segunda-feira, 27 de setembro de 2021

Resenha #202 - Suell: A Revolução Silenciosa (Rômulo Kiffer)


"Suell: A Revolução Silenciosa" é uma das últimas leituras da minha Corrida Kindle Unlimited do ano passado, onde li vários livros em ebooks em 30 dias. O livro é uma novela cyberpunk com uma história bastante aventuresca e inocente de um punhado de rapazes que de alguma forma se envolvem com Suell, a líder de uma facção que quer acabar com todas as facções da comunidade para findar as guerras de gangues. A forma como farão isso é a mais óbvia: hackear servidores de dados. São seis capítulos, e cada um segue um dos membros do grupo as vésperas da grande operação. A escrita é ágil e correta, sem brilho que funcionaria melhor numa HQ. As artes do livro são sensacionais, tanto a capa quanto as que ilustram a abertura dos capítulos e é definitivamente a melhor coisa do livro. É uma boa leitura de praia, mas para um cyberpunk eu sempre espero mais!
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segunda-feira, 20 de setembro de 2021

Resenha #201 - A Penúltima Verdade (Philip K. Dick)


"A Penúltima Verdade" é um romance de Philip K. Dick, um autor recorrente do blogue pelo simples fato de ser o meu favorito. Isso ocorre pelas suas histórias estarem envoltas de enredos interessantes, quebras de paradigmas da realidade e uma escrita aparentemente simples. 

A história começa em 2035, com Nicholas St. James, presidente do abrigo subterrâneo de Tom Mix, um dos muitos que protegem a população da Terra enquanto os Wes-Dem e os Pac-Peop travam uma guerra que já dura 13 anos com exércitos de robôs. São os únicos capazes de combater na superfície contaminada pelas bombas atômicas deflagradas no início do conflito. Os habitantes ficam sabendo das novidades do conflito através de Talbot Yancy, o líder supremo dos Wes-Dem que enfrentam as forças inimigas do Marechal Harenzany. As populações dos abrigos tem a missão de produzir robôs para que eles combatam na linha de frente. 

Você acreditou nessa história? Então, você foi enganado, assim como todos os habitantes dos abrigos de ambos os lados. Tudo não passa de uma farsa. A superfície radioativa? Está tomada por áreas verdes e restam poucas áreas contaminadas. A guerra? uma mentira contata para manter o povo nos abrigos. Os Robôs? são usados como serviçais de uma elite que divide lotes imensos de terra. Talbot Yancy? Sua aparições são resultado de um programa que insere discursos escritos por alguns profissionais dessa elite que estão a serviço de Brose e são chamados de Yancyman. E Nicholas St. James é incumbido da missão de subir a superfície e conseguir um pâncreas artificial para o único mecânico que consegue manter as cosas funcionando no abrigo Tom Mix. Acompanhamos também Joseph Adams, um dos escritores dos discursos de Yancy que após uma discussão com um jovem talento entre os Yancyman, David Lantano, acaba envolvendo-se em uma trama cheia de assassinatos e disputa pelo poder sobre a figura de Talbot Yancy. Adams segue numa busca pela verdade atrás da fábrica de mentiras.

A obra usa o medo da guerra atômica apenas como pano de fundo e ironicamente acabou ajudando o livro anão ficar tão datado, pois geralmente as tecnologias cotidianas nas obras de PKD são bastante ultrapassadas, mas ninguém pode ser culpado de não prever a tecnologia digital em 1964. Uma 3GM tem potencial para regredir qualquer avanço civilizatório, quando não sua aniquilação. A tecnologia de órgãos artificiais está perdida e monopolizada por Brose que apesar de ser tratado como um vilão não permite que traçamos uma linha entre bons e maus. PKD é muito competente em colocar todos os personagens nas áreas cinzentas e somado a boa trama faz um livro muito bom, apesar não temos o melhor do autor, pois aqui falta os momentos mais lisérgicos que caracterizam seus livros. Recomendo a leitura, mas não para que se tire uma base do que é a obra de PKD, mas para os colecionadores como eu é um prato cheio!
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segunda-feira, 13 de setembro de 2021

Resenha #200 - Fractais Tropicais (Nelson de Oliveira Org)


"Fractais Tropicais: O Melhor da Ficção Científica Brasileira" é uma antologia que já foi lançada como a mais importante da FCB. A obra tem dimensões ambiciosas, tanto pelo tamanho quando pela variedade de autores que percorrem todos os períodos (chamadas Ondas da FC). O que une os contos é a proposta de ser um apanhado histórico da Ficção Científica Brasileira, que é dividida em três ondas. A obra começa com um prefácio muito instrutivo e inspirado do organizador que ao mesmo tempo situa qualquer leitor pouco familiarizado com a FCB quanto traz reflexões interessantes para quem já percorre os caminhos da FC. O autor foi bastante perspicaz em inverter a ordem de leitura dos contos, colocando os autores atuais para serem lidos primeiro e os mais antigos depois. Vamos analisar conto a conto. Os testos sublinhados são comentários retirados de postagens de antologias já publicadas no blogue.

