segunda-feira, 22 de março de 2021

Resenha #175 - Gigante Pela Própria Natureza (Nelson de Oliveira)


"Gigante Pela Própria Natureza" é um romance de Nelson de Oliveira que concorreu ao prêmio Kindle em 2020. A obra apresenta várias subversões surrealistas na linguagem literária, das descrições mais corriqueiras até a estrutura da história. A história começa com um homem que se envolve com uma mulher negra-índia-amarela-branca e torna-se mulher para ter um filho com ela. A criança é imensamente poderosa e sábia e logo se se perde dos pais que o buscam numa jornada insólita onde encontram vários personagens da nossa cultura. O livro é cheio de referências e é fácil ficar confuso (no bom e no mal sentido) em meio a elas, pois elas vem acompanhadas de várias quebras de perspectivas, abusando da ideia de que o romance sabe que é um romance, ironizando a adoção de clichês, elevando o nível de absurdismo para níveis que tornam o livro muito divertido, ou dependendo do leitor que não se interesse por algo tão subversivo e fora do convencional, muito confuso. Eu tive a experiência do tipo divertida e quem tiver Kindle Unlimited aproveite e se jogue nessa leitura!
   
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segunda-feira, 15 de março de 2021

Resenha #174 - Atemporal (Cláudia Roberta Angst. Org.)


"Atemporal" é uma antologia de contos da editora Caligo, que lança livros fora da esfera viciosa dos vanity press pois há a preocupação com o que coloca nas páginas além de vender papel. Desta vez temos uma antologia sobre viagem no tempo. Não necessariamente focado na Ficção Científica mas com contos que usam o artifício para explorar áreas mais voltadas as humanidades que as ciências como a física.

"Amélia" (Ana Maria Monteiro) segue a pequena Amélia, de férias onde passa a encontrar uma mulher do futuro com a qual desenvolve uma amizade com sua versão do futuro. Uma singela e bonita homeagem a Amelia Earhart, a primeira mulher a tentar uma volta no globo pelo ar e que desapareceu nessa tentativa no Oceano Pacífico.

"À Roda no Meu Quarto" (José Angelo Rodrigues) parte para o surrealismo onde os tempos se sobrepõe onde um escritor prefaciando Xavier da Maistre e o próprio num mesmo quarto, nos traz uma visão diferente do tempo. Infelizmente não conheço a obra de Maistre e temo que algum significado mais profundo tenha me escapado, porém o conto já vale pela viagem surrealista. 

"A Última Viagem de um Homem Sem Fé" (Jorge Santos) traz um viajante do futuro que retorna aos tempos bíblicos para encontrar sua amada numa desesperada tentativa de encontrá-la. Sua jornada tem momentos bem construídos ainda que tenha um final, em parte óbvio.

"Buraco de Minhoca" (Paula Giannini) usa o mundo infantil para adocicar uma história de perda familiar onde uma menina encontra sua versão adulta e tentam se entender para ajudar sua mãe a curar de sua doença. O conto nos põe a dúvida de que tudo possa ser fruto da imaginação da menina e a interação entre as duas é alegre sem deixar de trazer a profundidade do drama que a menina está passando. A habilidade em entrelaçar essas duas camadas já vimos no seu livro que resenhamos no blogue.

"Gênio" (Marco Saraiva) conta a história de um cientista maluco, o profº Lúcio Veras, que é encontrado morto na universidade onde trabalha e de seu amigo, Sérgio, um dos poucos que conseguia lidar com sua personalidade difícil. Então, Sérgio descobre que o profº Veras, não era apenas maluco, mas que também esteve certo sobre sua pesquisa.

“O paradoxo do avô” (Victor O. de Faria) mostra um avô preso em uma repetição trágica: ter de salvar sua neta de ser atropelada e parar no hospital apenas para ser levado de volta e tudo se repetir. Diferente das histórias deste tipo onde o protagonista precisa reviver o momento da morte de alguém querido e só conseguir escapar da repetição quando obtém sucesso, o avô deste conto precisa deixar sua neta morrer para parar este ciclo. Esse diferencial já vale o conto.

“Pandorga” (Eduardo Selga) relata a viagem no tempo acidental de uma caravela portuguesa, numa narrativa cheia de lirismo e significados sobre o Brasil.

