segunda-feira, 12 de dezembro de 2022

Resenha #264 Encruzilhadas (Pedro Viana)


"Encruzilhadas" de Pedro Viana (hoje assina como Pedro Crunivel) é uma coleção de contos que tem como tema principal o destino. São sete contos que tem uma linha muito fina com o sobrenatural e dependem de você acreditar nos seus depoimentos. Os contos estão presentes no mesmo universo, mas não para montar uma narrativa única, como num romance fix-up (como em Território Lovercraft, pro exemplo) mas para evidenciar essas linhas de destino que se cruzam caprichosamente o tempo todo. 

O Grande Clapton é o conto de abertura e o mais curto do livro. Acompanhamos uma investigação sobre um caso da morte do mágico conhecido como Grande Clapton, que supostamente morreu durante um de seus truques, porém como parte dos mistérios de um mágico esta morte passou a ser contestada. É difícil falar mais sobre o conto sem estragar as revelações que são de tirar um riso do canto da boca ao final da leitura.

A Vidente acompanha a história de Cordélia, uma vidente charlatã bem sucedida, que começa a revisitar as mágoas do passado. Sua maior dor é a filha que abandonou e nunca mais conseguiu rever. Contudo, o destino abriu uma porta que a coloca entre a vida de uma inocente e um serial killer. Achei a protagonista muito bem desenvolvida o que ajudou muito na segunda metade do conto para termos a empatia necessária para nos envolvermos com seu dilema.

A Bailarina acompanha Douglas, um pacato funcionário de uma loja de móveis que encontra uma boneca em uma venda de garagem para dar de presente de aniversário a esposa, Rosa. Porém, o presente continha uma maldição de conceder os mais perigosos desejos. No caso de Douglas, uma esposa bonita, rica que o sustentasse para que ele não precisasse trabalhar. Novamente temos o autor abrindo espaço no conto para trazer o outro lado de um personagem que aparentemente é apenas mais um escroto genérico, mas com seus dramas e nuances, ainda que não sirvam de desculpa para suas atitudes e caráter o tornam crível e palpável. Isso nos deixa mais curioso a respeito da jornada sinistra de Douglas.

A Coisa no acampamento acompanhamos Calebe que acorda com seu marido Rodrigo e não o reconhece mais. Passamos então as cartas deixadas para Calebe escritas por Rodrigo que é militar e comandante de um pelotão que está investigando uma área que foi isolada por causa de um fenômeno paranormal. O formato de carta é muito bem explorado pelo autor tornando este um dos contos deste livro que mais me envolveu.

Para você com meu eterno amor acompanha Camilo Sampaio em seu recente luto pela perda de sua esposa. Amanda era a médium do casal enquanto Camilo tinha conhecimento de ocultismo e ambos faziam investigações paranormais. Porém uma semana após a morte de Amanda, Camilo recebe um pedido de uma mulher para que o investigador salvasse sua filha de um demônio. Camilo, entre a dor do luto e a negação de sua vocação, acaba aceitando investigar e se descobre em uma trama envolvendo a polícia, demônios e um espirito protetor. Como no primeiro conto, as revelações são importantes, mas aliadas ao bom desenvolvimento dos personagens e uma trama que de fato não sabemos onde vai chegar. Meu conto favorito do livro.  

Folhas e Sombras conta a história de Paula, uma escritora que após um romance de sucesso, não conseguiu repetir mais o sucesso e, depois, sequer terminar um romance novo para tentar reencontrar o sucesso. Além do fracasso na carreira como escritora, Paula estava separada do marido e morando numa casa alugada em péssimo estado. Após um sonho, entretanto, Paula começa a escrever um romance sem saber das consequências e do preço a pagar. Não há mistério sobre o que amaldiçoa Paula, mas quem e o que será feito dela é o suficiente para manter a atenção do leitor. Muito bom!

Sob os olhos do tempo é o conto que conclui o livro e é a única história que se passa no futuro. Sandro é um investigador aposentado de uma época em que ainda havia assassinatos. Um velho companheiro, ainda na ativa o coloca de volta a ativa para resolver um assassinato de um cientista polêmico. Os caminhos da investigação tornam este o conto que mais me surpreendeu no livro, pois fugiu do conto de investigação padrão e se aprofundou no mundo sobrenatural que permeia todo o livro. Foi um bom encerramento!
Leia Mais ››

terça-feira, 6 de dezembro de 2022

Resenha #263 Um cântico para Liebowitz (Walter M. Miller Jr.)


"Um cântico para Liebowitz" é uma das distopias mais importantes da ficção científica. Escrita pelo ex-combatente estadunidense da 2GM, Walter Miller Jr. ela aborda de maneira irônica e pessimista sua visão da civilização humana como insistentemente autodestrutiva. O catolicismo do autor e suas experiências como aviador na guerra, estão muito presentes neste livro. 

A obra reuniu três crônicas, que juntas mostram três momentos da civilização humana após um holocausto nucelar. Como muitas obras escritas durante a Guerra Fria, (Um cântico para Liebowitz é de 1960) o medo de uma guerra nuclear entre EUA e URSS era muito presente no imaginário da época. Contudo, o autor consegue centralizar a civilização em suas histórias e manter o livro atual e relevante. Sua visão de uma civilização cíclica e autodestrutiva, consegue transmitir a densidade que a reflexão merece somadas a forma irônica e muitas vezes tragicômica em vários momentos.

A primeira parte é Fiat homo, (Faça-se o homem) e se passa 600 anos após o fim da civilização como conhecemos e acompanhamos a vida do novato Francis da ordem do Beato Liebowitz, quando este encontra documentos escondidos em um antigo abrigo nuclear que são vestígios da antiguidade. O mundo reconstruído sobre as cinzas da era moderna é uma sátira da medievalidade europeia, onde os copistas preservam o conhecimento mesmo sem saber o seu significado. Esses documentos são reunidos e guardados hermeticamente são chamados de Memorabília. Estes documentos são os únicos registros preservados de uma era em que todo o conhecimento e os letrados eram caçados, destruídos e mortos.

