Texto originalmente publicado no blogue da editora Caligo, na Coluna Asas, para qual escrevo regularmente.
A literatura de Ficção Científica e o Brasil têm um caso de amor complicado. É como naqueles filmes mamão com açúcar. Sabemos que os dois se merecem e, uma vez se conhecendo, se apaixonariam e viveriam juntos, mas passam por uma série de problemas aparentemente bobos. Eu quero acreditar que esse filme existe e com um final feliz por acontecer.
Os motivos para que essa mistura ainda pareça tão atrativa ao grande público quanto uma picanha grelhada batida no liquidificador com banana ou salsicha com leite condensado, já foram pensados antes, e tentarei condensá-los em três.
Primeiro, o Brasil tem uma tradição literária atrelada ao realismo e ao romantismo, que se distanciam da FC, que por sua vez, é mais filha do fantástico. Segundo, a ideia de que pelo Brasil não ser um polo desenvolvedor de alta tecnologia e vivermos a tecnologia apenas na ponta que consume – de segunda mão – nos coloca em desvantagem ou até incapazes de imaginar, debater ou encantar como os autores de FC gringos fazem. Em outras palavras, o velho complexo de vira-latas. Terceiro, o próprio leitor brasileiro que gosta de FC (lembre-se do nosso filme, ainda não há amor aqui), ainda ser muito apegado aos autores clássicos estrangeiros (AsimovClarkeHeinlein) a ponto de não poder/querer acompanhar sequer, os autores estrangeiros atuais, menos ainda brasileiros de FC.
A Ficção Científica é uma das respostas em si, para quem tiver o olhar adequado. É uma forma de enxergar mundos possíveis, lindos, terríveis, ambíguos. Visões potencialmente libertadoras da imaginação. Aquelas que nos impedem de aceitar a realidade repulsiva que nos permeia como algo inescapável ou até aceitável. É um poder de dar um primeiro passo importante para afastar a tacanhice comum do vira-latismo. Entendeu, meu Brasil brasileiro? Os óculos podem até ser importados, mas os olhos não.
Ivan Carlos Regina, com muito mais vigor e habilidade, aborda essa relação no seu Manifesto Antropofágico da Ficção Científica Brasileira (1988), na qual reproduzo apenas alguns trechos saborosos.
Precisamos deglutir urgentemente, após o Bispo Sardinha, a pistola de raios laser, o cientista maluco, o alienígena bonzinho, o herói invencível, a dobra espacial, o alienígena mauzinho, a mocinha com pernas perfeitas e cérebro de noz, o disco voador, que estão tão distantes da realidade brasileira quanto a mais longínqua das estrelas. […] Queremos despertar o iconoclasta que jaz em todo peito brasileiro.
Morte aos adoradores de máquinas. Um caipora verde amarelo devora hambúrgueres, destrói satélites, deglute armas e destroça tecnologias. Um índio descerá de uma estrela colorida brilhante.
Os futuros pioneiros dessa aguardada FC já estão por ai escrevendo, publicando, querendo encontrar você, caro leitor, desse meu Brasil brasileiro, para fazer esse filme ter um final bem mais criativo que uma comédia romântica enlatada. Quem sabe, algo mais parecido com um índio descendo numa estrela colorida brilhante.
Davenir Viganon
Nenhum comentário:
Postar um comentário