“Prisioneiro do tempo” (Antonio Stegues Batista) vai para o outro lado, o da ação frenética de dois homens disputando o amor de uma mulher voltando no tempo e arriscando tudo.

“Quinze minutos” (Ricardo Labuto Gondim) faz sua reflexão sobre a viagem no tempo através do escopo da loucura e da paranoia de um escritor que largou tudo e não consegue se estabelecer na carreira, sem saber o quanto do seu sofrimento é causado pela frustração ou realmente algo fantástico está acontecendo.

“Tempo negado” (Claudia Roberta Angst) acompanha uma mulher madura que se apaixona por seu aluno, para quem dá aulas particulares, e não sabe o quanto disso é real ou imaginação causada por um amor mal resolvido de seu passado. O clima romântico é bem balanceado com o mistério encarnado pelo jovem aluno.


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segunda-feira, 8 de março de 2021

Resenha #173 - Eu Estou Vivo e Vocês Estão Mortos (Emmanuel Carrere)


"Eu Estou Vivo e Vocês Estão Mortos: A Vida de Philip K. Dick" do biógrafo Emmanuel Carrére conta sobre a vida do meu autor favorito e faz de forma muito criativa, incorporando elementos de romance e análise enquanto relata momentos importantes da vida do autor que ficou conhecido pelos seus romances e pela sua relação com as drogas.

O que chama a atenção logo nos primeiros capítulos é o estilo que introduz partes narradas como se fosse um romance. Alguns diálogos e pensamentos de Philip K. Dick como se fosse um personagem de ficção. A ideia de mesclar sua vida com a ficção na forma da narrativa tem muita relação com a própria forma que PKD tinha de se relacionar com as ideias que expressava em seus livros sobre a realidade - ou a ausência dela. Vemos esse caminho se aprofundando nesse livro a medida que acompanhamos a história de Dick enquanto escreve os seus livros e a forma como Carrére os usa como fontes para entender sua vida. É ai que podemos encontrar ao mesmo tempo o grande diferencial da obra com seu maior defeito.

As principais obras são esmiuçadas para que o autor acrescente suas reflexões a entender PKD, o que consegue mostrar o quão ele era profundo, paranoico e perturbado como consegue literalmente estragar a leitura de qualquer obra mencionada durante o livro. As obras mais relevantes tem seus enredos contados (até aqui, tudo bem) até o fim do livro e analisadas exaustivamente, de forma sensacional, se você já leu a obra. Contudo, o livro exige que você tenha lido muitas obras para não tomar spoilers violentíssimos e mesmo se você já leu muitas obras do autor como eu, fui obrigado a desviar de páginas inteiras para chegar ao fim sem saber o final de livros que ainda estão na minha estante. Tudo isso sem um aviso. Ok! Sei que é difícil contar a história da vida de um autor como PKD, que teve sua vida tão intrinsecamente ligada a suas obras, seria muito malabarismo desviar de todos os spoilers e no fim das contas é melhor já ter uma boa bagagem de leitura de suas obras para começar essa aqui, mas um aviso (que só as resenhas podem fazer) se faz necessário. Sendo assim para ajudar os que tem dúvidas se/quando devem ler esta biografia vou deixar uma lista de livros que são analisados profundamente nessa obra para que o leitor se prepare ou ignore consciente do que vai ser spoilado (vou colocar no final do texto).

Já você que leu boa parte das obras, pode esperar que uma biografia de um escritor comum não pode ser mais instigante que suas obras, contudo Dick escrevia muito sobre sua visão de mundo e depois, em seus últimos anos, literalmente uma exegese buscando uma cosmogonia, que encontramos resumida em VALIS. Carrére esmiúça bem o pensamento de Dick, obviamente não decupa a sua exegese (exigiria um ou mais livros só para isso), mas traça os caminhos mentais que o levaram a acreditar em parte das ideias que trabalhou nas suas principais obras. Tal profundidade pode fazer parecer que estamos lendo uma sequência de ensaios sobre as obras, o que torna esta biografia uma leitura atraente para fãs de Dick e um potencial estraga prazeres para quem não leu tantos livros assim. Pessoalmente, procurei ler todos os livros de PKD que pude antes de começar esse e valeu muito a pena!

