segunda-feira, 9 de agosto de 2021

Resenha #195 - A Fila (Bazma Abdel Aziz)


"A Fila" foi escrito em 2013 e lançado no Brasil apenas em 2018, pela ativista egípcia Basma Abdel Aziz. É uma distopia embalada pelo desgosto com a primavera árabe escrita antes da ascensão da Irmandade Muçulmana no Egito dando ao livro, inclusive um aspecto premonitório senão uma excelente leitura política do país. 

A história acompanha um país árabe não especificado onde o regime totalitário ascende após uma revolução fracassada. O novo governo centraliza até as menores decisões obrigando a população a recorrer ao portão do Edifício Norte, passando a ser conhecido apenas como O Portão. Os personagens principais estão aguardando na fila, com os motivos mais diversos, muitas vezes banais outros com problemas urgentes.

O mais próximo de um protagonista é Yehya Saeed, que busca uma requisição para fazer a remoção cirúrgica de uma bala, desde que foi alvejado durante uma tentativa de tomar o Portão, nos chamados "Eventos Execráveis", contudo o governo nega a existência de tiroteios, logo a bala alojada no corpo e Yehya é negada. Enquanto isso o médico Tarek, que atendeu Yehya lida com o medo de ser apanhado fazendo algo proibido e o desejo de curar Yehya. Acompanhamos outros personagens, como Amani, a namorada de Yehya; Um Mabrouk que explicita a situação das mulheres no Egito, ops digo... nesse país árabe sem nome; um jornalista que organiza alguma resistência e o primo de um dos soldados do Portão que morreu durante os Eventos Execráveis.

O grande mérito de A Fila é como a autor desenha na vida cotidiana dos personagens a influência de um governo totalitário, muito menos pela repressão física e uma presença ameaçadora onipresente, como o clássico 1984 de Goerge Orwell, mas muito mais pelo abandono das necessidades dos seus cidadãos. Isso aproxima A Fila d'O Processo de Franz Kafa pelo absurdo da situação. A obra foi lançada apenas em 2018 no Brasil e infelizmente passou desapercebida. O absurdo do governo do Portão e o drama de Yehya servem de prenúncio macabro do drama de milhares de brasileiros mortos pelo COVID-19, que assim como Yehya, foram pegos por eventos fora do seu controle e são abandonados pelo negacionismo do governo que deveria assisti-los. O Portão brasileiro, consegue ser mais absurdo que o Portão imaginado por Bazma e apesar de todos as negações, segue inabalado no seu absurdo.

Este livro tem resenha em vídeo no Diário de Anarres, no YouTube



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