terça-feira, 18 de junho de 2019

Resenha #98 - Ás Moscas, armas! (Nelson de Oliveira)

Ás Moscas, armas! de Nelson de Oliveira (a.k.a. Luiz Brás), é uma coleção de contos muito sucintos, criativos e instigantes. São 25 contos em apenas 120 páginas. Na maioria ocupam apenas duas páginas. Sem medo de viajar pelos recantos da imaginação e da alma humana, o livro pede uma leitura saboreada e reflexiva. O estilo do autor é avesso a enrolação, preferindo a concisão e profundidade nos pensamentos e também pela criatividade nas histórias que podem te levar para qualquer lugar e essa é uma constante na obra e nas outras resenhadas no blog: Oneironautas do autor junto com Fábio Fernandes, Anacrônicos e Sabixões e Sabixinhos.

Vamos falar brevemente de cada conto, depois do conjunto. O livro abre com "A preponderância do pequeno" em que um frequentador da casa de campo do senhor Maxwell descreve seu dono refletindo sobre suas diferenças, os parênteses guardam a sinceridade. "Daltonismo" acompanha uma briga de casal embalada pela obra de Machado de Assis, sobre a não/traição de Capitu. Em "Ah!" Rubens passa mal e Ana Maria não sabe o que fazer. Depois o mundo vira luz. Todos viram luz. O conto nos faz imaginar eventos da escala pessoal até a global. Uma sensação que o autor passa em Anacrônicos. "Antes do Verão, depois da primavera" conta sobre o achado de Carlos e Joana: um baú de tesouros cheios de lembranças perdidas. Objetos simples mas que despertam memórias. O conto nos faz pensar sobre espaços entre as coisas e as coisas que se perdem lá.


"Amor", faz um retrato do lado dolorido do amor. Em "Baile de Máscaras", o alfaiate Zacarias Sepúlveda Bezerra é acusado de  um crime que não cometeu no dia de Natal e sua execução será transmitida pela TV. Conto usa os elementos do justiçamento e é um bom exemplo da literatura do autor na sua capacidade de instigar. "Entre paredes murmuramos sombras que nos assustam" é um pensamento corrido, escrito sem parágrafos, numa sentada só. Uma explosão de sentimentos. "Jaqueline in the box" nas primeiras linhas, Jaqueline foi apenas um bebê abandonado numa caixa de papelão, mas com com o passar do tempo ela se tornou uma caixa de papelão mais que qualquer outra coisa. O conto carrega numa linguagem infantil, de alguém que se esconde de sua dor já que não tem mais sua caixa para protege-la. "Lua, 1969" é um conto sobre duas entidades que conversam e se confrontam sobre a saúde de uma criança quando o pouso do homem a Lua era transmitido na televisão. É bastante enigmático, a ponto de eu ter entendido pouca coisa dele.

"Górgona" é dividido em duas partes, a primeira fala de uma profecia, usando de tom lírico e a segunda é um papo de bar com um escritor e tem um tom grotesco. É um conto de interpretação bem abstrata mas arrisco-me a entendê-lo como uma forma de mostrar os homens ameaçados pelo poder das mulheres que não veem da força. "Ninfas" pinta um quadro de caçada e fuga, sedução e armadilha. "Fora do quarto à noite", Edgar é um bombeiro idoso aposentado que imagina derreter tudo a sua volta. Conto de difícil interpretação, talvez seja sobre como ficar sozinhos e sentir-se repulsivo/destrutivo. "Inveja" brinca com os rótulos usando rótulos para nomear personagens invejosos. Usa a repetição de forma que fica divertido. "O Homem só" fala sobre Alberto um homem solitário, que não consegue transar com sua amante, pois tem mais prazer com suas fantasias do que na interação com outras pessoas. "Propósito" é uma página de elogio a Darth Vader mas desenha mais o admirador que o admirado. "Odor" descreve cientificamente a mais irracional das atrações. 

"O que eu faria se estivesse no meu lugar" é um conto circular que brinca com a alteridade de um rapaz que quer dar um presente para a namorada. "Quinze Minutos" pinta apenas com diálogos a correria diária, e com a repetição da rotina. É divertido e uma leitura ágil. Pequenas Reminiscências perdidas" conto curto gira entorno de Priscila e Rodolfo, num suspense que envolve até o fim. "Ruas" viagem onírica nas ruas de São Paulo, dominadas por diferentes animais domésticos e de rua. O narrador em primeira pessoa, não aprece ter uma raça definida. "Três tristes tias" cotidiano de três idosas cheias de manias, suas ações contrastando com as falas de um sobrinho que aparece apenas nelas enquanto as irritações das senhoras moldam a percepção de seu mundo. "Avenida Roshamon" temos um punhado de versões de um atropelamento. Fato distorcido e torcido muitas vezes, no boca a boca. "O que mais há a dizer?" faz pensar sobre quando as palavras são retidas e despejadas. "Um sujeito meio esquisito" um conto muito esquisito.