Segue a lista de livros mencionados que tem seus finais revelados em "Eu Estou Vivo e Vocês Estão Mortos: A Vida de Philip K. Dick" 

Olhos no Céu / Eye in the Sky
Tempo Desconjuntado / Time out Joint
O Homem do Castelo Alto / The Man in the High Castle
Os Clãs da Lua Alfa / Clans of Alphane Moon
Tempo em Marte / Martian Time-Sleep
Os Três Estigmas de Palmer Eldritch / The Three Stigmata of Palmer Eldritch
Andróides Sonham Com Carneiros Elétricos? / Do Androids Dream of Electric Sheep?
Ubik / Ubik
O Labirinto da Morte / The Maze of Death
Reflexo na Escuridão (Homem Duplo) / A Scanner Darkly
VALIS / VALIS

Contos
Jogos de Guerra / War Games
A Fé de Nossos Pais / Faith of Our Fathers







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segunda-feira, 1 de março de 2021

Resenha #172 - Salvem as Crianças (Luiz Brás)


"Salvem as Crianças" é um conto de Luiz Brás disponível na Amazon no formato e-book. O conto é uma distopia que parte da premissa de uma Ditadura de extrema-direita através de uma Universidade governada por um Reitor Ditador. O conto tem o mesmo ritmo narrativo de Anacrônicos: ágil, eletrizante, seguindo algumas linhas que se convergem e interagem até a conclusão e sem gastar uma palavra fora do que interessa. Essa última, uma característica na qual costuma-se definir um conto como tal. O tom irônico da construção do mundo é afiado com o atual contexto político e mostra como o autor foi sagaz em escrevê-lo em 2017. O momento ideal para ler esse conto é o quanto antes.
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segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021

Resenha #171 - Frankenstein (Mary Shelley)


"Frankenstein" de Mary Shelley é considerado o primeiro livro de Ficção Científica já escrito pois estabelece a discussão do que é ser humano através de um evento fantástico derivado da ciência. Ainda que a ciência usada não seja o foco do livro e não seja explicada como nas histórias da Ficção Científicas que vieram depois, sem ela teríamos apenas uma obra do fantástico como as que já circulavam em seu tempo. 

A história já é conhecida vagamente pois é muito referenciada na cultura pop, mas nada que invalide a leitura, muito pelo contrário. "Frankenstein" é leitura obrigatória para quem gosta de Ficção Científica, e para quem está de passagem pela estante dos clássicos. Nela temos Victor Frankenstein que está em uma expedição rumo ao polo norte. Victor vive atormentado e arrependido por um monstro que o assombra e está em sua caçada. Começamos com um relato em cartas (o livro todo é escrito de forma epistolar) de um marinheiro civil narrando como conheceu seu amigo Victor Frankenstein, depois segue num relato do próprio Victor de como criou o monstro (que não chega a receber um nome) e como o renegou depois de ficar arrependido do sucesso de seu experimento. Contudo o monstro passa a persegui-lo colocando em risco a vida dos seus familiares. Mesmo sendo um livro tão antigo prefiro não dar spoilers. 

Shelley pinta o monstro de forma misteriosa e indireta tanto que o nosso visual é moldado pelas primeiras adaptações do cinema. O livro trava diálogos muito interessantes sobre a própria criação da vida e nos faz pensar sobre quem é o monstro e também o quanto de vítimas e algozes temos dentro de cada um de nós, trazendo uma alteridade para a obra que a colocou como um clássico da literatura em geral.
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segunda-feira, 15 de fevereiro de 2021

Resenha #170 - Mata-Mata (Zé Wellington)


Excepcionalmente hoje, vou fugir da Ficção Científica e afins, para falar de "Mata-mata". Uma novela, parte de um projeto multimídia do escritor e roteirista de HQs cearense Zé Wellington. Já resenhado aqui pelo excelente Cagaço Overdrive. O conto resgata a época da pistolagem no Ceará para os dias atuais, quando um assistente social se envolve com um pistoleiro aposentado que se viu obrigado a voltar a ativa. Os pistoleiros se envolviam na política local matando desafetos políticos, além de outros contratos para quem mais pedisse. O material consiste basicamente na novela, que conta a história do início ao fim; de um áudio que simula um podcast apresentado pelo assistente social entrevistando o pistoleiro e de uma trilha sonora - por Rafael Cavalcante - exclusiva para o projeto. A gravação do podcast acontece na história, e os principais eventos são contados na novela, mas a entrevista conta tudo com mais detalhes e é bem convincente. 

