terça-feira, 24 de janeiro de 2017

Resenha #61 - A Segunda Pátria (Miguel Sanches Neto)

[SEM SPOILERS]
"A Segunda Pátria" é um romance de História Alternativa brasileiro, subgênero que se dedica a inventar realidades alternativas, onde a história foi modificada bruscamente por um evento tecnológico e/ou político que não aconteceu. Nesse livro, o autor constrói um Brasil onde o presidente Getúlio Vargas teria se aliado a Alemanha nazista em 1939 ao invés dos Estados Unidos. Essa premissa é baseada na existência de boas relações que Vargas tinha com esses países antes do início do conflito.

O estopim é aceso quando as Leis de Nuremberg, passam a ser aplicadas na região Sul do Brasil, tornando os negros seu principal alvo. A região passa a ser um ponto de expansão do nazismo aproveitando-se da presença da colonização alemã para proliferar. A estória segue vários pontos de vista, mas é centrada em dois personagens principais: Aldopho Ventura, um engenheiro educado e totalmente imbuído na cultura alemã que vê sua liberdade restringida gradualmente por ser negro; Hertha Schieffer, uma descendente de alemães que descobre rejeitar o nazismo quando o vê na prática. Em menos espaço, os pais de Adolpho, Julius Meinster (um nazista convicto) e o próprio Getúlio Vargas, além de seu Guarda Costas pessoal, Gregório. 

A estória produz muitas reviravoltas mas não esperem um "thriller" político, de espionagem ou qualquer coisa nesse sentido, o central é o drama dos personagens principais. Adolpho e Hertha encarnam a contradição do discurso nazista. O domínio da literatura alemã de Adolpho e a boa posição de engenheiro o pintam como um alvo ameaçador e ele sofre uma transformação radical durante a narrativa. A primeira parte lembra, "O processo" de Kafka, porém, diferente de Josef K., Ventura sabe o motivo de ser perseguido mas não consegue imaginar a que ponto tudo aquilo chegaria, assim como fora com os judeus na Europa. Já Hertha, sofre o que os alemães também sofreram naquele período: denuncismo e desconfiança de todos os habitantes da cidade, onde o bom cidadão é aquele que participa denunciando e os indiferentes são culpados. Ela também se mostra hora uma mulher independente, com domínio da sua corporalidade, hora uma ninfomaníaca presa a seu desejo. De qualquer forma, ambas as opções a tornam condenável ao nazismo.

O que pode atrapalhar a leitura é a quantidade de reviravoltas, talvez demais, para um livro que não foca na ação ou na política. Contudo, é um livro de leitura fluída, principalmente se você gosta de História do Brasil que são bem feitos apesar de aparecerem tão pouco. Os capítulos curtos e as datas em cada um das cinco partes, ajudam o leitor a não se perder, pois a estória é não-linear.

"A Segunda Pátria" não poupa o leitor de cenas de tortura e morte. Trata-se de um período de guerra, "um pesadelo", como diz o autor no prefácio, transportado para a realidade brasileira que foi palco desses combates mas que consegue expor uma terrível faceta que só depende de condições históricas adequadas para se manifestar, inclusive na nossa realidade, hoje.

[COMENTE COM SPOILERS, SE PREFERIR, MAS AVISE DE ALGUMA FORMA, POR FAVOR]

2 comentários:

  1. Em que ano esse livro foi publicado? O plot é tão de thriller político, que é até estranho imaginar que ele "foge" para dramas pessoais.

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  2. O livro é de 2015. Também achei que ficou estranho, prometendo uma coisa e entregando outra, não necessariamente ruim, mas diferente. O curioso é que "O Homem do Castelo Alto" do PKD também deixa as pessoas confusas pois esperam muito conteúdo político do plot: "Se a Alemanha Nazi vencesse a guerra?"

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