terça-feira, 14 de abril de 2020

Resenha #127 - Epílogo (Victor Allenspach)

"Epílogo" é o terceiro livro que Victor Allenspatch lança de forma independente e o segundo de Ficção Científica. Uma bibliografia curta mas que na segunda obra mostra uma grande evolução em comparação ao já ótimo A procura de vida inteligente de 2015. Em Epílogo, temos uma história densa em um mundo pós-apocalíptico com elementos de cyberpunk e do terror, resultando numa viagem profunda por fragmentos de uma civilização que falam diretamente com nosso presente.

A história começa com a protagonista acordando sem memória. Ela é ressuscitada por Lázaro que consegue salvá-la apenas dos ombros para cima. Transformada num ciborge, ou biônico, como a chamam nos esgotos onde passa a viver, recebe o nome de Proto. Neste futuro pós-apocalíptico, perdido no tempo, os ventos solares devastaram quase toda vida na superfície e os sobreviventes dos apagões sobrevivem em esgotos sujos, onde as doenças se alastram e membros são substituídos por próteses robóticas corriqueiramente enquanto o câncer devora os habitantes.

A narrativa é permeada por reflexões constantes de Proto, que apesar de todas as dificuldades, está sempre se reavaliando e se redescobrindo e por ter perdido a memória procura completar suas próprias lacunas existenciais. Tudo isso é permeado por momentos cheios de tensão e terror em que sua vida fica por um fio, seja por recorrentes falhas em seus componentes artificiais quanto pela fragilidade de sua parte biológica. O fato de Proto ser mulher não é gratuito: a posição das mulheres nesse mundo não é melhor, nem pior, que a atualidade entrando de cabeça nas reflexões do autor sobre o que de fato muda na humanidade em condições adversas, quando não terríveis.

A ambientação, apesar de limitada pela visão de Proto, é justificada pela característica de isolamento dos nichos populacionais de sobreviventes que Proto encontra ao longo da história. Ao mesmo tempo que ela é uma espécie de pária por sua condição ciborgue e por sua amnésia, a falta de laços concede uma mobilidade libertadora. É no deserto que ela passa a perambular que temos essa noção de forma marcante.


A escrita é bastante direta na descrição das cenas mais fortes, passando a visão de naturalidade da realidade deste mundo. Essa mesma naturalidade passa uma falsa impressão de que a obra não é profunda nas reflexões pelo simples fato de Victor não ter uma escrita prolixa, tornando Epílogo uma leitura bastante acessível a qualquer leitor. Concluindo, considero a obra um achado em meio a tantas obras independentes lançadas em e-book, onde não é raro encontrar obras pouco lapidadas, para não dizer mais. Já o autor, espero que consiga ganhar os olhares das editoras pois seus dois livros independentes já mostram sua qualidade.



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