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segunda-feira, 12 de setembro de 2022

Resenha #252 Solarpunk (Gerson Lodi-Ribeiro)



"Solarpunk" (2013) organizado por Gerson Lodi-Ribeiro e o terceiro volume da coleção Mundo Punk da editora Draco, que inicialmente fecharia uma trilogia, iniciada com Vaporpunk e Dieselpunk. O Solarpunk diferente do Steampunk e do Dieselpunk, não se volta necessariamente ao passado, com histórias retrofuturistas, ainda que alguns contos tenham feito esse caminho. Trata-se de um gênero muito recente e esta edição foi pioneira, não apenas no Brasil mas no mundo. Sendo assim, é normal que a leitura de alguns contos não pareça ornar bem com o termo Solarpunk. A antologia Cyberpunk por excelência Mirrorshades tem mais contos que não se parecem cyberpunks que aqui. Vamos aos contos em separado.

Soylent Green is People! (Carlos Orsi) Acompanhamos um investigador particular, no melhor clima noir onde uma femme fatale pede um serviço de investigação mas parece ter culpa no cartório. O caso envolve o suicídio do namorado da moça e o desaparecimento de sua mãe. Um sacerdote de uma igreja também parece interessado numa herança polpuda, acumulada pelo trabalho científico do namorado. O contraste de um mundo de energia limpa e um clima pesado que o noir sugere, ficou bem atrativo (fiquei imaginando que todas as cenas eram de dia, talvez seja a capa.) e ajudou a criar uma solução pouco óbvia para o mistério.

O Confronto dos Reinos (Telmo Gonçalves) Também é uma trama policial. O português lusitano me travou no início mas logo deixa de ser o maior problema do conto. Acompanhamos o protagonsita, um policial enviado para espionar uma colônia de pessoas "clorofilizadas", que não precisam mais de alimento além do sol e logo se mostram ser algo muito mais ameaçador para as pessoas comuns. O protagonista nutre um ódio e preconceito contra os "verdes" antes de eles darem razão para isso. Um ódio de cunho fascista e xenofóbico, bem ao estilo do praticado pelos europeus as minorias estrangeiras que vivem na Europa. Infelizmente não achei nada no conto que desvalide esse pensamento.

E atenção: Notícia urgente! (Romeu Martins) O conto divide-se em duas partes. Na primeira acompanhamos uma transmissão rádio jornalística de um protesto e invasão de uma instalação de pesquisas por camponeses revoltosos. Uma alusão a destruição dos viveiros de eucaliptos da Aracruz em 2006 pela Via Campesina. Na segunda parte acompanhamos alguns empresários contando seu plano, revelando os motivos obscuros para lucrar com experimentos execráveis. No que tange ao movimento dos camponeses e aos empresários, parece tudo muito caricato e de fato é, mas a especulação é bem articulada e no que se trata de empresários de corporações não duvido de nada. 
  
Era uma vez um mundo (Antonio Luiz M. C. Costa) passa-se no mesmo mundo da noveleta “Ao perdedor, as baratas” da antologia Dieselpunk passado décadas de economia socialista e de respeito ao meio ambiente. Figuram personalidades conhecidas do nosso tempo em papéis nem sempre de pessoas famosas. Patrícia Galvão, a Pagu, protagoniza o conto como uma jornalista que estava no lugar certo ou errado, em meio a um atentado terrorista liderado por Fillippo Marinetti (filósofo do futurismo italiano, de caráter fascista), além de outros em uma aventura aventuresca muito divertida e gostosa de se ler.

Fuga (Gabriel Cantareira) conto se passa num futuro pós guerra onde o uso de energia limpa se tornou amplo por falta de alternativas. A cidade de São Paulo foi reconstruída por conglomerados empresariais que impõem sua lei e tem um plano nefasto para expandir seu domínio para o resto do país, porém a protagonista (filha de um dos empresários), sabe destes planos e está em fuga para poder contar a verdade. Achei um conto interessante, por sua proximidade a proposta da antologia mas pouco corajoso para se posicionar e acabou ficando um entretenimento com discurso vazio.   