3ª Onda

Além do Invisível (Cristina Lasaitis) - É o primeiro conto do livro e o primeiro conto do seu sensacional "Fábulas do Tempo e da Eternidade" que já resenhamos aqui. "Além do Invisível" aborda um amor conectado a internet em realidade virtual. Marcos e Maya depois de um ano juntos em um amor intenso resolvem mostrar sua verdadeira identidade. A condução do conto é delicada, sem pressa e com um final muito bonito e melancólico. 

O Templo do Amor (Ana Cristina Rodrigues) - Conto retirado de Portal Neuromancer, narrado na primeira pessoa, por um assassino entre dois templos, o da Morte e o do Amor. Ele recebe um contrato para assassinar Ophra, a sacerdotisa do templo do amor, para que uma nova sacerdotisa assuma. Uma caçada cheia de ressentimento começa.

Cão Um está desaparecido (Lady Sybylla) - Conto segue Sashi, um soldado de Becha I que acorda após um bombardeiro e não consegue encontrar o Meca (Cão 1) que devia proteger. Ela percorre o campo de batalha onde cruza com os horrores e uma guerra futurista em ambos os lados e começa a questionar se está do lado certo da guerra.

Menina Bonita Bordada de Entropia (Cirilo S. Lemos) - Conto já resenhado aqui. É um conto de Cirilo S. Lemos que entraria facilmente na categoria Weird Fiction, "Ficção Esquizita" que busca o estranhamento estético. Na história, uma menina é encontrada em alto mar, ferida quando é salva por uma embarcação tripulada por demônios e um capitão robô, que impede que a menina seja servida de almoço pelos sonhos mas a menina frágil não é o que parece. A construção é muito eficiente em causar estranhamento e é muito rica em provocar imagens em nossa mente e vale muito a pena ser lida. 

Metanfetaendro (Alliah) - Conto tem o estilo experimental do new weird e segue uma artista cheia de dúvidas. Conto repleto de figuras de linguagem através de Geometria não-euclidiana. De fato um conto difícil de acompanhar, pois escolhe um caminho ousado. Difícil de entender mas me instigou o suficiente a buscar o livro (homônimo) para ler os demais contos.

Da Astúcia dos Amigos Improváveis (Santiago Santos) - Conto oriundo do blogue Flash Fictions, que traz uma história de guerra cheia de revelações. Os humanos vão a guerra contra os Drokkarianos com a ajuda de seres incorpóreos, chamados de celestiais que nos ajudam na guerra mas após o primeiro dia em campo de batalha com uma missão fracassada acabou levando o protagonista a caminhos que mudarão a forma de ver os lados da guerra.

O Apanhador do Tempo (Márcia Olivieri) - Conto começa com um tom de tribunal com um homem admitindo sua culpa. O desenvolvimento mostra que o destino do planeta está para mudar e tudo é sobre imortalidade.

Aníbal (Andréa del Fuego) - Aníbal mostra, em forma de lenda, um fim da raça humana como conhecemos, sobrevivendo dentro de outras formas de vida. O conto brinca mais com os termos da Ficção Científica que especula propriamente, porém é o suficiente para fornecer uma boa viagem a quem não se fixar tanto na validade dos termos. Particularmente, adorei a viagem!

A Última Árvore (Luiz Brás) - Tudo gira entorno da última árvore do planeta. A sua volta uma favela, cercada por uma redoma e partes de um robô cobiçadas pelo "dono" da favela em constante luta contra outras fações. Os temas da ecologia e um humor sutil, característico do autor, permeiam esse conto sensacional. Conto cheio de brasilidade sem tirar o olho de questões universais. Você pode ler o conto aqui.

Quinze Minutos (Ademir Assunção) - Unabomber está chegando. Sua chegada/invasão a Terra é narrada de forma urgente e enquanto o autor explora sobre o que se trata tudo isso. O último parágrafo é revelador mas não explica demais. A pressa impressa na forma de mensagens urgentes é alternada por uma poesia louca e embaralhada que entendemos no final.

Cibermetarrealidade (Tibor Moricz) - O mundo é de metal, cada ser com sua função. Tudo está em constante autoreparo mas para um engenheiro que ronda a cidade a autoconsciência é um risco de ser considerado, ele próprio, uma falha. O conto se equilibra bem entre uma metáfora e reflexões sobre consciência, num fluxo gostoso de ler e complexo ao mesmo tempo.