A segunda parte, Fiat lux, (Faça-se a luz) representa o renascimento, onde um escolástico cientista Matteo procurando estudar os documentos da Memorabilia, na abadia de São Leibowitz e poder fazer avanços científicos com eles. Contudo, em meio a guerra entre duas potências militares emergentes de Denver e Texarkana, coloca em perigo este potencial cientifico. Por fim, a última parte, Fiat voluntas tua (Faça-se a tua vontade) se passa 700 anos após a segunda parte e mostra a humanidade evoluída tecnologicamente, explorando planetas e também envolvida numa guerra fria entre duas potências nucleares. Acompanhamos o abade de São Leibowitz organizando uma missão para colonizar um planeta de alfa centauro, com missionários que levarão a Memorabília, tendo em vista o conflito nuclear como inevitável.

O autor consegue deixar uma sensação de desperdício constante e não deixa de ironizar a ciência que se coloca como única aliada da razão, quando muito conhecimento foi preservado com ela e muitas inovações científicas partiram destes conhecimentos mas em contrapartida o avanço científico resultou apenas na destruição sem fim. Desta forma, longe de um pessimismo vazio ou uma crítica simplista, temos nesta obra uma reflexão poderosa sobre a medievalidade europeia e a religião em nosso tempo, mesmo que nosso autor puxe sua sardinha para o catolicismo.


Leia Mais ››

segunda-feira, 28 de novembro de 2022

Resenha #262 O Esplendor (Alexey Dodsworth)


"O Esplendor" (2016) é uma obra que podemos classificar como Hard Sci-Fi, pelo enfoque na especulação usando as ciências exatas e biológicas, como as grandes obras clássicas dos mestres da ficção científica, como Arthur C. Clarke ou Asimov, por exemplo. Uma qualidade que adoro nas obras deste autor é a capacidade de nos submergir em grandes passagens de tempo e contemplações de proporções gigantescas. Contudo, Alexey faz isso com uma identidade própria, sem perder de vista as raízes brasileiras mesmo que sua história se passe distante daqui no tempo e espaço. Ou seja, temos uma ficção científica hard sem o mofo das histórias clássicas de décadas atrás.

A historia se passa em Aphriké, um planeta banhado pela luz de seis estrelas que o impede de conhecer a escuridão da noite. Lá vivem seres melaninados em uma sociedade de telepatas que desconhecem a privacidade e o próprio conceito de dormir. Porém tudo está prestes a mudar com o nascimento de uma criança capaz de sonhar e dormir. Como trata-se de um livro longo, o autor usa bem o espaço para nos inserir nas estruturas sociais de Aphriké onde o trabalho é dividido Ilês - um tipo de guilda ou soviete, porém em uma estrutura muito mais rígida. Contudo este é um mundo dividido. De um lado a capital é Irridiscente onde o líder o Supreme 1920 lidera com suposta benevolência e do outro Kalgash, onde vivem um povo rebelde liderados por Lah-Ura 23.

A estrutura rígida de Irridiscente os isolaram a ponto de não acreditarem haver nada além do próprio planeta e negarem a existência do universo. Tal pensamento é considerada uma heresia do povo de Kalgash. O Esplendor é uma história complexa mas que entrega todos os elementos para que possamos compreendê-la, logo não é prolixo, muito menos é desnecessariamente complicado. Contudo, vai exigir do leitor atenção para que possamos viajar pelas estruturas sociais e entender o que de fato está em jogo para os personagens. O livro fecha muito bem com a obra anterior, Dezoito de Escorpião formando um dueto bem amarrado, mas nem por isso o torna um pré-requisito para a leitura de O Esplendor. A verdade é que Dezoito de Escorpião acaba funcionando tanto como continuação quando como prequela a Esplendor tanto que o primeiro livro já entrou para a lista de releituras. Este universo criado por Alexey é bastante rico e gostoso de acompanhar, felizmente está para sair uma HQ ambientada neste universo chamada Saros 136 e certamente veremos aqui no blogue!
Leia Mais ››

segunda-feira, 21 de novembro de 2022

Resenha #261 Savage Worlds nº1 (Jerry Souza)


Savage Worlds é um projeto de Jerry Souza, expandindo sua publicação principal, a fanzine Profecia, agora focado no gênero "Espada e Feitiçaria". Essa edição é distribuída gratuitamente tanto na forma física como na digital. Obviamente a edição física é distribuída de acordo com a tiragem que o editor se dispuser a imprimir. O leitor pode ler e cadastrar-se para receber os números físicos, em "www.profeciacomics.com".

Neste primeiro número acompanhamos o início de duas histórias, a primeira é com um personagem conhecido no meio independente, Peryc, o mercenário dos pampas que vive num mundo pós apocalíptico que faz uma homenagem a Conan, mas que a cada história vai ganhando personalidade. A história é baseada no romance Crepúsculo do editor Jerry Souza, de 1990. Não achei informações sobre a obra, mas temos um vislumbre de que seja uma história de piratas pelo início se passar no mar onde Peryc trabalha como marinheiro e acaba sendo desafiado por um soldado profissional. Gostei muito do traço, ressaltando a selvageria deste mundo e dos momentos de reflexão que abrem bem o apetite pelo desenvolvimento. Continuo acompanhando os volumes seguintes que serão resenhados aqui.

A segunda história, se chama "Mundos em Conflito" e abre as "Crônicas Proféticas de Brandar". Trata-se de uma história bastante curta onde nosso herói começa preso por um império que o força a aceitar uma proposta sob pena de castigos terríveis. Aguardo a segunda parte pelo desenvolvimento que promete bastante.
Leia Mais ››

segunda-feira, 14 de novembro de 2022

Resenha #260 Sombras e Ecos (J.M. Beraldo)


"Sombras e Ecos" é a terceira obra de fantasia da série Reinos Eternos, que iniciou com o sensacional Império de Diamante protagonizado pelo mercenário Rais Kasim, o sacerdote Adisa, o fanático Mukthar Marid e o estadista Zaim Adoud em Myambe, seguido de Último Refúgio onde continuamos a acompanhar o mercenário Rais Kasim e sua namorada Vema Thevar. Agora voltamos a acompanhar Kasim, que agora não é mais Rais e foge do seu passado novamente e desta vez vai parar em Duralan no extremo sul do mundo. 