O livro é bastante aleatório nos assuntos, mas sempre girando entorno do insolito. Apesar das poucas palavras, é preciso ler e refletir antes de seguir o próximo conto. Não é uma leitura de praia, mas um mergulho profundo. Recomendado! 
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terça-feira, 11 de junho de 2019

Resenha #97 - Planeta do Exílio (Úrsula K. Le Guin)

"Planeta do Exílio" (1966) é junto com "O Mundo de Rocannon" uma das primeiras obras publicadas pela autora e faz parte do ciclo Hainnish que contam histórias que se passam em vários planetas onde a Liga dos Mundos busca intercâmbio cultural com planetas com menos tecnologia e complexidade civilizacional. É possível notar a qualidade da escrita da autora já neste livro do seu segundo livro e, lendo os seguintes, como evoluiu nas posteriores até chegar nas obras de maior sucesso: "A Mão Esquerda da Escuridão" e "Os Despossuídos". 

A história se passe no planeta Eltanin, também chamado de Alterra, 600 anos terrestres depois que a Liga dos Mundos abandonou milhares de colonos sem restabelecer contato novamente. Os alterranos que remanesceram estão definhando lentamente em sua cidade - Landin - enquanto convivem com seus vizinhos, os Tevar. São nativos do planeta ao qual a Liga estabeleceu contato quando da sua chegada mas hoje apenas aturam os alterranos devido as condições climáticas. Existe muito preconceito entre os dois povos, mas a chegada de um inverno terrível, num planeta em que as estações do ano duram uma geração inteira, e uma invasão em massa organizada pelos hostis Gaal, obrigam aos tevaranos e alterranos lutarem lado a lado. Em meio a esse conflito, Hiff Rolery, uma neta do líder tevarano Wold e Jakob Agat, o líder dos Alterranos se apaixonam e tentam selar uma aliança entre os povos para o iminente ataque dos Gaal. Contudo, apenas Agat parece disposto a passar por cima do preconceito para isso.        

A característica mais marcante da obra é a habilidade em misturar Ficção Científica e Fantasia, assim como vimos em O Mundo de Rocannon. A obra é essencialmente Ficção Científica, pois os colonos usam tecnologia avançada ainda que limitada pelas regras da Liga dos Mundos de não sobrepujar os nativos e todo o pano de fundo da própria da Liga dos Mundos. O elemento de Fantasia fica por conta de toda a ambientação e baixa tecnologia do mundo de Eltanin que remete muito a Fantasia medieval. Úrsula consegue mesclar os dois ambientes de forma coesa e escreve tudo isso em personagens com uma boa evolução e complexidade para um livro tão curto. Nesse ponto pode não agradar muito ser curto demais e as coisas se resolverem um tanto rápido, mas levando em conta que é a segunda obra da autora (a primeira foi lançada no mesmo ano) e que as obras seguintes são melhores trabalhadas, nos mostra que Úrsula Le Guin no início de sua carreira ainda é excelente! Enfim, recomendo a obra para quem quer saber mais da Liga de Todos os Mundos, que gosta de uma boa mistura de FC e Fantasia e que quer apreciar uma boa escrita.

Segue a ordem cronológica das obras do Ciclo Hainnish, junto com o ano de publicação de cada obra:
- Os Despossuídos (The Dispossessed) – 1974;
- Floresta é o Nome do Mundo (The Word for World Is Forest) – 1976;
- O Mundo de Rocannon (Rocannon’s World) – 1966;
- Planeta do Exílio (Planet of Exile) -1966;
- A Cidade das Ilusões (City of Illusions) – 1967;
- A Mão Esquerda da Escuridão (The Left Hand of Darkness) – 1969;

- The Telling – 2000;
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terça-feira, 4 de junho de 2019

Resenha #96 - Espaço Eletrônico (Philip K. Dick)

Estamos de volta para falar de outra obra de Philip K. Dick, "Espaço Eletrônico" (The Unteleported Man) foi escrito em 1964 e lançado no Brasil em 1971 no selo de FC Urânia da antiga editora Brugueria. Eram edições de baixo custo, de bolso e hoje é a única opção para se ler em nossa língua, mas como bom fã do autor, aceito de bom grado a rinite provocada por suas 160 páginas amareladas. Esta novela teve uma segunda versão "Lies Inc." escrita alguns anos depois, ainda sem tradução para a língua de camões. Foi uma leitura rápida e emocionante de uma obra da primeira fase do autor.

A história se passa em 2014 em uma Terra superpovoada poe 7 bilhões de habitantes. Após a descoberta de um planeta habitável, o nono planeta da estrela Formalhaut, chamado Whale's Mouth, a imigração em massa parece uma solução. A empresa de Rachmael von Applebaum era a líder no mercado de transporte de colonos inter espaciais até uma nova tecnologia encurtar o tempo de transporte de 18 anos para 15 minutos. Porém nenhum imigrante retornou para contar como era o planeta. Rachmael, desesperado pela falência da empresa, quer provar que Whale's Mouth é uma farsa e então busca a ajuda da empresa Lies Inc. para reter a maior nave da empresa chamada Onphalos. 

O clima de paranoia em relação o mistério de Whale's Mouth é bem estabelecido e o livro tem bastante ação, principalmente depois que o mistério desenvolvido e o suspense acaba. O autor ainda não tinha inserido os elementos de conflito com a realidade que o fizeram ser conhecido, pois o autor ainda estava em sua fase mais "pulp". É um livro que vale a pena ser lido se você conseguir encontrá-lo, mas tem mais valor para quem quer completar a coleção do que para o leitor casual ou para quem quer começar a ler o autor.
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