Quando a história, ela tem um inesperado (ao menos para mim) clima tarantinesco, principalmente pela forma que a violência aparece. O autor consegue envolver uma aura de ameaça ao pistoleiro, de um perigo que parecia extinto mas estava apenas adormecido. É um western nordestino com uma história bem montada, sucinta, direta e grossa. Apesar do assunto pesado, a leitura é muito leve e tem toques de humor bem vindos. É possível entender a história, apenas lendo a parte escrita, mas colocar a trilha enquanto lê e parar tudo para ouvir o podcast é a receita ideal para mergulhar nesse mundo. Então minha recomendação é aproveitar, caso não tenha lido o conto, e usar todas as mídias disponíveis. Ainda mais que estão de graça em uma página própria: https://matamata.iradex.net/.
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segunda-feira, 8 de fevereiro de 2021

Resenha #169 - Viva mais um dia (Lady Sybylla)


"Viva mais um dia" é uma novela de Ficção Científica de Lady Sybylla publicada originalmente no wattpad e depois na Amazon, na forma de e-book, a forma na qual li a obra. A autora já é conhecida pelo seu blogue Momentum Saga e aqui traz uma de suas primeiras histórias e já mostra a qualidade de alcançou nas obras maiores. Aqui temos a história de uma mulher que acorda sozinha sem a memória, tendo como companhia apenas uma cachorrinha. Seguindo o animal, que parece se lembrar de tudo, chegam até uma casa familiar e em meio a todo caos silencioso consegue se abrigar ali até que é abordada por um homem estranho que diz conhecê-la.

A história se divide em dois momentos bem distintos: no primeiro tente mais ao terror e ao suspense e no segundo tende totalmente a uma Ficção Científica, quando conseguimos entender o que está acontecendo. Pela novela ser curta o suspense não se estende demais e consegue prender com a tensão e depois com as reviravoltas. O final lembra muito os finais malucos que vemos em Philip K. Dick e me agradou bastante.
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segunda-feira, 1 de fevereiro de 2021

Resenha #168 - Shiroma: Pheonix Terra (Roberto de Sousa Causo)


"Shiroma: Pheonix Terra" é um noveleta que é sequência direta do livro "Shiroma: Matadora Ciborgue" de Roberto de Sousa Causo e inicia um novo ciclo de histórias que haviam se encerrado na coleção de contos que antecedeu. O livro Shiroma: Matadora Ciborgue, apesar de ser uma coleção de contos parte inéditos parte escritos especialmente para a obra, tem uma sequência que dá uma cara de romance que fechado, esta noveleta é como uma introdução a uma sequência de novos contos e começa respondendo algumas perguntas deixadas ao fim do último conto. Como é possível presumir, Shiroma sobrevive ao último confronto (dã) e escapa com uma coleção de artefatos do planeta que era a sua base de operações, e busca estabelecer contato com Torgo Borkien um comerciante de arte do distante planeta Pheonix Terra, que fica intrigado com a coleção de Shiroma (obviamente sob disfarce) que tem em sua posse mais peças do que o total conhecido até então. É nesse clima de desconfiança, ganancia e artigos de valor quase inestimável que Shiroma busca levantar fundos para combater seus inimigos e perseguidores no mundo do crime.

O mundo explorado por Shiroma é o mesmo que ambienta as histórias do capitão Jonas Peregrino, compondo o universo GalÁxis, que imagina um futuro com vários planetas explorados, contatos com várias povos alienígenas, mas ainda com a humanidade fendida politicamente em diversas alianças na Terra. O universo conhecido é dividido em Zonas de Expansão Humana, que são círculos concêntricos, que são mais movimentados de acordo com a proximidade com a Terra. Pheonix Terra está na Zona 3, considerada distante, só não mais que a Zona 4. As aventuras de Shiroma orbitam mais os submundos, onde as habilidades implantadas por seus antigos tutores são extremamente valiosas, mas agora Shiroma está por conta própria pela primeira vez. A protagonista continua interessante e bem construída e é impressionante ver como os contos, este e os anteriores continuam repletos de escolhas acertadas da parte do autor, que não permite que Shiroma vire uma boneca sexualizada invencível que vive aventuras de ação sem sentido mas uma mulher complexa, interessante e que se desenvolve um pouco a cada conto. Aguardamos por mais contos e pelo encontro com Jonas Peregrino!
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segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