Duralan é uma cidade portuária de um continente gelado - desta vez é baseado na mitologia himalaia e polinésia. Assim como as áreas habitadas no extremo norte, temos uma longa noite e um longo dia com seis meses cada. Na época noturna o porto é fechado pelo clima congelante, e é nessa situação que Kasim se encontra. Ele recebe a missão de proteger Huirau Huepo, um locchava (historiador de memórias do governo) capaz de acessar as misteriosas memórias que perambulam pela cidade. Podem ser vistas e ouvidas mas não podem ser tocadas. Contudo, uma delas aparentemente causou a morte de uma locchava e Huirau foi destacado para investigar o caso.

Somos apresentados a um novo continente, com sua própria geopolítica e cultura muito bem exploradas pelo autor durante a obra, nos proporcionando uma viagem fascinante e fantástica. Diferente dos outros livros da série, temos uma trama policial focando, não em aventuras separadas que se encontram no final do livro, mas nos dois protagonistas tentando se ajudar, resolvendo suas diferenças culturais e de afinidade enquanto procuram o assassino da locchava. O pano de fundo político dos Onze Reinos e as demais potências do continente é bem explorado e se torna interessante pois contribuem para as perguntas que os investigadores fazem e se deparam, pois o assassinato logo ganha uma dimensão política muito forte.

Acredito que o autor dividiu bem o protagonismo entre Kasim e Huirau, mesmo sabendo que a centralidade da série é de Kasim e a deste livro de Huirau. Gostei também da característica episódica do livro pois não temos um ciclo fechado de Kasim e ainda espero vê-lo em muitas aventuras. Enquanto a próxima aventura não vem, lerei o livro de contos "Oceano dos Mil Deuses"!

Leia Mais ››

segunda-feira, 7 de novembro de 2022

Resenha #259 Juca Pirama (Enéias Tavares)


"Juca Pirama" Enéias Tavares é outra obra de seu universo Steampunk, iniciada em Lições de Anatomia do Temível Dr. Louison. Desta vez a aventura se passa em São Paulo, ou melhor São Paulo dos Transeuntes Apressados e tem um ritmo bem diferente das suas outras obras. Como dito no prefácio, a intenção era de uma obra que funcionasse também no audiovisual e assim temos uma obra ágil na escrita, ainda que emule o modo de falar do séc. XVIII, e tem um enredo mais simples.

Desta vez não temos um personagem clássico da literatura brasileira adaptado ao universo Steampunk, mas as referências e o paralelismo do herói Juca Pirama do poema clássico, com este personagem novo funciona muito bem. Ao início de cada capítulo temos um trecho importante do poema abrindo o capítulo. Conhecemos Juca Pirama, um anti-herói brasileiro, um jovem malando que tenta se virar com o que tem, com as habilidades das ruas, marginalizado por essência, dotado de uma vontade de viver imensa. Temos um personagem carismático que se viu envolvido em uma trama de assassinados e sede de poder. As reviravoltas podem até ser revolvidas pelo leitor mais atento mas aqui a aventura é o elemento mais apurado. Sempre fui crítico do Steampunk que aprecia a estética pela estética e esquece o elemento transgressor que faz o "punk" fazer sentido. Nosso protagonista, tanto deste livro como do poema clássico de Gonçalves Dias, são dignos da herança de rebeldia do precursor do subgênero, A Máquina Diferencial.
Leia Mais ››

segunda-feira, 31 de outubro de 2022

Resenha #258 Um certo soldado (Clare Winger Harris)



"Um Certo Soldado" de Clare Winger Harris é uma das histórias da autora que surgiu nas antigas revistas pulp dos anos 1920 nos Estados Unidos e que está sendo celebrada pela editora Cyberus com vários lançamentos de contos na Amazon. Este é um dos contos que foram lançados e o segundo da autora resenhado aqui.

Em Um certo soldado acompanhamos dois historiadores em viagem de pesquisa em Roma, Itália para buscar a identidade de um soldado desconhecido, acusado de ter colocado fogo num templo judeu. Um deles acaba acometido por visões que o ajudam com pistas da identidade do certo soldado. O conto é relativamente curto e tem tudo que um bom episódio do além da imaginação precisa. Principalmente nas visões do passado influenciando o futuro. Algo que tenho certeza que teria agradado Philip K. Dick.
Leia Mais ››

segunda-feira, 24 de outubro de 2022

Resenha #257 Profecia nº31 (Jerry Souza)


A fanzine Profecia é de autoria do experiente fanzineiro Jerry Souza. Seu trabalho foi-me apresentado pelo premiado fanzineiro Denílson Reis. O projeto me chamou atenção pelo formato maior, colorido, com papel de qualidade e gratuito. O leitor curioso pode fuçar o site www.profeciacomics.com.br e inscrever-se para receber os volumes em casa ou baixar para ler online ou no leitor digital.

No volume 31 abre com "O pássaro que defecava ouro" que conta a fábula de um caçador que encontra o tal pássaro e consegue capturá-lo e trazer ao seu rei. O final eu achei bastante engraçado e as cores muito bonitas. Tem textos e história de Alex Stümer e cores e letras de Fábio Lopes. A segunda e maior historia da edição é uma republicação do nº2, d'O Exterminador, um caçador que vive em uma Terra ocupada há muito tempo por uma raça alienígena hostil. Temos um herói brutamontes clássico e um final que me surpreendeu. Tem textos e história de Alex Stümer e letras de Alex Dueprre. Encerrando o volume, uma republicação do nº 3, "O que é medo?" onde um rapaz do nosso tempo é abordado por um velho misterioso vestido como mago que começa a instigar o rapaz a abandonar o medo. Textos, artes e cores são novamente de Alex Stümer e Alex Dueprre.