Gary Johnson (Daniel I. Dutra) traz um vislumbre sombrio de um mundo solarpunk, com uma energia limpa ainda que obtida de forma imoral. O conto é escrito de forma epistolar, por uma fonte de segunda mão, o que é bem utilizado pelo autor para criar o suspense e manter o mistério como nos contos do século XIX. O narrador é bisneto de um empregado do padre gaúcho Landell de Moura, conhecido por suas pesquisas sobre ondas de rádio que revela coisas não contadas sobre tais experiências. Como adoro escrita epistolar o conto fluiu lindamente e o mistério me prendeu até a última página.

Xibalba sonha com o Oeste (André S. Silva) traz uma história alternativa muito ousada, ainda que imprecisa na divergência que fez o mundo ficar daquela forma. A américa como conhecemos desenvolveu-se sob as civilizações incas e tupi, sendo os maias relegados a marginalidade, e tuteladas pelo Império Chinês que fornece a tecnologia limpa que tira eletricidade dos raios das tempestades. Acompanhamos Maiara, uma professora que é confrontada com seu passado, quando descobre a verdade sobre seu pai, um traidor do governo. É um conto que se beneficiou e se prejudicou com a própria ousadia. Por um lado é fruto de uma imaginação fértil, por outro algumas imprecisões podem quebrar a magia. Ainda assim, é um mundo que vale a pena ser refinado com mais pesquisa e lapidado com mais apelo estético, pois é um cenário por demais prolífico a imaginação. 

Sol no Coração (Roberta Spindler) traz um tema bem parecido do conto "O Confronto dos Reinos", onde humanos se adaptam para viver de energia solar e a resistência a mudança. Porém, sai o preconceito vazio e entra a sensibilidade e inteligência na abordagem, onde um pai precisa decidir sobre uma operação delicada em seu filho, para colocar uma tatuagem que possibilita a nutrição pela energia solar. Segue um dilema com a mãe que expõe outro ponto de vista. Conto muito bonito e emocionante.

Azul Cobalto e o Enigma (Gerson Lodi-Ribeiro) é uma noveleta, do organizador da antologia, que se passa no mesmo universo do livro "Um Vampiro em Palmares" e a noveleta "Consciência de Ébano", onde Palmares não apenas sobrevive como transforma-se num Reino rival ao Brasil. Esse Reino dos descendentes de Ganga Zumba, conta com um vampiro ancestral como arma secreta que permitiu o Reino de Palmares ascender como potência mundial. Esta noveleta, acontece mais de um século no futuro, onde o Brasil desenvolve um traje biomecanico, um super-herói, capaz de fazer frente ao Enigma (a essa altura o leitor já supõe que trata-se do vampiro) e apesar de haver pouca coisa referente a energias limpas, eu gosto tanto desta série de histórias do vampiro de Palmares que não me importo nenhum pouco com isso.
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segunda-feira, 28 de fevereiro de 2022

Resenha #224 - Imaginários Vol. 1 (Tibor Moricz, Saint-Clair Stocler e Eric Novello)


"Imaginários Volume 1" É uma revista-coletânea da Editora Draco. O primeiro de uma longa série que reúne várias amostras do fantástico, fantasia e ficção científica. Os contos tem pouco a ver um com o outro (e muito menos com a ilustração da capa) mas consegue trazer boas histórias. 

Coleira do amor (Gerson Lodi-Ribeiro) - Félix perdeu sua amada Theresa mas não consegue aceitar a perda pois tem um sistema inibidor instalado que o impede de parar de amá-la. O conto tem momentos finais muito tensos, que envolvem violência sexual. Apesar do exagero na descrição das cenas, consegue fazer uma boa discussão sobre o livre-arbítrio, em relação aos sentimentos, e o pós-humano. Já resenhado na publicação sobre Fractais Tropicais.

Eu, a sogra (Giulia Moon) é uma fantasia muito divertida sobre uma bruxo que conhece uma nora muito inconveniente. Lembra muito o mundo de A Feiticeira, pela abordagem divertida e bem elaborada para uma ficção tão curta.

