terça-feira, 12 de fevereiro de 2019

Resenha #87 - Assembléia Estelar: Histórias de Ficção Científica Política (Org. Marcello Simão Branco)

Uma das metas para esse ano é ler mais livros de contos e livros de sequências de obras já resenhadas no blog. Então, "Assembléia Estelar: Histórias de Ficção Científica Política" é uma coletânea de contos de FC que abordam a política em algum nível. São contos selecionados pelo editor somados a contos estrangeiros que foram traduzidos, então ao lado de conhecidos nomes nacionais, como Roberto de Sousa Causo, André Carneiro e Carlos Orsi, temos Úrsula Le Guin, Orson Scott Card e Bruce Sterling. O organizador não tem nenhum conto no livro, mas sua introdução já é um artigo que faz um belo apanhado histórico da relação da Ficção Científica com a Política, resgatando o termo e as obras relacionadas a Utopias, passando pelas distopias incluindo as obras brasileiras. Contudo, as breves análises para justificar algumas obras (posso falar apenas das que li) são bastante falhas, como por exemplo resumir Fundação a uma defesa da democracia quando na verdade Asimov abertamente se inspirou num livro que narra a queda do Império Romano e a própria Fundação não tem nada de democrática. Os contos contam com uma breve biografia do autor e um breve resumo do conto que vamos ler e também são bem estranhos, algum equivocados e até desnecessariamente provocativos, afinal se o editor não gosta de um espectro político, poderia escrever artigo ou um conto, e não usar aquele espaço antes de cada conto para isso. Acho que prejudica a coletânea mas os contos continuam valendo por si e temos alguns muito bons, outros nem tanto o que deixa o total bastante irregular e, sinceramente, alguns contos sobraram e poderiam ter ficado de fora para deixar o livro mais enxuto.

Acabei invertendo a ordem que sempre faço, falando do livro em geral antes dos contos de forma individual, então vamos aos comentários conto a conto: 

A queda de Roma antes da telenovela (Luis Filipe Silva): Conto curto que mostra um futuro onde as decisões políticas do parlamento são completamente integradas a televisão num sistema online, parecido com um reality show. Nesse mundo Idílio, uma espécie de presidente da assembléia, trava diálogos sobre o funcionamento da democracia com Morais, um parlamentar a moda antiga. O contraponto de Moraes, como personagem é entre um regime tecnocrata, tão atendo as coisas miúdas que faz perder o foco de grandes realizações. A história tente mais a reflexão do que para a ação. 

Anauê (Roberval Barcellos): Conto de um subgênero que gosto muito: História Alternativa. Aqui temos um Brasil de 1980 que é governado pelos integralistas quando derrubaram Getúlio Vargas em 1938, e se aliaram aos nazistas. Infelizmente aqui, temos uma realidade alternativa bem construída mas mal justificada pela forma que o integralismo muda o Brasil. A adoção do Tupi-guarani como língua oficial é até aceitável mas o quase abolimento do uso do português não mesmo, mas o que mais incomoda é a questão racial dos judeus trazer tanta indignação aos integralistas (aliados de nazis), uma vez que existe uma longa tradição de germanófilos no integralismo. Sobre bases tão frágeis a história toda descamba para a ingenuidade, inclusive ressaltando defeitos como a construção dos diálogos e das cenas decisivas que ficaram pobres.

Gabinete blindado (André Carneiro): Membro de um grupo de resistência narra suas lembranças de forma fragmentada e intuitiva. A narração em primeira pessoa traz uma forma intimista que ajuda a dar forma mas o conto sofre pela falta de informação que nos deixa um pouco perdido em meio as reflexões. A introdução do conto, escrita pelo organizador, resume a história de forma bem impertinente o que influi na apreciação da história.

Trunfo de Campanha (Roberto de Sousa Causo): Noveleta inserida no mundo de Space Opera criado pelo autor, já publicada em mais de um livro e contos. O personagem principal é Jonas Peregrino combatente de elite que se vê envolvido em uma trama política quando recebe um convite de um proeminente político em ascensão, em um período de mudanças num pós-guerra contra uma raça alienígena. A trama que coloca o protagonista no jogo político é explicada demais, e explicar tantas coisas desse mundo não deveria ser função de um conto nem de uma noveleta, e sim instigar o leitor a buscar mais e esse algo a mais está disponível inclusive no site do autor. Outra coisa que atrapalha a apreciação é que Peregrino não apresenta conflito em praticamente nenhum momento do conto ao contrário de Fátima Feldman, a femme fatale clássica, e por isso a narração deveria acompanhar ela, pois ela quem se transforma ao cabo da história. Fora isso, o mundo é interessante e rico, mas gostaria de ver mais suavidade no passar de tanta informação.

Diário do cerco de Nova Iorque (Daniel Fresnot): Narrado como um diário, um escritor francês em visita a Nova York justamente em um momento de crise entre o prefeito da cidade, John Fillick e o governo federal que leva a um conflito armado. A narrativa prende o leitor com um ritmo e desenvolvimento maravilhoso que passa muita tensão e mostra o fanatismo levado a extremos.

Saara Gardens (Ataíde Tartari): Conto bastante curto sobre tramas politicas, em que um empreiteiro deseja colocar um político favorável a seu projeto imobiliário no deserto do Saara na presidência do governo global nas próximas eleições desbancando a favorita que é ambientalista. Acredito que abordagens desse tema exijam mais palavras pois o gosto dessas histórias está na complexidade que o conto não alcança, mas vale pelas referências a política brasileira.