De uma forma geral adorei a revista e da qualidade gráfica do material. Gostei de ver uma história completa mas mesmo assim já quero ler os outros volumes do site que está bem completo com informações dos personagens. Recomendo demais uma visita ao site!
Leia Mais ››

segunda-feira, 17 de outubro de 2022

Resenha - Revista Peryc, O Mercenário nº 4


Vamos continuar a saga de resenhas pela saga de Peryc, O Mercenário. Personagem criado pelo fanzineiro Denílson Reis que além deste volume próprio, e espalhado na fanzinesfera, também está na Revista Savage Worlds, de Jerry Souza, editor da Revista Profecia, ambas serão resenhadas aqui em breve!

O número quatro do bárbaro dos pampas, temos as continuações de dois arcos que vínhamos acompanhando nas edições anteriores, mas antes disso temos uma arte de página inteira de Rom Freire do Maranhão, onde Peryc está sob uma fera abatida. Depois, temos "A Batalha Final" onde a aventura de Peryc pela África que envolveu intrigas palacianas e uma serpente de areia gigante, chega ao fim com uma batalha onde Adebaior invade o castelo da Rainha Amara. Gostei do desenlace da batalha e as cenas do combate final ficaram muito boas. A história é de Denilson Reis, com artes de João Paulo e Letras de Anderson ANDF.

"Os Bárbaros disseram..." trás uma resenha da Peryc nº3 por Fabrício Lima e um comentário de Sandro Andrade, sobre a história que mais gostei do mercenário até então, seguido de uma arte de página inteira do mesmo autor. Depois, uma seção de artes de Peryc por artistas de todo o Brasil totalizando vinte artistas.   

"Profecia da Morte" segue com o Mercenário em Pedras Negras, mas em uma nova História iniciando de forma contemplativa até que Peryc se depara com uma Bruxa que faz uma proposta que Peryc não consegue aceitar. O final trouxe uma surpresa bacana e deve continuar no próximo número. A História e artes são de Gervásio Santana e Letras de Anderson ANDF. Por fim "Arco e Flecha" encerra com uma historieta de uma página de Peryc com Spindler, vivendo seu amor nos Pampas, a casa de Peryc.
Leia Mais ››

segunda-feira, 10 de outubro de 2022

Resenha #256 Binti Trilogia Completa (Nnedi Okorafor)


"Binti" (2021) é uma trilogia de novelas de 2015, 2017 (Home) e 2018 (The Night Masquerade) que chega ao Brasil lançadas num único tomo. Felizmente a editora não tentou explorar a obra como uma trilogia comum, uma vez que a autora não pensou nas três novelas desta forma. Meu bolso agradece.

Uma vez que eu li as três novelas de uma vez só, é difícil separá-las e analisá-las em separado, principalmente a segunda e a terceira parte, que foram escritas após o sucesso da primeira. A primeira parte acompanha Binti, uma matemática brilhante pertencente ao povo Himba que foi aceita na UniOomza a universidade mais prestigiada da galáxia que fica a anos-luz da Terra. Seus problemas começam pelos Himba serem um povo tradicionalista e muito arraigado ao deserto, não permitindo que seus membros saiam da cidade de Osemba, que dirá do planeta. Binti, sentindo a necessidade de conhecer o mundo, sai mesmo sem autorização. No embarque já vemos que este mundo de Binti é fora dos padrões estadunidenses de ficção científica. A nave é um animal vivo que sobrevive no espaço, e comporta toda a estrutura para vida, chamado Terceiro Peixe. Binti faz vários amigos humanos durante a viagem e tudo parece um episódio de malhação até que uma chacina brutal feita por uma espécie de medusas guerreiras, deixando apenas Binti e o piloto da nave vivos. Binti consegue sobreviver apenas por causa de um objeto antigo, um edan, que repele as medusas e possibilita que ela consiga se comunicar com elas dando a chance de negociar pela própria vida.

Na segunda e terceira partes, tem um ritmo mais lento e não envolvem uma exploração espacial como eu esperava. Binti volta para casa após concluir o primeiro ano na UniOomza e se vê novamente em meio a guerra Khoush-medusa. Os Khoush são outro elemento importante no mundo de Binti, pois são o povo dominante na Terra. São brancos e negros vivendo sob um império que rejeita o tradicionalismo dos Himba e do Povo do Deserto, que por sua vez é considerado bárbaro tanto pelos Khoush quanto pelos Himba. Contudo, Binti, após ter parte do DNA das medusas fundido com o seu e se tornar elo entre esses povos, também descobre que tem sangue dos nômades do deserto. Alías, a transformação de Binti ao longo da história é constante. Não apenas física quanto de mentalidade. Uma metáfora para as transformações que os negros foram submetidos (muitas vezes contra a sua vontade) ao longo da história. A história revolve o passado de Binti para que ela solucione os problemas do presente da melhor forma que ela consegue. Essa passagem da adolescência para a fase adulta da vida, é um tema em comum de obras YA (Young Adult, Jovem Adulto) mas para um leitor mais velho como eu, que não se comove tanto por obras retratando um adolescente tenta encontrar um lugar no mundo, Binti não soa adolescente de 17 anos que é. Acredito que isso se dê pelas experiências de amadurecimento forçado que mulheres em geral tem principalmente em comparação aos homens, amplificadas pela situação da personagem.

O mundo de Binti é muito instigante pois a revelação de tecnologia escondida sob uma pretensa inferioridade dos Povos do Deserto foi explorada com riqueza. Alías riqueza define bem esse mundo cheio de formas convivendo, principalmente na UniOomza. Infelizmente não vemos mais desta universidade em Binti. Os coadjuvantes também contribuem como catalizadores das transformações da protagonista mas não tem seus próprios arcos tão bem desenvolvidos. Okwu, a medusa tem a estranheza e carisma que só uma criatura nada mamífera poderia ter. Dele e Mwinyi, representam seus povos, Himba e do Deserto. Dele tem um arco próprio mas aparece muito pouco enquanto Mwinyi aparece mais mas é apenas um guia. Mesmo não tendo um desenvolvimento próprio eles soam bastante reais e não desviam o foco que é em Binti. Acho uma característica perdoável em uma trilogia de novelas pois não há tanto espaço.