Veio... novamente (Jorge Luiz Calife) escrito pelo veterano da FC brasileira, trás uma ficção científica com cara de filme americano enlatado, contando a história de uma família estadunidense que se depara com um contato extraterrestre no deserto de Mojave. O conto é bem escrito mas o enredo não consegue sair do óbvio.

A encruzilhada (Ana Lúcia Merege) Uma fantasia ao estilo clássico, tendo na existência de magia e de uma ordem de magos soldados o foco, tem um início que promete muito mas encerra muito menos. A linguagem é excelente, mas o encerramento dá a impressão de ser algo maior. O que se provou verdade após uma pesquisa pelos enredos nos seus trabalhos.

Por toda a eternidade (Carlos Orsi) conto curto mas que mistura muito bem a ficção científica, crime e humor. É um dos meus contistas de FCB favoritos e eleva o nível da antologia.

"Twist in my sobriety" (Flávio Medeiros) conto que ambienta a Terra pós-invasão pacífica porém tomada de paranoia. Emula o clima da Guerra Fria, onde os vilões são falsos libertadores que trazem muitas benesses mas escondem planos funestos. Os valores individualistas e conservadores são os trunfos do protagonista. Tudo é feito de maneira bastante original e criativa.  

Um toque do real: óleo sobre tela (Roberto de Sousa Causo), Conta a história de um pintor que acorda enxergando o mundo sob o prisma de pinceladas de pinturas do seu estilo. Lembra bastante um enredo de Philip K. Dick pela estranheza mas ela não dura até a conclusão, que traça um caminho longe do estilo de PKD.

Alma (Osíris Reis) mistura fantasia e ficção científica em um conto bastante complexo e reflexivo, principalmente pelo ponto de vista de uma extraterreste que pretende resgatar sua filha.

Contingência, ou Tô pouco ligando (Martha Argel) tem um interessante tom misturando relato com artigo de revista ou crônica, com um argumento ecologista e vários termos ligados a biologia e a geografia. O tom bem humorado faz o conto ser uma leitura agradável.

Tensão Superficial (Davi M. Gonzales) é a aventura de um estudante que junto dos amigos, depara-se com um mistério inexplicável em um prédio velho. O conto é curto mas não consegue engatar até o final fraco.

Planeta Incorruptível (Richard Diegues) narra momentos de uma invasão extraterrestre que tem de lidar com a negação de eventos teológicos católicos como a aparição de santos e a ideia do Deus Único, rejeitados firmemente pela ideologia dos invasores.
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segunda-feira, 14 de fevereiro de 2022

Resenha #222 - Dieselpunk: Arquivos confidenciais de uma bela época (Gerson Lodi-RIbeiro Org.)


"Dieselpunk: Arquivos confidenciais de uma bela época" é uma sequência de Vaporpunk I e II, tanto como na ordem de publicação da série Mundo Punk da Editora Draco, como do próprio subgênero. Os mundos Dieselpunk são geralmente cenários retrofuturistas onde a tecnologia a vapor é substituída pela diesel, e do ponto de vista histórico é uma versão da bella epóque sem a desilusão das Guerras Mundiais ou de uma crise avassaladora do capitalismo como o Crash da bolsa de 1929. Um prato cheio para imaginar os cenários históricos alternativos e a proposta da antologia é privilegiar cenários brasileiros e lusos. O resultado é uma antologia, que trouxe contos bastante extensos onde os autores tiveram espaço para trabalhar bastante os cenários e costurar essas novas realidades e, de uma forma geral os autores foram muito felizes nesse quesito, trazendo muita diversão para historiador nenhum botar (muito) defeito.    

“Fúria do Escorpião Azul” (Carlos Orsi) trabalha com o cenário em que o Brasil passa por uma revolução comunista nos moldes pseudo-stalinistas, e segue as peripécias de um vingador mascarado que enfrenta o regime descrito com uma dose tão elevada anticomunismo que me fez olhar o nome do autor para ver se não tinha sido escrita por Olavo de Carvalho. Porém, como o autointitulado filósofo já declarou abertamente que a FC é imbecilizante, fica a dúvida se o pseudo-filósofo gostaria da história. Nela acompanhamos o mistério que alterna, o Escorpião Azul e o jornalista chiquinho que investigando uma trama envolvendo um plano nefasto de um cientista comunista que faz algo pior do que comer criancinhas. A história é muito bem escrita, com boas cenas de ação, mas com personagens rasos que dá um tom canastrão a tudo, como o Batman dos anos 60, mas sem o mesmo carisma.

