domingo, 4 de outubro de 2015

Resenha #8 - Os Despossuídos (Ursula K. Le Guin)

[SEM SPOILERS]
"Os despossuídos", de Ursula K. Le Guin, é o quinto livro ambientado no mesmo universo (chamado Ciclo de Hainnish) criado pela autora, mas na ordem cronológica é o primeiro. A Le Guin nos conduz a uma viagem por Annares, uma lua onde se "vive uma utopia" anarquista, e seu mundo irmão Urras, dividido por uma guerra fria entre duas potências continentais. As relações sociais desta sociedade utópica passam longe de um binarismo primário. Nem paraíso, nem inferno, mas sim cheia de ambiguidades. É uma pérola humanista que merece uma chance de ser lida.

A história conta a vida de Shevek, um físico da Lua Annarres que viaja para o planeta Urrás. Ele está trabalhando em uma "teoria da simultaneidade" que lida com o tempo, onde passado e presente acontecem ao mesmo tempo. O leitor notará que os capítulos intercalam a viagem de Shevek por Urrás, e outro em Annarres, onde aos poucos nos é revelado os motivos da viagem. Le Guin não deixa pontas soltas e seu livro.
Urrás é um planeta dividido por uma guerra fria entre A-Io, uma potência capitalista (que faz menção óbvia aos EUA) e Thuv, uma potência socialista (por sua vez, URSS). Ambas as potências apoiam lados opostos em uma guerra em um país chamado Benibli, no outro lado do planeta. Esta situação faz menção a a guerra do Vietnã, conflito que acontecia na época em que Úrsula escrevia o livro, e obviamente, a Guerra Fria. Já Annarres, lua orbitante de Urrás, é árida e possuí poucos recursos naturais. Ela foi povoada pelos seguidores de Odo que liderou uma revolução fracassada em Urrás que terminou com um acordo no qual seus seguidores se mudariam para a lua e não seriam mais incomodados. Estes por sua vez mantém um isolacionismo severo desde o povoamento.
Mapa de Urrás presente no livro 
Em Anarres foi fundada uma nova sociedade baseada nos princípios da coletividade e do bem comum. A língua criada pelos povoadores é o právico, Le Guin não chega a criar uma lingua mas ela aparece como elemento de diferenciação entre as sociedades pois, reflete as ideias fundadoras de cada sociedade. Os pronomes possessivos são desencorajados desde a terna idade. Eles não dizem "você pode usar o meu lenço", por exemplo, mas "você pode compartilhar o lenço que estou usando". Dessa situação deriva o nome do livro, eles são despossuídos.
Mapa de Annares 
No decorrer do livro Úrsula satisfaz várias perguntas de "como seria lá?" durante os capítulos que abordam Anarres. Desde o início é possível notar que existem problemas nesta utopia e ao longo da história somos apresentados a eles, deixando claro que a utopia desenvolvida é consistente. É possível ver que para Le Guin, a utopia é um lugar a ser alcançado, por mais que acreditemos viver nela. Já nos capítulos de Urrás o modo de pensar de Shevek é trabalhado primeiramente pela contradição de um annaresti comum em uma sociedade capitalista (ou proprietária, nas palavras de Shevek) e com o passar das páginas podemos ver a sua especificidade de físico "acadêmico" e pacifista em busca de uma superação das contradições entre Urrás e Anarres.
A condução da história não é cercada de reviravoltas surpreendentes, o que pode deixar a obra arrastada para quem busca emoções fortes. Mas a construção dos personagens secundários é fantástica. Podemos ver, no decorrer da obra, como cada um contribui para formar o protagonista. O que torna engenhoso pois eles provocam um efeito retardado, as peças do quebra-cabeça juntam-se na mente de Shevek. Todos os personagens secundários tem função na jornada de Shevek.
É uma obra interessante para quem gosta de discutir filosofia e política, pois a ambiguidade dos mundos que descreve tem potencial para abrir diversos debates sobre anarquismo, capitalismo, pacifismo, feminismo e sociedades revolucionárias. Os pontos negativos, acompanham suas maiores qualidades. O personagem desenvolve-se bastante do ponto de vista filosófico, o que pode deixá-lo muito frio ao leitor. Por ser uma jornada pessoal e reflexiva este problema pode agravar-se. As longas descrições de Annares e de sua sociedade, apesar de essenciais a trama e as reflexões do protagonista, podem cansar o leitor. As camadas mais profundas do texto são as essenciais, por isso não é um livro que favorece a leitura superficial. 
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Ficha técnica
Título: "Os Despossuídos" (The dispossessed)
Autor: Úrsula K. Le Guin.
Editora: Nova Fronteira
Nº de páginas: 283
Ano: 1978 (1974).
Aquisição: Comprado em sebo por 17 reais.

2 comentários:

  1. Gostei da disponibilização do livro! Boa atitude!

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  2. Existe um "prólogo" intitulado "The Day Before the Revolution", vi que foi lançado em português de Portugal mas não encontro em lugar nenhum. Comentei só a título de curiosidade mesmo kkk

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