O salto geral é bastante positivo. A saga encerra-se bem sem necessidade de continuações, pois se para uma boa história o protagonista precisa encerrar de forma diferente de como começou, Binti faz seu dever de casa com louvor, pois o que mais acontece com ela são transformações.
Leia Mais ››

segunda-feira, 3 de outubro de 2022

Resenha #255 O mistério da contrabandista (Ana Rüsche)


"O mistério da contrabandista" (2021) é um conto lançado solo na Amazon pela autora de A telepatia são os outros, Ana Rüsche. Aqui acompanhamos um pequeno robô de serviço numa espaçoporto no cinturão de asteroides. Ele se intriga com uma robota que age muito diferente dos outros, pois ela ostenta uma forma antropomorfizada com o gênero feminino, cabelos roxos além de ser uma leitora voraz e questionadora das realidades estabelecidas pelo robozinho. A ambientação e a escrita são bem leves e gostosas de se ler num conto curto, criando o clima que ajuda a cativarmos pelo protagonista e a misteriosa robota, que não é como qualquer outra, não se esqueça!
Leia Mais ››

segunda-feira, 26 de setembro de 2022

Resenha #254 A Espinha Dorsal da Memória (Bráulio Tavares)



"A Espinha dorsal da Memória" (2020) é a principal obra do escritor Bráulio Tavares onde o vemos na sua melhor modalidade, o conto. Minha edição é da editora Bandeirola que relançou a obra após campanha de financiamento coletivo repartindo a obra original em duas. A primeira de mesmo nome e Mundo Fantasmo. Este volume tem duas partes. A primeira estão agrupados contos curtos com temáticas bastante variadas onde podemos ver o autor com uma escrita muito acima da média na FC brasileira. Na segunda parte temos contos que giram entorno d'Os Intrusos, uma raça alienígena que aparece a Terra e abala profundamente nossas crenças em tudo. Vamos aos contos em separado. 

Parte I

"Mal-assombrado" é um conto muito curto. Um homem reflete em meio ao medo que o domina sobre criaturas que poderiam surgir das sombras.

"Os Ishtarianos estão entre nós" é um punhado de reflexões que fazemos em momentos de solidão, porém refinadas e cheias de ironias divertidas que só poderiam ter saído de um escritor de Ficção Científica.

"Catálogo de exposição" uma viagem num museu futurístico com todas as bizarrices que você não poderia imaginar. Gosto da constante sensação de estranhamento ininterrupta que o autor promove durante toda a leitura.

"História de Maldun, O Mensageiro" um conto sobre a memória por um senhor que tenta lembrar uma aventura de sua época de menino em plena idade média após a dissolução dos califados árabes. A falta de elementos e credibilidade do relator atiçam a curiosidade ao longo da jornada.

"Cão de lada ao rabo" David é um cientista que faz a maior descoberta científica num laboratório no porão de sua casa e é sugado por um buraco negro caseiro e de dentro dele tenta vislumbrar sua situação. Gosto das descrições das sensações e de imaginar esse horizonte de eventos.

"Mare Tenebrarum" Um momento dramático de uma casa sendo invadida pela chuva. O conto consegue retratar o caos da tempestade de forma comovente ainda que os personagens não tenham tempo para comoverem-se com nada.

"Sympathy of the Devil" Um autor recebe uma proposta de pacto feita pelo diabo e ambos tem uma conversa onde o diabo tenta convencer o autor a aceitar o trato. A forma com que o diabo se apresenta é bem diferente e o final surpreendente.

Parte II

"Príncipe das Sombras" acompanha um autor muito famoso por seus livros de viagem no tempo, em momentos com seu pai e depois com uma misteriosa mulher, em meio aos primeiros momentos da aparição d'Os Intrusos, extraterrestres de origem totalmente desconhecida. Enquanto está com o pai, a narrativa alterna entre as primeiras impressões, resumidas de seus próprios artigos, de um autor que não faz ideia do que está acontecendo e depois, o caos que se instaura e os sentimentos afloram a pele, quando ele encontra uma mulher misteriosa e se envolve com ela.  

"Jogo Rápido" O professor Leo chega ao Brasil para participar de uma missão espacial para receber Os Intrusos e é recepcionado pelo seu amigo de longa data Alan. Ambos conversam sobre como o Brasil mudou com a descoberta da vida inteligente fora da Terra e como esta bagunçou o imaginário popular com seitas e grupos com ideias malucas. São aspectos que pouco vi sobre invasões espaciais e os momentos mais impactantes são excelentes.

"Stuntmind" acompanhamos trechos da vida de Roger Van Dali, um stuntmind. São os seres humanos que voltam com conhecimentos dos Intrusos após entrarem em contato com eles. Conhecimentos tão valorizados que eles voltam e são tratados quase como divindades, criando uma casta de seres com revelações porém parecem ter perdido um pouco da sua humanidade. 

"Mestre de Armas" avança mais no tempo, onde uma guerra com os Intrusos é uma realidade e a humanidade avança pelos portais de Hipertempo, porém é uma viagem só de ida, sempre para frente. Isso obriga a humanidade a avançar criando estações. Acompanhamos uma unidade do exército em sua trajetória rumo a entidade máxima, mas isso seria avançar sempre ou uma luta sem sentido? O autor subverte a narrativa de Space Ópera de império enormes e fraturados para uma humanidade em franca corrida sabe-se lá para onde.