“Grande G” (Tibor Moricz) uma trama conspiratória palaciana/empresarial da família dona de Smoke City, forjada na poluição e motores a combustão. O megaempresário, o "Grande G", enfrenta uma conspiração tramada por seu filho e herdeiro para tomar o poder envolvendo a transferência de tecnologia limpa a cidade vizinha e atrasada Steam City. A trama é envolvente, a linguagem seca e cruel combina muito bem com o teor sádico cheio de cenas de incesto, que sobre mais um degrau que os Bórgias, no quesito sacanagem em família. Ainda que exagerado, muito mais próximo da realidade da burguesia empresarial que os comunistas do conto anterior.

“O dia em que Virgulino cortou o rabo da cobra sem fim com o chuço excomungado” (Octavio Aragão), nos retorna a um cenário de história alternativa, onde um cenário onde a Coluna Prestes (liderada por Luís Carlos Prestes e o tenente Siqueira Campos) e o bando de Lampião, com direito a participação de vários personagens históricos como Maria Bonita e Padre Cícero. Acompanhamos a história de forma parecida como aconteceu nos anos 20. Até um carioca misterioso oferecer armas com alta tecnologia para ambos os lados para que a coluna e os cangaceiros entrem em conflito, porém nada sai como os personagens esperavam. Para um historiador, é um conto cheio de fan service, porém achei os momentos finais bastante corridos. Talvez nem uma noveleta longa seja grande o suficiente para esta história.

"Impávido Colosso” Hugo Vera, conta uma história aventuresca de folhetim onde um Brasil imperial liderada por Dom Pedro III e um Barão de Mauá meio deslocado do tempo, descobrem-se em pé de guerra com a Argentina, patrocinada pelo imperialismo britânico que almeja derrotar o Brasil e o vizinho Paraguai. O conto tem total enfoque nas batalhas de robôs e não decepciona nesse quesito, porém a questão política é abordada de forma pobre e superficial, com patriotismos exagerados e ingênuos. Não me incomodaria se o conto não dispensasse tanto espaço para momentos elogiosos  e vazios dos políticos. Uma enxugada na patriotada para a adição de uma segunda batalha faria muito bem ao conto.

"País da Aviação" (Gerson Lodi-Ribeiro) ao invés de trabalhar um cenário Dieselpunk propriamente dito, na visão de um personagem em específico, o autor optou por fazer um panorama da Hegemonia Francesa, resultado do sucesso dos planos de conquista de Napoleão quando sai vitorioso na Batalha de Trafalgar. Uma vez que nesta realidade, Napoleão contratou Robert Fulton para criar as armas que he deram a vitória. Seguimos vários cenários que acompanham o desenvolvimento do poderio francês na Europa, até o início do século XX quando uma Guerra Fria surge entre os EUA e a França. Um pouco antes, o núcleo principal da noveleta, segue os Irmãos Wright sendo recrutados para serem meros assistentes de le Petit Santos, aqui também inventor do avião. Os cenários que se sucedem são consistentes e fazem muito com o pouco espaço formando um belo panorama do cenário político nesse mundo. Apesar de ter adorado ver as áreas periféricas bem desenhadas, o centro do poder hegemônico ficou muito vago. Porém a coleção de pequenos cenários funcionou bem tanto individualmente quanto no conjunto.

“Ao Perdedor, as Baratas” (Antonio Luiz M. C. Costa) acompanhamos um cenários muito curioso e bem montado. Os indígenas se integraram de forma mais saudável a sociedade brasileira, a revolução industrial aconteceu mais cedo e o cenário político é de eleições tendo Cosme Bento como principal candidato. Acompanhamos um agente de uma potência ao norte que está em uma missão de assassinato para abalar as eleições. O conto adiciona ao cenário alternativo personagens reais (Karl Marx e Richard Wagner) e elementos da literatura (as baratas de Clarice Lispector e Franz Kafka). O autor trouxe uma visão otimista sem cair na ingenuidade em uma história com reviravoltas.   