Los cibermonos de Lacombia (Ronaldo Bressane) - Conto é um relato em portunhol de um agente temporal em sua última missão na busca de um desertor que usa a tecnologia do futuro para fazer justiça com as próprias mãos. Dá-se entender que o português é uma língua morta e a ação se passa toda na Colômbia (ou Lacombia). A narrativa é carregada de humor, inclusive no seu desfecho. A obra faz parte da obra Mnemomáquina e o conto só fez meu interesse pelo livro aumentar.

2º Onda

O molusco e o transatlântico (Bráulio Tavares) - Um dos contos mais extensos da antologia e vale a pena. Acompanhamos um explorador espacial brasileiro em uma missão internacional pelo espaço em um estilo que lembra 2001, tanto pela forma de narrar quanto pela viagem profunda em um contato alienígena. Contudo, não se apegue nessa comparação. Bráulio vai por um caminho bastante instigante e parece que não vai levar a lugar nenhum até as últimas linhas, quando entrega um final de deixar pensando bastante.

Paradoxo de Narciso (Ivanir Calado) - Um cientista consegue regressar no tempo e encontra a si mesmo. A atração entre o eu experiente que tem sucesso no seu invento e o seu eu jovem que ainda estava lutando para conseguir desenvolver o invento que o levaria até o passado. Temos o paradoxo de narciso explicado na forma deste conto muito intrigante com um final muito irônico. Ironia que carrega o conto do início ao fim.

Visitante (Carlos Orsi) - Uma fada guerreira chega a uma terra estranha e é conduzida por ser (que narra a história) programado para recepcionar bem sua visitante mas os encantos da fada atrapalham sua programação. Parece maluco e de fato é, mas um mundo pós muitas coisas que é construído e ampliado a cada resposta que a visitante obtém. Conto deixa o leitor preso nesse mundo estranho e a condução é segura revelando cada camada aos poucos. 

Ostraniene (Lucio Manfredi) - Acompanhamos um agente em contato estreito com um chefe straiter da Ostraniene (chamado Zósima) uma organização oriunda da queda do bloco socialista que vivia em equilíbrio com a rival Malta mas quando Zósima deseja um chip com informações, a Ostraniene passa a realizar ataques pesados e cheios de alta tecnologia. O protagonista contudo parece ter a chave para derrotar Zósima. O conto prende pelo desenvolvimento que gera uma tensão bacana e soma bem com a estranheza de basicamente tudo. Tem referencias legais a Neuromancer, principalmente na metade final. 

Galimatar (Fábio Fernandes) - É certamente o trabalho mais otimista que já li do autor, que imaginou um mundo onde pudesse existir algo tão sensível e interessante como a linguagem Galimatar. O conto fala sobre uma Xamanesa que encontra um homem azul (pós-humano) em Adis Abeba, capital da agora EtiPópia. A história simples é envolta de uma construção de mundo em hábitos tão bem narrados que conseguem segurar o interesse do leitor até o fim.  

A máquina do saudosismo (Ataíde Tartari) - Acompanhamos um homem que devido a leucemia, decide congelar-se até um futuro onde pudesse ser curado. Quando o descongelamento dá certo, séculos depois, ele acaba sentindo muitas saudades do seu tempo a ponto de não conseguir socializar com as pessoas do seu novo presente. 

Estrela marinha no céu (Finisia Fideli) - Conto curtíssimo e sensível sobre tudo que poderia nos alcançar quando olhamos para o céu. Há um pano de fundo de história mas vale mais pelas reflexões.

As múltiplas existências de Áries (Finísia Fideli) - Este não é tão curto quando o anterior, mostra uma vida de um ser extraterreno que habita o corpo de um funcionário do Banco do Brasil. É um retrato rotineiro do ponto de vista de um ser extraordinário. As finas ironias, fazem desta uma leitura muito agradável. 

Coleira do amor (Gerson Lodi-Ribeiro) - Félix perdeu sua amada Theresa mas não consegue aceitar a perda pois tem um sistema inibidor instalado que o impede de parar de amá-la. O conto tem momentos finais muito tensos, que envolvem violência sexual. Apesar do exagero na descrição das cenas, consegue fazer uma boa discussão sobre o livre-arbítrio, em relação aos sentimentos, e o pós-humano.

A sereia do espaço (Jorge Luiz Calife) - Uma astronauta francesa é capturada por uma forma de vida misteriosa em Tritão, lua de Netuno. Depois acompanhamos Gustavo, namorado da francesa, que se promove o primeiro contato com essa nova forma de vida. Conto bastante instigante, mas com uma história bem simples, recheada de imagens bem construídas. Bom conto.