"O espelho-relâmpago no oco do ciclone" o livro encerra-se com um conto sobre a finalidade. Após a humanidade explorar o espaço, avançando no túnel do Hipertempo e construir dezenas de estações, eis que a humanidade retorna ao Sistema Solar. A unidade em Fobos, lua de Marte, traz um vislumbre da Terra mas não é mais o planeta que deixaram para trás. Acompanhamos um grupo de Decifradores e Descritores, que são a ponta de lança da exploração que busca entender os Intrusos numa guerra cada vez mais distante.




Leia Mais ››

segunda-feira, 19 de setembro de 2022

Resenha #253 Ubuntu 2048 (Raphael Silva)



"Ubuntu 2048" (2020) é um thriller cyberpunk afrofuturista lançada pela Kitembo, editora voltada a publicar autores negros no Brasil. A obra é voltada ao publico adolescente e é eficiente em divertir e deslumbrar o leitor, com o carisma dos nossos heróis. A filosofia Ubuntu permeia o conto todo sem parecer didática demais e acrescenta a relação de solidariedade e amizade entre os protagonistas, Tsehai e Kinaya.

A história se passa num futuro caótico, repleto de desastres naturais e provocados pelo homem. Apesar da tecnologia ainda ser uma última barreira contra a extinção da humanidade, o seu fim parece inevitável. Os habitantes da cidade de Salvadora não tem permissão para sair da cidade mesmo que seus habitantes sejam obrigados a coletar Méritos para não serem aposentados (como em Blade Runner, um nome suave para assassinato). É aqui que Teshai (ou Tsehai) se vê obrigado a pegar um serviço perigoso para coletar Méritos, para tirar sua cabeça da lista de pessoas a serem aposentados. Sabemos que esse serviço vai colocar Tsehai em mais confusão e no caminho da androide procurada Kinaya. O livro acompanha a jornada de dois marcados para a morte, cheio de ação e carisma dos personagens. Inicialmente temos sequencias de perseguição mas logo o tema das inteligências artificiais toma conta do livro e conhecemos mais da dinâmica deste mundo onde estabelece o objetivo final do protagonista.

É preciso advertir o leitor que é um livro YA (Young Adult) e os personagens adolescentes podem não ser tão interessantes para velhos rabugentos como eu, que ainda assim gostei da construção leve dos protagonistas e da inserção da linda filosofia Ubuntu na história. Infelizmente a parte física da edição tem alguns erros muito difíceis de ignorar. O nome Tsehai estar grafado Teshai na contra capa e a inserção de separação entre os parágrafos e por fim a repetição de um capítulo inteiro, causam um desconforto ao ler a obra. Felizmente a leitura é muito fluída e tudo é muito ágil, o que ameniza os defeitos da edição. Como o mais importante é a história e a experiência da leitura, recomendo Ubuntu 2048!
 
Leia Mais ››

segunda-feira, 12 de setembro de 2022

Resenha #252 Solarpunk (Gerson Lodi-Ribeiro)



"Solarpunk" (2013) organizado por Gerson Lodi-Ribeiro e o terceiro volume da coleção Mundo Punk da editora Draco, que inicialmente fecharia uma trilogia, iniciada com Vaporpunk e Dieselpunk. O Solarpunk diferente do Steampunk e do Dieselpunk, não se volta necessariamente ao passado, com histórias retrofuturistas, ainda que alguns contos tenham feito esse caminho. Trata-se de um gênero muito recente e esta edição foi pioneira, não apenas no Brasil mas no mundo. Sendo assim, é normal que a leitura de alguns contos não pareça ornar bem com o termo Solarpunk. A antologia Cyberpunk por excelência Mirrorshades tem mais contos que não se parecem cyberpunks que aqui. Vamos aos contos em separado.

Soylent Green is People! (Carlos Orsi) Acompanhamos um investigador particular, no melhor clima noir onde uma femme fatale pede um serviço de investigação mas parece ter culpa no cartório. O caso envolve o suicídio do namorado da moça e o desaparecimento de sua mãe. Um sacerdote de uma igreja também parece interessado numa herança polpuda, acumulada pelo trabalho científico do namorado. O contraste de um mundo de energia limpa e um clima pesado que o noir sugere, ficou bem atrativo (fiquei imaginando que todas as cenas eram de dia, talvez seja a capa.) e ajudou a criar uma solução pouco óbvia para o mistério.

O Confronto dos Reinos (Telmo Gonçalves) Também é uma trama policial. O português lusitano me travou no início mas logo deixa de ser o maior problema do conto. Acompanhamos o protagonsita, um policial enviado para espionar uma colônia de pessoas "clorofilizadas", que não precisam mais de alimento além do sol e logo se mostram ser algo muito mais ameaçador para as pessoas comuns. O protagonista nutre um ódio e preconceito contra os "verdes" antes de eles darem razão para isso. Um ódio de cunho fascista e xenofóbico, bem ao estilo do praticado pelos europeus as minorias estrangeiras que vivem na Europa. Infelizmente não achei nada no conto que desvalide esse pensamento.

E atenção: Notícia urgente! (Romeu Martins) O conto divide-se em duas partes. Na primeira acompanhamos uma transmissão rádio jornalística de um protesto e invasão de uma instalação de pesquisas por camponeses revoltosos. Uma alusão a destruição dos viveiros de eucaliptos da Aracruz em 2006 pela Via Campesina. Na segunda parte acompanhamos alguns empresários contando seu plano, revelando os motivos obscuros para lucrar com experimentos execráveis. No que tange ao movimento dos camponeses e aos empresários, parece tudo muito caricato e de fato é, mas a especulação é bem articulada e no que se trata de empresários de corporações não duvido de nada. 
  
Era uma vez um mundo (Antonio Luiz M. C. Costa) passa-se no mesmo mundo da noveleta “Ao perdedor, as baratas” da antologia Dieselpunk passado décadas de economia socialista e de respeito ao meio ambiente. Figuram personalidades conhecidas do nosso tempo em papéis nem sempre de pessoas famosas. Patrícia Galvão, a Pagu, protagoniza o conto como uma jornalista que estava no lugar certo ou errado, em meio a um atentado terrorista liderado por Fillippo Marinetti (filósofo do futurismo italiano, de caráter fascista), além de outros em uma aventura aventuresca muito divertida e gostosa de se ler.