Resenha #167 - Nova York 2140 (Kim Stanley Robinson)

"Nova York 2140" é a primeira obra de Kim Stanley Robinson a ser traduzida para terras tupiniquins. O autor estadunidense é consagrado pela sua trilogia sobre Marte (Red Mars, Blue Mars e Green Mars) que ainda não tem tradução no Brasil. 

A obra é uma verdadeira colcha de retalhos multicultural de uma Nova York do futuro onde as histórias se cruzam várias vezes numa rede que por fim acaba contando a história da própria cidade num período turbulento. Tudo isso em meio a um cenário onde aquela geração teve de lidar com as consequências catastróficas do derretimento parcial das calotas polares. O suficiente para aumentar cerca de 15 metros o nível do mar, inundando a baixa Manhattan e invariavelmente danificando ou destruindo todas as cidades costeiras do planeta. 

Não se trata de um livro pós-apocalíptico, como poderia-se esperar, e sim de como as pessoas ainda conseguem toca a vida apesar de tudo. Mostra as novas tecnologias que mantém os prédios protegidos da degradação da água, experimentos comunitários dos prédios, como o capitalismo lidou com a crise das áreas alagadas, como vivem nas áreas mais pobres. Enfim, o autor usa vários personagens para compor uma ideia de como seria essa Nova Iorque do futuro, caótica, perseverante e sobrevivente. O autor opta por um equilíbrio entre a distopia pintada pelas mudanças climáticas e a utopia quando nos dá esperanças de um futuro melhor. Sem nenhum exagero em cada elemento, essa opção deixa a história extremamente palpável soando muito verdadeira. O autor constrói a história de forma calma e por personagens críveis, pessoas comuns. Passando da policial linha dura a dois pivetes que cresceram nas ruas. De uma influenciadora digital ecológica a um investidor da bolsa de valores. Ainda passando por um sombrio síndico Sérvio-croata e uma advogada sindicalista de um prédio onde moram todos esses personagens, o Met. O autor não se poupa de colocar suas preocupações ambientais, presentes na própria especulação e preocupações políticas, quando aborda a especulação imobiliária e a característica predatória e gananciosa do capitalismo de mercado.

O leitor pode estranhar tantas histórias iniciadas, principalmente na primeira parte e adicionadas pela presença de um locutor que fala diretamente com o leitor, o "cidadão", mas essas vozes tem a mesma função da escolha do autor de uma cidade tão cosmopolita: Nova Iorque como representante de todo o planeta e aquele punhado de cidadãos como representantes daquela cidade. O resultado é o que o autor chama de "comédia dos comuns", cidadãos comuns contanto uma história com personalidade e cheia de verdade, dentro de uma especulação muito consistente. Vale a leitura!
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segunda-feira, 18 de janeiro de 2021

Resenha #166 - Rede Vermelha Sobre o Oceano de Merda (Cláudia Dugim)


"Rede Vermelha Sobre o Oceano de Merda e outros contos" é uma coletânea de contos de Cláudia Dugim, conhecida no Clube de Leitores de Ficção Científica no Facebook, onde administra (e coloca ordem no coreto) e contribui para ser uma das poucas comunidades de Ficção Científica onde podemos conversar sem o lado mais escroto do Fandom desse nicho que tanto amamos. Essa coleção, que é de 2018, fui conhecer durante o desafio Corrida Kindle 2020 que me rendeu muitas leituras agradáveis e esta foi uma delas. São seis contos bem curtos que fecham 51 páginas no total. 

"Entre Sólidos, Gelatina" conta sobre uma detetive que desconfia do cliente em um caso e acaba chegando a três trigêmeos num ferro velho. Conto se passa no mesmo mundo de "Boca Maldita" (publicado na no livro Cyberpunk) que se passa numa Antártida distópica. Conto é competente em manter um mistério num mundo diferente e aumentou minha curiosidade sobre esse mundo compartilhado da autora. 