"Auto de Extermínio" (Cirilo Lemos) um dos meus autores preferidos da FC brasileira, trouxe uma história que privilegia a ação sem perder a consistência histórica, com um toque de New Weird. Nos anos 1920 o Império brasileiro ainda existe, porém seu monarca é um moribundo e sua queda é iminente. Integralistas, comunistas e militares apoiados pelos Estados Unidos estão na iminência de um golpe de estado. Acompanhamos Jerônimo Trovão um assassino de aluguel que terá um papel maior nesse jogo político do que gostaria. Ele é guiado por uma santa que atua como uma consciência exterior premonitória que o ajuda a ficar vivo. Seu filho, nômio, é seu auxiliar e também é acometido do mesmo tipo de visão, porém com um herói de HQ estadunidense. A noveleta derivou um romance "E de Extermínio" e o conto aumentou a vontade de ler o livro!

"Cobra de Fogo" (Sidemar Castro) trouxe a noveleta mais divertida da antologia. Num Brasil ainda imperial, a Grande Guerra Mundial de 1919-29 foi muito mais devastadora que a da nossa realidade, ao ponto em que a Liga das Nações impor uma "Pax Atômica" transferindo as resoluções políticas para uma forma presumidamente esportiva numa espécie de Corrida Maluca em que cada império compete com um tipo de locomotiva voadora gigante equivalentes a destróieres. O mundo é o cenário onde as etapas são disputadas, e na corrida em questão é por uma boa fatia da Amazônia. Os competidores são, obviamente o Império brasileiro, Alemanha, Áustria-Hungria (governada por Hitler), URSS (liderada por Trotsky), Japão, China, Estados Confederados (o sul venceu a Guerra Civil), Reino Unido, Mongólia, França, Espanha, Holanda entre outros. O bom uso dos clichês da corrida como uma boa fachada para a sujeira da política, espionagem e combates escamoteados uma torrente maravilhosa de referências cinematográficas e históricas. De Damocles Dummont, um espião brasileiro passando por Erving Hömmel, Jesse James III, Amon Göth, Charles de Gaulle, Antoine Saint-Éxupery, Olga Benário e até de Stalker de Tarkovsky e muito mais. É muito fácil imaginar essa novela numa aventura superprodução cinematográfica. Ao menos podemos fazer isso na nossa imaginação!

"Só a morte te resgata" (Jorge Candeias) alia uma linguagem mais sensível e intimista com um mundo alternativo. Se passa no mesmo mundo de "Unidade em Chamas" que saiu na Vaporpunk I, porém já no início do Século XX, onde as passarolas alçaram Portugal a condição de potência. O protagonista, Jefferson, um escravagista do Brasil do Sul que decide lutar contra a Confederação Portuguesa por sua postura multiracial. Acompanhamos as peripécias de Jefferson para retornar ao seu lar após ler uma carta de seu pai, cujo conteúdo conhecemos apenas no final. Apesar de ser difícil se conectar ao protagonista por conta de seu racismo aberto, podemos acompanhar um drama genuíno sem que necessitemos corroborar com sua visão de mundo. Uma pena essa viagem que o conto promove, no segundo e terceiro terço não serem tão dieselpunks quanto a primeira parte, mas ainda sim uma boa viagem.


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segunda-feira, 29 de março de 2021

Resenha #176 - Tempos de Fúria (Carlos Orsi)


"Tempos de Fúria" é uma coletânea de contos de um dos melhores contistas em atividade na Ficção Científica e nesse livro temos o autor em sua melhor forma. Os contos tem em comum o uso da violência sem restrições, a tendencia de misturar FC com o terror e a engenhosidade e criatividade nas histórias que tanto nos fazem amar este gênero. Resenhei a segunda edição que vem com mais contos e a seguir vou comentar os contos em separado.