Fuga (Gabriel Cantareira) conto se passa num futuro pós guerra onde o uso de energia limpa se tornou amplo por falta de alternativas. A cidade de São Paulo foi reconstruída por conglomerados empresariais que impõem sua lei e tem um plano nefasto para expandir seu domínio para o resto do país, porém a protagonista (filha de um dos empresários), sabe destes planos e está em fuga para poder contar a verdade. Achei um conto interessante, por sua proximidade a proposta da antologia mas pouco corajoso para se posicionar e acabou ficando um entretenimento com discurso vazio.   

Gary Johnson (Daniel I. Dutra) traz um vislumbre sombrio de um mundo solarpunk, com uma energia limpa ainda que obtida de forma imoral. O conto é escrito de forma epistolar, por uma fonte de segunda mão, o que é bem utilizado pelo autor para criar o suspense e manter o mistério como nos contos do século XIX. O narrador é bisneto de um empregado do padre gaúcho Landell de Moura, conhecido por suas pesquisas sobre ondas de rádio que revela coisas não contadas sobre tais experiências. Como adoro escrita epistolar o conto fluiu lindamente e o mistério me prendeu até a última página.

Xibalba sonha com o Oeste (André S. Silva) traz uma história alternativa muito ousada, ainda que imprecisa na divergência que fez o mundo ficar daquela forma. A américa como conhecemos desenvolveu-se sob as civilizações incas e tupi, sendo os maias relegados a marginalidade, e tuteladas pelo Império Chinês que fornece a tecnologia limpa que tira eletricidade dos raios das tempestades. Acompanhamos Maiara, uma professora que é confrontada com seu passado, quando descobre a verdade sobre seu pai, um traidor do governo. É um conto que se beneficiou e se prejudicou com a própria ousadia. Por um lado é fruto de uma imaginação fértil, por outro algumas imprecisões podem quebrar a magia. Ainda assim, é um mundo que vale a pena ser refinado com mais pesquisa e lapidado com mais apelo estético, pois é um cenário por demais prolífico a imaginação. 

Sol no Coração (Roberta Spindler) traz um tema bem parecido do conto "O Confronto dos Reinos", onde humanos se adaptam para viver de energia solar e a resistência a mudança. Porém, sai o preconceito vazio e entra a sensibilidade e inteligência na abordagem, onde um pai precisa decidir sobre uma operação delicada em seu filho, para colocar uma tatuagem que possibilita a nutrição pela energia solar. Segue um dilema com a mãe que expõe outro ponto de vista. Conto muito bonito e emocionante.

Azul Cobalto e o Enigma (Gerson Lodi-Ribeiro) é uma noveleta, do organizador da antologia, que se passa no mesmo universo do livro "Um Vampiro em Palmares" e a noveleta "Consciência de Ébano", onde Palmares não apenas sobrevive como transforma-se num Reino rival ao Brasil. Esse Reino dos descendentes de Ganga Zumba, conta com um vampiro ancestral como arma secreta que permitiu o Reino de Palmares ascender como potência mundial. Esta noveleta, acontece mais de um século no futuro, onde o Brasil desenvolve um traje biomecanico, um super-herói, capaz de fazer frente ao Enigma (a essa altura o leitor já supõe que trata-se do vampiro) e apesar de haver pouca coisa referente a energias limpas, eu gosto tanto desta série de histórias do vampiro de Palmares que não me importo nenhum pouco com isso.
Leia Mais ››

segunda-feira, 5 de setembro de 2022

Resenha #251 Colonialismo Digital (Deivison Faustino, Walter Lippold)


"Colonialismo Digital" é uma obra que me atraiu desde que soube que seria lançada. O livro traça um caminho analítico e conceitual, num processo histórico do colonialismo até as avassaladoras mudanças tecnológicas atuais, para que possamos nos situar de forma crítica. É uma ferramenta para o pensamento muito bem vinda e que vai beneficiar o leitor, principalmente aquele mais atrasado em relação aos recentes processos tecnológicos com uma visão crítica apurada. Este é um blogue de Ficção Científica e, como autor e divulgador de literatura de ficção, acredito que Colonialismo Digital é uma leitura extremamente necessária também para quem quer imaginar mundos futuros, pois nossa imaginação de autor é inquieta, muitas vezes reflexo de nossas preocupações com o presente.

"Assim, o mito prometeico, em sua face estranhada, se converte em seu oposto: o fogo produtivo que permitiu se rebelar contra os deuses agora, fora de controle, ameaça destrutivamente a vida humana e, até sobrevivência do planeta. A vida humana, a mesma que produz a riqueza social do qual advém a máquina, o software e seus algoritmos socialmente determinados; a vida que se desvaloriza na mesma velocidade em que produz valor, submetida a poderes que encarceram, matam, mutilam, fazendo do corpo uma mercadoria quantificável e descartável de um espetáculo de terror necropolítico" (p. 40)

O livro traça um caminho que conecta o Colonialismo, ancorado no Racismo, como processo fundamental para o estabelecimento do Capitalismo. O Racismo condicionando o Colonialismo e este o Capitalismo. A nova era da informação, ao contrário do que muito se apregoa por ai, não é uma quebra de paradigma do capitalismo, nem dos conceitos marxistas que alicerçam sua analise. O capitalismo na era digital, apesar de o tornar mais complexo, não deixou de depender de bases materiais. Não há software sem hardware.

A obra dedica uma boa parte de suas páginas em solidificar suas bases argumentativas. Diferenciando o Virtual do Digital, sendo o digital a forma que as informações trafegam a velocidade espantosa de hoje. Somos orientados teoricamente a evitar o excesso de entusiasmo ou de receio ao analisar a influência da tecnologia no nosso modo de produção. O Dilema das Redes, não é tanto a intensidade da tecnologia mas a manutenção do uso para a exploração do homem pelo homem, inclusive do homem por si mesmo. Os autores também analisam as contribuições de autores como Byung-Chul Han, Mbembe e Zizek entre vários outros, mesmo que estes não entendam que o capitalismo mudou sua forma mas em essência continua o mesmo.