"Para não dizer que falei de mim" é o primeiro conto que mostra a marca desse livro que é a criatividade em pensar em mundos absurdos. O conto é todo um diálogo de uma mulher ao espelho ponderando se envia o cadáver da amante numa viagem até a lua. "Rede Vermelha sobre o Oceano de Merda" é uma viagem insólita em um planeta que se degradou ambientalmente a ponto de se tornar um amontoado de vulcões e oceanos de merda na pele de um pesquisador que fica obcecado pelas áreas mais perigosas do continente. Inspirado em três quadros de Edvard Munch (Melancolia, O Grito e Separação).

"Bebês e Gatinhos Espiralam no Trono" uma operadora de torno mecânico que morre e renasce todo dia sem memória é abordada por um movimento revolucionário enquanto cria de bebês e gatos que não lembra de onde vieram. Alegoria instigante do ser humano pós-moderno. "Bossa Nova" segue uma entidade que tem seu movimento interrompido por cinco pessoas que tem seus desejos estranhamente atendidos. Conto repleto daquele absurdo que adoro tentar desvendar. "Para Elaézer Bouffier" é baseado no francês que após lutar na 2GM replantou uma reserva florestal inteira sozinho. O conto acompanha suas reflexões sobre a vida e é um relato muito emocionante.
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segunda-feira, 11 de janeiro de 2021

Resenha #165 - Shiroma: Matadora Ciborgue (Roberto de Sousa Causo)


"Shiroma: Matadora Ciborgue" é uma antologia de contos da personagem criada por Roberto de Sousa Causo que também faz parte do seu universo literário GalÁxis. O livro conta com onze contos, alguns estão espalhados em antologias que o autor participou e outros foram escritos especialmente para esse livro que lidos na ordem cronológica da história formam um ciclo, e tem um gosto de romance, pois cada conto vai acrescentando algo a uma trama e a construção da protagonista Shiroma.

Shiroma foi sequestrada, arrancada de sua mãe e submetida a experiências que a transformaram numa ciborgue com habilidades únicas até mesmo para o futuro imaginado por Causo. Tera e Tiago, seus tutores a usam como assassina de aluguel e foi literalmente educada para matar. Suas habilidades sociais, inclusive, foram direcionadas apenas para esse fim. A cada missão, os questionamentos sobre seu passado e sua origem ficam cada vez mais insuportáveis e seu único abrigo emocional é através de uma concha do mar, única lembrança de sua mãe que consegue revelar seu verdadeiro (Bella Nunes) nome através da concha. As visões de Shiroma/Bella, seriam alucinações por sua condição única? Seja qual for a resposta, a cada conto vemos uma personagem ganhando complexidade e somos brindados por uma série de escolhas bem acertadas do autor na construção das aventuras, dos personagens e da trama que perpassa todos os contos do livro. Vale muito a leitura!

O livro, mesmo não sendo um romance, consegue encerrar um ciclo que ganha sequência com uma nova noveleta para a personagem: Shiroma: Pheonix Terra, que será resenhado neste blogue em breve!
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segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

Resenha #164 - Fábulas do Tempo e da Eternidade (Cristina Lasatis)


"Fábulas do Tempo e da Eternidade" (2008) é um dos melhores livros de contos que a Ficção Científica do Brasil já produziu. Cristina Lasatis, aborda o tempo de maneira universal com histórias carregadas de emoção, fazendo histórias simples em viagens profundas. O tempo e a Eternidade, é o conceito que percorre toda a obra e mostra seres humanos lidando com a morte. Cristina tem um domínio apurado da linguagem, algo não tão comum num gênero que sempre focou mais em imaginação e enredo, e mesmo esses elementos não faltam na obra. Suas histórias abordam o tempo sem apelar para o óbvio das histórias de viagem no tempo usando muitos tipos de personagens, girando em torno dos tipos humanos comuns e não em heróis infalíveis. É aquele livro que se recomenda para quem acha que Ficção Científica são apenas aventuras pueris. O livro tem 12 contos, um para cada hora do relógio. Vamos falar sobre cada conto individualmente.