Tempestade Solar (Roberto de Sousa Causo) - Conto faz parte das aventuras de Shiroma, compiladas em Shiroma: Matadora Ciborgue, já resenhado no blogue. Neste conto Shiroma vai atrás de vingança contra seus tutores, Tera e Tiago. Foi um dos pontos altos do livro e, como conto isolado, é uma bela peça de ação. Gosto muito desta série. 

Acúmulo de Skinnot em Megamerc (Ivan Carlos Regina) - Conto que pinta com cores absurdas algo do cotidiano. O estilo do autor é bastante sarcástico e contundente, de uma forma que ao procurar o fantástico basta uma ida as compras para ver que tudo está ao nosso alcance.

Quando Murgau A.M.A. Murgau (Ivan Carlos Regina) - Nesta outra participação do autor, conhecemos os Murgau, uma raça alienígena com três gêneros em um conto que fala sobre o amor livre. Instigante e belo. 

O dia em que Vesúvia descobriu o amor (Octávio Aragão) - Vesúvia é a história de uma nação que poderia ser o Brasil. Além da referência ao vulcão que destruiu Pompéia, temos uma história de um colapso. É um conto bastante cheio de jogos de linguagem e referências. 

Caro senhor Armagedon (Fausto Fawcett) - Retirado do livro "Cartas do fim do mundo", o conto é uma carta ao Armagedon, pois este furou seu compromisso de terminar com o mundo, após tanto preparo por uma empresa contratada pelo sr. Armagedon. O tom de indignação dos empresários dá combustível para uma explicação de todos os preparativos, falando sobre nosso mundo. A linguagem é fluida e quase sem pausas. É a primeira leitura do autor, após Santa Clara Poltergeist. O estilo próprio, eloquente e inquieto está nesse conto também.

1º Onda

O Grande Mistério (André Carneiro) - Conto narra uma trama política em que o sexo é parte do jogo, e tudo é tratado com uma naturalidade diferente. Isso faz realmente sentirmos em um lugar distante no tempo e essa sensação é o maior atrativo do conto.

A Ficcionista (Dinah Silveira de Queiroz) - É uma narrativa metaficçional, em que o controle criativo de vários autores estão sob controle de uma invenção que aglutina as pautas das ficções. Um dos contos mais extensos da edição. Preciso reler para captar melhor as nuances e melhora minha impressão do conto.

Chamavam-me de Monstro (Fausto Cunha) - Conto é um relato de um habitante de Ghrh que está na Terra tentando se adaptar as proporções tempo, espaço e prioridades alimentares enquanto ocupa de corpos humanos até bancos de praça. O relato também conta das diferenças entre o seu planeta natal e contextualiza uma guerra que coloca o ser humanos como sequer dignos de nota. Lembra bastante a sensação que o Guia do Mochileiro das Galáxias busca passar sobre a humanidade mas de uma forma que me agradou muitíssimo mais - apenas relevem que não sou fã da saga de Douglas Adams.

O Elo Perdido (Jeronymo Monteiro) - Flávio e Berenice realizaram o sonho de ter um filho porém ele nasceu muito diferente. O doutor Bernstein não sabe se trata-se de uma mutação mas suspeita que seja tudo tenha relação com o elo perdido. O conto narra a vida de Carlos e a adaptação de seus pais a condição única do filho. 

Morte no Palco - (Rubens Teixeira Scavone) - Conto bastante introspectivo sobre um último suspiro no espaço. Acompanhamos as reflexões do protagonista sobre o universo e sobre momentos com sua família. Conto para se ler devagar, saboreando as frases e esquecer o enredo.

Neste vídeo, que saiu no Diário de Anarres, no YouTube, falo do livro de uma forma geral




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segunda-feira, 6 de setembro de 2021

Resenha #199 - Marighella #livre (Rogério Faria, Ricardo Sousa, Jefferson Costa)


"Marighella #livre" é uma HQ da Editora Draco de 2020. Tem roteiro de Rogério Faria e desenhos de Ricardo Sousa e Jefferson Costa. A HQ não foi feita para fazer média com o leitor, muito menos se desculpar de qualquer coisa. É uma celebração e uma biografia dos momentos mais intensos da vida do guerrilheiro que foi preso diversas vezes apenas por ser comunista. Apesar de Marighella ser mais conhecido por sua trajetória durante a Ditadura Militar, onde entrou para a guerrilha armada, a história mostra momentos onde foi torturado na era Vargas, mostrando que a tradição do autoritarismo não nasceu em 1964. A história vai e vem no tempo enganchando momentos até o ápice trágico. A opção pelos desenhos em preto e branco ajuda o leitor a entrar no clima de época e valoriza principalmente a sequência final. Não adianta nada curtir a estética cyberpunk e seus heróis revoltosos e cheios de atitude e ignorar nossos próprios exemplos de revolta.

Marighella Vive!
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