhas dos autores pelo organizador, Davenir Viganon, quanto pelo trabalho de edição da equipe capitaneada pela editora Bia Machado. Sem falar da belíssima ilustração de capa selecionada pelo designer Pedro Viana.



 


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segunda-feira, 21 de agosto de 2023

Resenha #299 Piritas Siderais (Guilherme Kujawski)


Piritas Siderais, (1994) do Guilherme Kujawski é uma das obras precursoras do tupinipunk, que é a aproximação do cyberpunk para o Brasil. Digo aproximação, pois o cyberpunk brasileiro tem preocupações diferentes do americano. No caso de Piritas Siderais é vemos uma preocupação com a com a linguagem e com a subversão do próprio gênero, para transportar o leitor para um futuro próximo embebido de tecnologia com uma interpretação da espiritualidade.

O Brasil de piritas siderais é despido de sua casca cristã, assumindo seu interior iorubá. As cidades são regidas por orixás e o mundo é estacionado numa necessidade de reconstrução. A obra é curta, mas sua linguagem exige do leitor, principalmente no primeiro terço, onde os mundo e Zé Seixas e Terêncio Vale, (os protagonsitas) são apresentados. Uma vez imerso, a história bastante simples avança e conhecemos os vilões da obra, Maria Gonçalves e Berzelius Baldwin que lhes oferecem um trabalho que sabemos que vai dar merda. O que não deixa de ser um padrão de histórias cyberpunks. Personagens financeiramente na merda que aceitam trabalhos ruins que os colocam em situações muito ruins. Contudo, aqui o objetivo é satirizar ao extremo. Os personagens são engraçados, ridículos e as situações também. A linguagem é difícil, pois é experimental e compensa o leitor com uma história simples, pois permite o leitor se jogar no quebra-cabeça linguístico, sem tropeçar em um quebra-cabeça no enredo.

Minha recomendação é ler o livro com a mente aberta. Espere humor, aproveite cada frase pelo que ela inspira e siga lendo sem se preocupar com o tempo. São 136 páginas que passaram rápido e vão ficar na sua cabeça por algum tempo. Vai deixar confuso o leitor acostumado a leituras mais lineares, então é bom separar esta leitura para quando você estiver na vibe de algo diferente. Caso contrário deixe para depois. Eu fiz isso e valeu a pena.

Vou deixar o linque de outra resenha, de quem entende mais que eu sobre o livro, o Luiz Brás com uma versão em pdf da obra para quem quiser ler também!
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segunda-feira, 14 de agosto de 2023

Resenha #298 O Espadachim de Carvão e a Voz do Guardião Cego (Affonso Solano)


Quase uma década após o lançamento de O Espadachim de Carvão, chega a sequência direta a história de Adapak e o mistério sobre o que ele é. Houve um segundo livro que voltava no tempo e acompanhava um ladrão lendário chamado Puzur, mas apenas agora ficamos sabendo o que aconteceu com Adapak após o final nada conclusivo do primeiro livro. Aliás, esse foi o que acredito o que menos gostei na obra. O final ficou abrupto e tudo ficou como se fosse um bom final de temporada de série mas não de um livro. Neste livro III, A voz do Guardião Cego, sinto informá-los que a história está longe do fim, porém o final foi muito menos abrupto e nos deixa muito mais interessado em saber o que vai acontecer. Resumindo, foi a mesma coisa, mas foi melhor feito.

Falei do final, mas não do início. Acompanhamos Adapak, filho de uma das quatro divindades de Kurgala (o mundo onde tudo acontece) logo após o seu sequestro por uma seita que acredita ter encontrado a reencarnação do seu profeta. Agora ele tem que lidar com o fato de que agora tem quatro esposas, fêmeas de quatro raças, destinadas a ter filhos que cumpririam uma promessa feita pelo profeta. Enquanto isso, Sirara, a pirata que havia salvo e depois perdido Adapak vai fazer de tudo para resgatar seu amigo (ou seu amor?) e pede ajuda para Jarkennun um antigo membro da tripulação do barco de Sirara que havia traído o antigo capitão, pai de Sirara, para ajudá-la a encontrar Adapak. O livro alterna entre o ponto de vista de Adapak, de Sirara e também de cartas escritas dos notários das esposas do profeta.

Aqui temos outra excelente aventura, conduzida com mais habilidade pelo autor. Apesar dos anos que separaram a leitura das obras, as raças inusitadas e bem concebidas, e toda a estranheza que é explorar Kurgala, foi uma experiência muito fluida e divertida. As ilustrações com personagens de raças diferentes ajudaram bastante a imaginação. O mapa mais detalhado é bem vindo, inclusive ele não está na primeira página, como tradicionalmente fica, assim como tudo em Kurgala foge e homenageia ao mesmo tempo ao gênero fantasia. Isso é evidente nas histórias que Adapak adora (Tamtul e Magano) e na própria construção desse mundo. É uma excelente leitura de praia e pode ser lida para relaxar e divertir. 
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segunda-feira, 7 de agosto de 2023

Resenha #297 A sombra da Rua do Arvoredo (Davenir Viganon)


[Resenha escrita por Alex Oestreich]

A história a qual somos apresentados no belo conto do Davenir é um relato epistolar e ficcional, baseado em fatos. Neste caso, Os "Crimes da rua do Arvoredo" que foram episódios reais e insólitos que ocorreram na capital gaúcha entre os anos de 1863 e 1864. Pessoas eram atraídas por uma bela jovem até um local onde eram desacordadas e mortas. Após serem esquartejadas, sua carne era utilizada para a fabricação de linguiças que eram consumidas pela população em geral. (A famigerada rua do Arvoredo foi rebatizada e hoje é conhecida por "Rua Coronel Fernando Machado).  

O relato é de um chefe de polícia de uma Porto Alegre Steampunk nos anos de 1863-1864. Dario Callado, um homem moderno em todos os sentidos. Traz para a capital gaúcha o que há de mais recente em métodos científicos. Inovador, aplica seus conhecimentos à investigação policial e com isso, se destaca de toda a força policial de seu tempo. No entanto, Callado acaba se envolvendo na investigação de uma série de crimes grotescos, que vão acabar exigindo de si o máximo de entrega e colocando sua perspicácia a prova.

Ambientado numa Porto Alegre steampunk, somos apresentado à uma paisagem que remete a virada do século XIX. Em que ao mesmo tempo que carruagens puxadas a cavalo podem ser vistas como algo comum, suas ruas populosas e sua rotina provinciana se mescla com a "tecnologia" a vapor e as mais modernas descobertas científicas do período.

O conto é eletrizante e te prende do início ao fim. Cada nova descoberta, narrada por Callado, nos faz vibrar e cria uma expectativa que é muito bem conduzida pelo autor. A narrativa é fluída e joga muito bem entre a narrativa epistolar de Callado e as cenas de ação e suspense que nos são contadas.

O conto é uma espécie de prefácio de outra história maior que irá acompanhar a trajetória do filho do protagonista (Thedorico). Esta história foi lançada pela editora Caligo na coletânea chamada: "Outros Brasil da Ficção a Vapor".
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