"História da Sua Vida e outros contos" é uma coletânea que ficou conhecida pelo conto "História da Sua Vida" que serviu de base para o filme "A Chegada" de 2016, mas o livro faz muito mais que isso: nos entrega uma coleção muito coesa, que mostra um autor que usa a ciência para fazer ficção viajando pelo fantástico com muita criatividade. As influências de Philip K. Dick e Borges, são presentes mas numa escrita bem diferente.
"A torre da Babilônia" abre o livro com um conto que acompanha a história de Hillalum que foi convocado para trabalhar na torre da Babilônia e narra todo o seu caminho até o topo da torre que ainda não foi concluída. O olhar científico do autor esmiúça os aspectos técnicos da torre, como se estivesse especulando tecnologias possíveis para a mítica torre. Além disso também fala do aspecto social ao contar como vive o povo que trabalha e habita por lá. O final é digno de um Borges, mas bem menos prolixo.
"Entenda" conta a história de Leon: um paciente com graves lesões no cérebro tratado com um hormônio K (experimental). A droga faz Leon recobrar as funções cerebrais perdidas, mas também ativa uma inteligência muito acima do comum. Começa uma caçada para fugir das autoridades que querem prendê-lo para testes e para encontrar possíveis superdotados com a mesma droga. O conto daqueles que o faz aprender ciência, divertindo o leitor com inteligencia e tensão até o último momento.
"Divisão por zero" conta a história de Renee e Carl. Renee é uma matemática que descobre uma fórmula que invalidaria praticamente todos os axiomas da sua área, o que a deixa arrasada. O conto é narrado por Carl que não consegue ajudar a sua esposa a lidar com tudo isso, alternando entre os momentos em que conheceu ela e quando ele a traz de volta de uma clínica. Conto dramático que mescla bem a ciência e a situação do casal.
"História da sua vida" conta sobre a Dra. Louise Banks, uma linguista convocada para estabelecer contato com alienígenas. O conto alterna entre as descobertas de Banks com momentos dela com sua filha em vários momentos aleatórios. As revelações de Banks começam a se interligar com suas lembranças. Temos uma narrativa que é um deleite para quem gosta de linguística, intercalada pelas lembranças e a curiosidade que despertam em relação a trama linear de descoberta da protagonista.
"Setenta e duas letras" conta a história de Robert Stratton que estuda nomenclatura na Inglaterra vitoriana. Chiang volta a trabalhar com um olhar científico apurado sobre temas mitológicos. Aqui, é a existência de Golens na Inglaterra do século XVIII. Quase como um mundo Steampunk mas ao invés de termos uma Revolução Industrial movida por máquinas à vapor avançadas, é tomada pela técnica de reanimar construtos com palavras escritas num papel. Contudo, Stratton quer dar um passo além escrevendo nomes em óvulos femininos para animar seres humanos completos. O que é muito debatido durante todo o conto, desde as implicações sociais até as possibilidades técnicas e científicas de fazê-lo. O conto reserva uma pequena parte para a ação, mas o grosso do conto é o debate as intrigas sobre o uso dos golens.
"A evolução da ciência humana" narra como a ciência é feita no próximo milênio, na forma de um artigo científico. De fato, esse conto foi solicitado por uma revista deste tipo que queria especulações sobre como a ciência seria feita. Chiang faz nesse conto, o mais curto da coleção, - na verdade o único conto curto do livro - é imaginar uma raça de metahumanos que desenvolveu a ciência a um ponto em que humanos normais não conseguem mais acompanhar seus avanços, restando poucas opções para nós.
"O inferno é a ausência de Deus" conta a história de Neil Sparks, que trava uma luta para tentar amar a Deus depois que lhe é tirado tudo. A narrativa faz uma óbvia referência ao livro de Jó. Nesse mundo as passagens dos anjos entre os planos, deixam rastros de destruição e/ou bençãos para os que ficam perto destes eventos. A ordem desses eventos é completamente aleatória para a percepção humana e existe uma angústia para explicar as razões. As vezes é possível, avistar o inferno, onde muitos dos que morreram são identificados, e o que se revela confunde ainda mais as pessoas acabando com qualquer tentativa de estabelecer um padrão que encaixe a doutrina religiosa. Nesta versão do Livro de Jó, Chiang traz um final macabro, mas segundo o próprio, mais corajoso.
"Gostando do que vê: um documentário" o conto é narrado como se fosse um documentário, com depoimentos alternados sobre o uso de uma técnica que induz as pessoas a não se sentirem mais atraídas por um rosto bonito, a caliagnosia, ou cali para os íntimos. Chiang usa personagens de diversos tipos, de professores, especialistas, adolescentes e políticos que expõe seus argumentos ou dramas pessoas com o uso da tecnologia.
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