"Imagem e Semelhança" acompanha um sujeito perturbado por usa obsessão em alcançar a Deus, não poupando ninguém, nem o investigador que é aprisionado e passa grande parte da narrativa ouvindo toda a jornada do protagonista. É como um vilão contando seu plano maléfico que acompanhamos a história e o autor consegue prender o leitor instigando a curiosidade sobre o desfecho. 

"Estes 15 minutos" um papo de bar no pé de uma favela carioca entre um membro do Comando Vermelho e um malandro viajado desencadeia uma onda de assaltos usando a distorção da realidade como subterfúgio. O autor consegue aliar o cenário e personagens bem brasileiros com quebras da realidades no estilo de Philip K. Dick e o final guarda boas surpresas. 

"Questão de Sobrevivência" é um cyberpunk como deve ser escrito para o cenário brasileiro. Pinta a divisão favela e asfalto, interesses políticos e personagens marginalizados, trabalhos perigosos bem ambientado no Brasil. Na historia acompanhamos um grupo de milicianos interceptando uma carga de leite materno que se torna vital para as crianças da comunidade pois as mulheres do "Campo Fidel" estão contaminadas pela radioatividade. Conto publicado também no Livro Assembléia Estelar resenhado aqui.  

"Pressão Fatal" se passa numa estação de pesquisa na órbita de Vênus onde o detetive Henri Bernardin investiga a morte de um membro da tripulação. A narrativa segue um tom e estrutura detetivesca tendo Bernardin um Sherlock Holmes, excêntrico, sagaz e sempre com uma resposta lógica quando contrariado. 

"Planeta dos Mortos" conta a história de um soldado em sua primeira missão de campo em Vênus, com o objetivo de investigar uma estação de pesquisa durante o processo de terraformação do planeta. 

"Desígnios da Noite" acompanha Marco, um gladiador moderno que busca vingança pela morte de sua ex-esposa com muito sangue e um mistério envolvendo uma seita astrológica.

"A Aventura da Criança Perdida" é um thriller de espionagem que faz vários personagens girarem em torno do desaparecimento de uma criança. O conto é curto, o que não favorece a construção dos personagens mas puramente do enredo e da ironia que marca o destino de alguns personagens. 

"Colosso de Bering" brinca com universos alternativos quando um escritor em crise criativa encontra um amigo que havia falecido há dois meses e conta tudo que viu. O final tem uma sutileza sutil que com uma palavra muda tudo.
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terça-feira, 12 de fevereiro de 2019

Resenha #87 - Assembléia Estelar: Histórias de Ficção Científica Política (Org. Marcello Simão Branco)

Uma das metas para esse ano é ler mais livros de contos e livros de sequências de obras já resenhadas no blog. Então, "Assembléia Estelar: Histórias de Ficção Científica Política" é uma coletânea de contos de FC que abordam a política em algum nível. São contos selecionados pelo editor somados a contos estrangeiros que foram traduzidos, então ao lado de conhecidos nomes nacionais, como Roberto de Sousa Causo, André Carneiro e Carlos Orsi, temos Úrsula Le Guin, Orson Scott Card e Bruce Sterling. O organizador não tem nenhum conto no livro, mas sua introdução já é um artigo que faz um belo apanhado histórico da relação da Ficção Científica com a Política, resgatando o termo e as obras relacionadas a Utopias, passando pelas distopias incluindo as obras brasileiras. Contudo, as breves análises para justificar algumas obras (posso falar apenas das que li) são bastante falhas, como por exemplo resumir Fundação a uma defesa da democracia quando na verdade Asimov abertamente se inspirou num livro que narra a queda do Império Romano e a própria Fundação não tem nada de democrática. Os contos contam com uma breve biografia do autor e um breve resumo do conto que vamos ler e também são bem estranhos, algum equivocados e até desnecessariamente provocativos, afinal se o editor não gosta de um espectro político, poderia escrever artigo ou um conto, e não usar aquele espaço antes de cada conto para isso. Acho que prejudica a coletânea mas os contos continuam valendo por si e temos alguns muito bons, outros nem tanto o que deixa o total bastante irregular e, sinceramente, alguns contos sobraram e poderiam ter ficado de fora para deixar o livro mais enxuto.

