[SEM SPOILERS] Os dias da peste é um romance de Fábio Fernandes (tradutor de várias obras de FC para o português no Brasil) que foi lançado pela extinta Tarja Editorial em 2009. Um romance (pós)cyberpunk nacional com dosagens certas de informalidade (palavrões, cotidiano) e formalidade (informações técnicas, especulação), colocadas de forma convincente no Brasil.
A estória segue Artur, um Técnico em Informática carioca que volta a escrever num blog dias antes do evento que passaria a ser chamado de "despertar", quando os computadores passaram a ser dotados de inteligência e consciência.
Suas três partes, que consistem basicamente no relato feito por Artur. É pelos seus registros, escritos e de voz, que conhecemos as grandes mudanças que o mundo atravessa com o despertar, bem como a própria vida do protagonista. Pela voz de Artur também conhecemos os outros personagens mais próximos a ele. Destaque para as conversas de Artur com Sant'ana, um ex-professor, possuidor de uma personalidade ácida. Os debates entre eles são inteligentes e descontraídos.
O tom informal da escrita deixa a leitura muito leve e fluída. Poucas vezes vi isso num romance de Ficção Científica. Os parágrafos onde Artur evoca algum intelectual para tentar entender o que acontece, eles são interessantes e pouco extensos, afinal são como conteúdos de um blog em que Artur conta sua vida.
Os dias da peste consegue construir sua especulação encaixa as peças desse cenário na frente do leitor. Nos joga na cara a pervasividade e a ubiquidade do ciberespaço, na forma de um relato escrito/oral de uma sociedade que não pode abandonar o vício quando bem entender.
Ótimo livro! Uma pena que a Tarja Editorial tenha encerrado suas atividades! Era uma editora importante, que ajudava a suprir uma fatia do mercado que a Aleph não trabalha: trazer obras de autores brasileiros (agora eles tem o André Vianco, mas não é, a princípio, de Ficção Científica e o cara já é mega famoso). Existe a Editora Draco, mas sentia que na Tarja havia uma melhor curadoria e cuidado.
ResponderExcluirNos livros da Tarja, inclusive neste do Fábio Fernandes (ver p. 2) Naquela página de informações técnicas de catalogação, sempre havia um texto que era uma certa brincadeira, tirando o tom sisudo que geralmente essa página costuma ter.
Apesar de "Os Dias da Peste" se sustentar muito nas referências, achei a forma como foi escrito genial. Foi uma ótima sacada o tom "arqueológico" que o autor deu para quem estava lendo os textos dezenas de anos ou um século depois. Fico pensando como veremos, daqui a dez ou vinte anos, as gravações de transmissões de TV que continham aquele símbolo do twitter, hashtags e "@" na parte inferior da tela. Como veremos programas em que os apresentadores falavam para as pessoas mandarem perguntas ou comentários pelo Twitter ou WhatsApp.
Um exemplo dessa criatividade do Fábio Fernandes está neste trecho (p. 11), segue meu histórico de leitura do Skoob:
"Os capítulos são separados por datas (já que se trata de um diário). E logo notamos algo bem original nas notas de rodapé: pois elas são feitas na visão de uma pessoa de 2109 lendo um texto de 2010, tentando entender expressões e gírias que não são da sua época. Por exemplo, a expressão "zero-bala¹": '¹Expressão desconhecida. Supõe-se que seja algo ligado à extrema violência registrada no Rio de Janeiro do começo do século XXI, mas até o momento não se conseguiu entender porque existiria uma variedade de bala zero (alguns atribuem à gravidade zero...' O autor brinca várias vezes com essas notas de rodapé de forma muito original e divertida!"