Era de aquário (Miguel Carqueija): O conto traz um momento rotineiro de um político que vai fazer uma palestra numa universidade porém em um mundo onde assassinatos políticos e crises sociais são comuns. Conto com ritmo bom mas sem picos de emoção, vale pela reflexão por imaginar uma linha que ainda não cruzamos por aqui (ou já?!)

A evolução dos homens sem pernas (Fernando Bonassi): Conto sem diálogos, apenas descrições mas o faz de forma bem feita, pintando um quadro gradativo da evolução humana levando para um caminho bizarro numa metáfora crítica carregada de ironias. Vale a leitura pelas provocações que podem causar ao leitor e que vão bater de frente (ou não) com suas convicções políticas.

A pedra que canta (Henrique Flory): Outro conto de História Alternativa, o que me agrada bastante. Conta a história de Gabriel, uma criança doente que recebe um implante cirúrgico que o permite ver os pontos fracos de estruturas e é utilizado em uma missão de sabotagem em uma guerra do Brasil contra a Argentina. Ótimo desenvolvimento, história e personagens.

O dia antes da revolução (Ursula K. Le Guin): Noveleta conta as memórias da revolucionaria anarquista Odo no planeta Urrás, um dia antes de uma grande revolução. Essa história, se passa mais de 600 anos antes do livro clássico da autora, "Os Despossuídos" (Meu livro favorito de FC, sim o primeiro!). Além da escrita muito acima da média, característico da autora, o conto não tem momentos de ação nem picos de tensão tendendo mais a reflexão, afinal estamos nas memórias de uma idosa mesmo que seja uma idosa prestes a desencadear um evento de grandioso que levará ao exílio em Anarres mas ai já é a história do livro. No fim das contas, vale muito a leitura para quem conhece o livro, para quem não leu serve como prólogo.

O grande rio (Flávio Medeiros Jr.): Conto de ficção científica com viagem no tempo por excelência. O assassinato de John Kennedy é planejado com anos de antecedência por um Arauto do futuro em missão para salvar a humanidade de uma guerra catalclismica. História excelente, que vai acrescentando camadas de acontecimentos sem se perder e que mexe com o imaginário de conspiração que envolve o acontecimento. Gostei bastante!  

O originista (Orson Scott Card): História se passa no mundo do clássico de Asimov: Fundação (Mais precisamente entre o primeiro e segundo livros), seguindo Leyel Forska, cientista de uma rica família nobre de Trantor, quando tem seu pedido de entrada na Fundação negado pelo Hari Seldon e em meio a isso Leyel realiza um estudo linguístico a respeito da origem do homem. O desenvolvimento do conto é complexo e envolvente, Card segue os passos de Asimov surpreendendo com um final maravilhoso. O conto é o mais longo do livro, contudo a escrita flui muito bem. Vai ser difícil não pensar no mundo de Fundação sem lembrar desse conto tamanha a forma com que ele se encaixa na trilogia original.

Questão de sobrevivência (Carlos Orsi): O caos social se instala na São Paulo de 2030. Doenças radioativas levam uma comunidade organizada e controlada por um partido de esquerda. Nesse mundo, um assalto a um carregamento de leite materno por um grupo de resistência mostra o lado mais triste dessa realidade. Gostei do conto ser embebido de cyberpunk puxado muito mais para o lado "punk" do que "cyber", pois foca no aspecto mais social e cruel de um futuro distópico e caótico.

Vemos as coisas de modo diferente (Bruce Sterling): Resenhado nessa postagem do blog. Que este fim abrupto fique como um convite a explorar mais o blog.


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terça-feira, 5 de fevereiro de 2019

Resenha #86 - O Hobbit (J. R. R. Tolkien)

"O Hobbit" é um dos livros mais conhecidos de J. R. R. Tolkien, depois do épico "O Senhor dos Anéis". É aquele tipo de obra que inspirou praticamente todos autores de fantasia e tem todos as características conhecidas que os outros autores buscaram copiar e/ou subverter. Trata-se de um livro de Fantasia sobre uma longa jornada narrada para um público infantil. É um ritmo que puxa para a oralidade, como um livro para ser lido para uma criança. Isso significa que o leitor adulto precisa estar consciente da linguagem que o livro emprega e sua forma. É bastante descritivo e o narrador sabe que está narrando uma estória, ao invés de simplesmente contá-la.

A estoria é a de Bilbo Bolseiro, um Hobbit, que é convidado pelo Mago Gandalf para acompanhar 13 anões a recuperar seu tesouro ancestral guardado pelo temível dragão Smaug. Grande parte do livro é dedicada ao longo caminho que os aventureiros tem de enfrentar encontrando Trolls, Elfos, Homens, Aranhas gigantes e, claro, muitos Orcs. Uma tipica jornada do herói, como sistematizada décadas depois por Joseph CampbellO contexto da 1ª Guerra Mundial aparece no livro quando a batalha dos cinco exércitos é construída pelos desentendimentos e pela busca do tesouro entre quase todas os tipos de seres que aparecem no livro.

O livro foi um sucesso tão grande que foi solicitada uma continuação que acabou se tornando "O Senhor dos Anéis" obra máxima do autor e uma das mais conhecidas obra de Fantasia. O que pode desestimular o leitor é a pouca presença de diálogos e as longas descrições até a construção frágil dos personagens secundários. Contudo a construção de mundo é imersiva em virtude dos detalhes.
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