"Além do Invisível" aborda um amor conectado a internet em realidade virtual. Marcos e Maya depois de um ano juntos em um amor intenso resolvem mostrar sua verdadeira identidade. A condução do conto é delicada, sem pressa e com um final muito bonito e melancólico. 

"As Asas do Inca" segue a paranoia do Imperador Inca Amaro Cápac, que vivei as vésperas da invasão espanhola, que não pouca recursos para saber se alguém o trairá pelo trono, até que chega aos Maias ao sul, onde o imperador poderá ter o que deseja.

"Nascidos das Profundezas", conta sobre uma tripulação de uma missão arqueológica encontra uma civilização isolada por acidente e no contato com eles, descobrimos que o desconhecido pode estar debaixo de seus narizes. O conto conduz bem a expectativa e as revelações do conto expandem a sensação de isolamento daquela civilização. O tempo é abordado no sentido da história como conhecimento acumulado.

"Revés Alquímico", se passa num campus de uma universidade comum no Brasil. Nos afeiçoamos ao Dr. Girandello que está em uma pesquisa que vai muito além da química e envolve Gláucia nesse mistério. Contudo, o clima de mistério não é sinistro mas doce, de uma amizade e de reflexões sobre a vontade de descoberta e, obviamente, o tempo.

"Assassinando o Tempo", conhecemos Cláudia Mansilha, desde a infância, dando a profundidade necessária, sem pressa e aqui o tema do tempo e da eternidade é envolto de uma competente Ficção Científica hard sobre uma teoria física bastante verossímil que a leva a construir um colisor de matéria para comprovar a sua teoria que, se confirmada, vai mudar a forma de ver o tempo para sempre.

"A Outra Metade" é bastante inspirada no trecho d'O Banquete de Platão sobre a ideia de almas gêmeas. Conto bastante sensível e mesmo em poucas páginas consegue desenhar lindamente os personagens e o conflito da trama.

"Viagem Além do Absoluto" conta a aventura final da vida cercada pela entropia que promete acabar com o movimento do pouco que resta do universo, a bordo da Aurora, ao mesmo tempo mostra a sobrevivência da entidade que restou, o Alpha e o Ômega. É aquela FC que nos faz viajar profundamente pelo mistério da existência. Conto para soltar o cinto e se deixar levar.

"De Onde Viemos, para Onde Vamos", mostra velhos intelectuais boêmios e fracassados reunidos num café para discutir a filosofia. Brinca com a ideia dos expectadores da vida enquanto um dos filósofos persegue a compreensão do que é o Nada. Conto que mostra um lado bem humorado e irônico da autora.

"Irmãos Siameses" se aproxima do Fantástico, sem chegar a tocar nele. Conta a história de dois irmãos siameses - Luri e Mani, Sol e Lua - que nasceram em Nova Tulor, na área montanhosa perto do Deserto do Atacama, Chile. Eles tentam levar uma vida tranquila como pastores de alpacas enquanto lidam com as diferenças de temperamento e pensamento, principalmente em relação a vontade de explorar o mundo de um deles, quando tem de lidar com um grande dilema. Podemos refletir como uma alegoria psicológica para nossas contradições internas sem deixar de nos emocionar com os personagens (como é de praxe da autora) bem construídos e aqui carismáticos também.

"Caçadores de Anjos" se passa na Idade Média onde nem os anjos escapam da inquisição, e Lúcifer está muito bem aclimatado. A reflexão do conto gira entorno das escolhas frente ao tempo e da imortalidade.

"Os Parênteses da Eternidade", se passa no mesmo mundo onde a Dra. Cláudia Mansilha, já modificado pela sua descoberta onde um correio entre épocas permite conversas entre pessoas completamente separadas pelo tempo. A autora consegue mesclar bem o clima amistoso das correspondências (contos epistolares me encantam) com a revelação final que pode arrancar aquele sorriso no canto da boca.

"Meia Noite" encerra com a continuação do primeiro conto, mudando o tom da narrativa, que na primeira vaga pelo intimo do protagonista, agora acompanha Syl, uma operadora de segurança eletrônica que tem de resolver um problema sério de invasão provocada por uma IA pertencente a própria empresa. É o conto mais longo do livro mas que expande muito o universo cyberpunk. Um universo que, como muitos criados neste livro, merecem um livro apenas para eles.
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