O racismo e o colonialismo são intimamente ligados, assim como o racismo algorítmico e o colonialismo digital são hoje, e o estudo do pensamento de Frantz Fanon continua sendo essencial para os autores estabelecerem o diálogo e manterem a atualidade do colonialismo na era digital. O conceito de Colonialismo Digital é construído durante a obra toda e quando chegamos em sua implicação nas novas tecnologias, em como nossas cidades estão configuradas, adaptadas a um trafego tão intenso de informações que a fábrica se entranha na cidade, precarizando o trabalho e minerando (nossos) dados que são o ativo mais lucrativo do nosso tempo. Conhecemos uma nova exploração que é tão intensa quando difícil de fazer sentir diretamente por alguém leigo. 

"Como se o princípio low life high-tech, desenvolvido nas distopias da literatura cyberpunk, tivesse se concretizado, vemos o antagonismo entre uma guerra de alta tecnologia e precisão e o uso de táticas nômades com raids relâmpagos contra o inimigo, que geralmente se configura em populações não organizadas em milícias, que vivem/morrem nos mundos da morte do século XXI: circuitos de extração de minerais preciosos e essenciais para alimentar a revolução militar e tecnológica." p.93

A obra dedica uma última parte a ideologia californiana do Vale do Silício, onde as perspectivas de uma democratização da informação foram suplantadas pelas necessidades predatórias do capitalismo, mas sob uma ideologia influenciada pelos hippies e yuppies dos anos 70 num pretenso contraponto ao rígido modelo fordista-taylorista e se você já ouviu falar daquelas empresas que deixam você ir de berumda em reuniões, fazem áreas de recreação e aulas de yoga durante o expediente e continuam pagando uma miséria é sobre isso. Concluindo a obra ainda temos alguns horizontes na direção da Descolonização Digital (que mereciam um livro a parte) por parte de ativistas.  

Difícil ler Colonialismo digital e não traçar esse paralelo entre o que podemos ler nas obras Cyberpunks conhecidas nos anos 1980, como Neuromancer, de William Gibson e Piratas de Dados de Bruce Sterling. Em ambas as obras, os autores imaginaram uma quantidade gigantesca de dados são a fonte de poder dos poderosos e nossos heróis são atormentados tanto pelo excesso de consumo quanto pela abstinência da vida digital. O cyberpunk, mesmo que não debatido conceitualmente na obra, a perpassa todo o processo abordado, dos anos 1980 em diante, pintando com tintas sombrias um futuro repleto de tecnologia da informação guiadas por um capitalismo cada vez mais selvagem e pervasivo, resumidas no lema low life, high tech. Deixo o questionamento se estamos vivendo o cyberpunk agora, embora não tenhamos samurais urbanos andando com katanas pela rua e cidades repletas de neon, temos cada vez mais tecnologia e a vida vale cada vez menos.
Leia Mais ››

segunda-feira, 29 de agosto de 2022

Resenha #250 Afrofuturismo: O Futuro é nosso! Vol 2 (Aisameque Nguenge, Alexandre Diniz, Anderson Lima e Israel Neto)


"Afrofuturismo: O Futuro é nosso. Volume 2" da Kitembo Editorial é a sequência que, tal qual o primeiro livro, reunir contos de autores negros que abordem o afrofuturismo. Ainda que não haja nenhuma obrigação dos contos serem FC, nesta edição todos são deste gênero. Basicamente tudo nesta edição está melhor que na anterior. O visual, de forma geral, está mais bonito. Além da ilustração da capa estar sensacional, também há gravuras que abrem e encerram cada um dos cinco contos. A diagramação com detalhes em tema ciber ficou muito agradável. Quanto ao conteúdo literário, temos uma coleção melhor. A decisão editorial de manter poucos contos, considero acertada. Enfim, agora vamos falar sobre os contos individualmente.

Te encontro no futuro (Kinaya) Aya é uma trabalhadora em uma cidade virtual, com estrutura fechada, onde os jovens são mandados de bem cedo para trabalharem sem contato social além do ambiente de trabalho. Então, em uma noite solitária, numa caminhada noturna Aya encontra um jovem que parece saber mais sobre o lado de fora. O conto abre bem a antologia, com um bom mistério desenvolvendo o mundo e ação para concluir o conto.

Como a gente (Junno Sena) Abidemi e Dandara são duas exploradoras espaciais em uma de muitas  missões exploratórias para encontrar um novo lar para a humanidade. Eles estão acompanhadas de Migu31, um robô androide, que as intriga e assusta devido ao sua curiosidade. Gostei como o autor desenvolveu tanto as astronautas como o robô, criando a tensão necessária para validar o final. Meu conto preferido da antologia. 

O último racista (Mateus Domont Fadigas) O detetive Motumbi está no encalço d'O Ariano, um perigoso terrorista que difunde discurso racista pela internet, até que é convocado para investigar a morte de um homem branco e envolvendo seus amigos de infância, Dandara, perseguida pelo Ariano e Kaio, nas investigações. Mistério bem trabalhado em tão poucas páginas e gostei como a tecnologia influi na trama de forma consistente. Muito bom!

A lua em minha palma (Sarah Aniceto) Ayo é uma demibot que devido a sua personalidade livre e inconstante não consegue encontrar sua função na sociedade e acaba fugindo na sua busca por significado. Conto muito bonito e singelo, principalmente pelo carisma da protagonista.

Aye Kekere: A cidade do futuro (Marcello Souza) A ambientação da cidade de Aye Kekere e a motivação do protagonista lembram bastante o clássico A Cidade e as Estrelas, de Arthur C. Clarke, porém com a pegada afrofuturista e um desfecho singelo e bonito.


Leia Mais ››