Acabei invertendo a ordem que sempre faço, falando do livro em geral antes dos contos de forma individual, então vamos aos comentários conto a conto: 

A queda de Roma antes da telenovela (Luis Filipe Silva): Conto curto que mostra um futuro onde as decisões políticas do parlamento são completamente integradas a televisão num sistema online, parecido com um reality show. Nesse mundo Idílio, uma espécie de presidente da assembléia, trava diálogos sobre o funcionamento da democracia com Morais, um parlamentar a moda antiga. O contraponto de Moraes, como personagem é entre um regime tecnocrata, tão atendo as coisas miúdas que faz perder o foco de grandes realizações. A história tente mais a reflexão do que para a ação. 

Anauê (Roberval Barcellos): Conto de um subgênero que gosto muito: História Alternativa. Aqui temos um Brasil de 1980 que é governado pelos integralistas quando derrubaram Getúlio Vargas em 1938, e se aliaram aos nazistas. Infelizmente aqui, temos uma realidade alternativa bem construída mas mal justificada pela forma que o integralismo muda o Brasil. A adoção do Tupi-guarani como língua oficial é até aceitável mas o quase abolimento do uso do português não mesmo, mas o que mais incomoda é a questão racial dos judeus trazer tanta indignação aos integralistas (aliados de nazis), uma vez que existe uma longa tradição de germanófilos no integralismo. Sobre bases tão frágeis a história toda descamba para a ingenuidade, inclusive ressaltando defeitos como a construção dos diálogos e das cenas decisivas que ficaram pobres.

Gabinete blindado (André Carneiro): Membro de um grupo de resistência narra suas lembranças de forma fragmentada e intuitiva. A narração em primeira pessoa traz uma forma intimista que ajuda a dar forma mas o conto sofre pela falta de informação que nos deixa um pouco perdido em meio as reflexões. A introdução do conto, escrita pelo organizador, resume a história de forma bem impertinente o que influi na apreciação da história.

Trunfo de Campanha (Roberto de Sousa Causo): Noveleta inserida no mundo de Space Opera criado pelo autor, já publicada em mais de um livro e contos. O personagem principal é Jonas Peregrino combatente de elite que se vê envolvido em uma trama política quando recebe um convite de um proeminente político em ascensão, em um período de mudanças num pós-guerra contra uma raça alienígena. A trama que coloca o protagonista no jogo político é explicada demais, e explicar tantas coisas desse mundo não deveria ser função de um conto nem de uma noveleta, e sim instigar o leitor a buscar mais e esse algo a mais está disponível inclusive no site do autor. Outra coisa que atrapalha a apreciação é que Peregrino não apresenta conflito em praticamente nenhum momento do conto ao contrário de Fátima Feldman, a femme fatale clássica, e por isso a narração deveria acompanhar ela, pois ela quem se transforma ao cabo da história. Fora isso, o mundo é interessante e rico, mas gostaria de ver mais suavidade no passar de tanta informação.

Diário do cerco de Nova Iorque (Daniel Fresnot): Narrado como um diário, um escritor francês em visita a Nova York justamente em um momento de crise entre o prefeito da cidade, John Fillick e o governo federal que leva a um conflito armado. A narrativa prende o leitor com um ritmo e desenvolvimento maravilhoso que passa muita tensão e mostra o fanatismo levado a extremos.

Saara Gardens (Ataíde Tartari): Conto bastante curto sobre tramas politicas, em que um empreiteiro deseja colocar um político favorável a seu projeto imobiliário no deserto do Saara na presidência do governo global nas próximas eleições desbancando a favorita que é ambientalista. Acredito que abordagens desse tema exijam mais palavras pois o gosto dessas histórias está na complexidade que o conto não alcança, mas vale pelas referências a política brasileira.

Era de aquário (Miguel Carqueija): O conto traz um momento rotineiro de um político que vai fazer uma palestra numa universidade porém em um mundo onde assassinatos políticos e crises sociais são comuns. Conto com ritmo bom mas sem picos de emoção, vale pela reflexão por imaginar uma linha que ainda não cruzamos por aqui (ou já?!)

A evolução dos homens sem pernas (Fernando Bonassi): Conto sem diálogos, apenas descrições mas o faz de forma bem feita, pintando um quadro gradativo da evolução humana levando para um caminho bizarro numa metáfora crítica carregada de ironias. Vale a leitura pelas provocações que podem causar ao leitor e que vão bater de frente (ou não) com suas convicções políticas.

A pedra que canta (Henrique Flory): Outro conto de História Alternativa, o que me agrada bastante. Conta a história de Gabriel, uma criança doente que recebe um implante cirúrgico que o permite ver os pontos fracos de estruturas e é utilizado em uma missão de sabotagem em uma guerra do Brasil contra a Argentina. Ótimo desenvolvimento, história e personagens.

O dia antes da revolução (Ursula K. Le Guin): Noveleta conta as memórias da revolucionaria anarquista Odo no planeta Urrás, um dia antes de uma grande revolução. Essa história, se passa mais de 600 anos antes do livro clássico da autora, "Os Despossuídos" (Meu livro favorito de FC, sim o primeiro!). Além da escrita muito acima da média, característico da autora, o conto não tem momentos de ação nem picos de tensão tendendo mais a reflexão, afinal estamos nas memórias de uma idosa mesmo que seja uma idosa prestes a desencadear um evento de grandioso que levará ao exílio em Anarres mas ai já é a história do livro. No fim das contas, vale muito a leitura para quem conhece o livro, para quem não leu serve como prólogo.

O grande rio (Flávio Medeiros Jr.): Conto de ficção científica com viagem no tempo por excelência. O assassinato de John Kennedy é planejado com anos de antecedência por um Arauto do futuro em missão para salvar a humanidade de uma guerra catalclismica. História excelente, que vai acrescentando camadas de acontecimentos sem se perder e que mexe com o imaginário de conspiração que envolve o acontecimento. Gostei bastante!  

O originista (Orson Scott Card): História se passa no mundo do clássico de Asimov: Fundação (Mais precisamente entre o primeiro e segundo livros), seguindo Leyel Forska, cientista de uma rica família nobre de Trantor, quando tem seu pedido de entrada na Fundação negado pelo Hari Seldon e em meio a isso Leyel realiza um estudo linguístico a respeito da origem do homem. O desenvolvimento do conto é complexo e envolvente, Card segue os passos de Asimov surpreendendo com um final maravilhoso. O conto é o mais longo do livro, contudo a escrita flui muito bem. Vai ser difícil não pensar no mundo de Fundação sem lembrar desse conto tamanha a forma com que ele se encaixa na trilogia original.

Questão de sobrevivência (Carlos Orsi): O caos social se instala na São Paulo de 2030. Doenças radioativas levam uma comunidade organizada e controlada por um partido de esquerda. Nesse mundo, um assalto a um carregamento de leite materno por um grupo de resistência mostra o lado mais triste dessa realidade. Gostei do conto ser embebido de cyberpunk puxado muito mais para o lado "punk" do que "cyber", pois foca no aspecto mais social e cruel de um futuro distópico e caótico.

Vemos as coisas de modo diferente (Bruce Sterling): Resenhado nessa postagem do blog. Que este fim abrupto fique como um convite a explorar mais o blog.


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segunda-feira, 3 de outubro de 2016

Resenha #45 Conto, O Planeta Vermelho (Carlos Orsi)

O Planeta Vermelho, conto de Carlos Orsi, (coleção Contos do Dragão, Ed. Draco) traz neste terror uma escrita ao modo de H. P. Lovercraft, em uma paisagem futurista de uma Marte terraformada. Nos desertos vermelhos, revelados por fortes tempestades de areia, escondia-se um templo antigo de tempos imemoriais que se encontra em meio a intensas escavações. O protagonista, especialista em símbolos, é destacado para verificar os escritos. 
A escrita segue bem a linha descritiva de Lovercraft em forma de depoimento. Lembra bastante "A Sombra vinda do tempo" mas em Marte. Os apetrechos tecnológicos ajudam o clima tenso do conto. Quem aprecia estórias de Lovercraft e compartilha o fascínio deste blogueiro por Marte, vai apreciar a leitura.
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