segunda-feira, 19 de julho de 2021

Resenha #192 - Homo Deus: Uma breve história do amanhã (Yuval Noah Harari)


"O liberalismo entrará em colapso no dia em que o sistema me conhecer melhor do que eu mesmo me conheço. O que é menos difícil do que pode parecer uma vez que a maioria das pessoas não se conhece realmente muito bem."

"Homo Deus: Uma breve história do amanhã" do historiador israelense Yuval Noah Harari é uma obra muito importante para pensar o futuro da humanidade e, logo, para quem gosta de pensar a Ficção Científica para além da ficção. Esse gênero que tanto amamos e que tanto resenho por aqui, ainda sofre com a falta de atualização dos próprios escritores. Para voar alto e imaginar mundos que extrapolem o nosso é preciso que nossas bases de conhecimento científico estejam minimamente atualizadas, sob o risco de sairmos do terreno da FC sem nem saber disso! Todo esse rodeio foi para justificar essa obra de não ficção em um blogue de FC. Imaginar a história amanhã, não é obrigação para o escritor de FC, mas é inegável que a arte, de uma forma geral, tem a capacidade de antecipar padrões que serão normais no futuro então buscar conhecimento para continuar imaginando e extrapolando é como fazer uma boa fundação, preparando voos mais altos e seguros.

Harari nos traz visões para possíveis rumos da humanidade baseado em tecnologias que estão nos afetando hoje (2016, quando publicou o livro) mas não o faz buscando ser sensacionalista, chocando o leitor. A sua escrita é leve, descontraída sem exageros e sua habilidade em explicar processos complexos faz a obra ser muito agradável de ler. Contudo, suas previsões são de mudanças profundas e podem chocar os mais sensíveis, quando não ofender os mais crentes. Obviamente que para explicar sob quais bases novas o futuro será construído, é necessário mais que apenas recapitular as bases atuais de nossa sociedade, política, religião e economia, mas analisá-las para acompanharmos o próximo passo da humanidade.

A premissa, que dá nome ao livro é que o ser humano dará um passo evolutivo de Homo Sapiens para Homo Deus. É uma afirmação aparentemente poderosa e implica em uma mudança grandiosa, contudo não seria a primeira delas. Para o autor essas mudanças serão causadas pela nova agenda humana que são: A busca pela felicidade; a busca pela imortalidade e a busca pela divindade/poder que substitui a antiga agenda de prioridades da humanidade. Evitar a guerra, a peste e a fome. O autor defende-se de antemão as novas demandas signifiquem que as antigas estejam erradicadas, apenas controladas de forma que não representam um risco imediato para a a vida humana na Terra. Guerra, peste e fome hoje são problemas que a humanidade pode combater e não apenas rezar e esperar uma intervenção divina. Hoje o ser humano consegue suprir as demandas que antes eram feitas a entidades sobrenaturais e neste momento já desenvolve-se a tecnologia que busca alcançar as novas demandas. A imortalidade é considerada apenas uma questão técnica, que quando resolvida elevará o ser humano a amortalidade. A felicidade encontra uma barreira pela expectativa que a conquista gera e as reações químicas que disparam no cérebro e essa pode oferecer uma chave para a felicidade. O poder de realizar o que antes eram apenas pedidos realizados em preces dá o poder para o Homo Sapiens tornar-se Homo Deus.

O autor divide o livro em três partes: na primeira o autor retoma como o ser humano dominou as outras espécies animais, o mundo através da capacidade de contar histórias, ficções, convenções que unem indivíduos que não se conhecem como o dinheiro, a nação e a religião. Mamíferos como o porco ou o macaco são incapazes disso por isso foram dominados. Um exemplo é a narrativa da bíblica de Adão e Eva como forma de narrar a passagem de caçadores-coletores para agricultores.   

Na segunda parte, o autor fala sobre como o humanismo é a nossa religião atual. Religião no sentido de orientar e estruturar a sociedade, dando significado em forma de leis sobre-humanas. Assim as novas neo-religiões (Nazismo, Liberalismo e Comunismo) propuseram soluções para os problemas da humanidade através da ciência: curar doenças, fazer guerra e produzir alimentos. O humanismo fornecia a justificativa ética para que a ciência resolvesse esses problemas. No fim das contas, o liberalismo humanista acabou sendo a forma de humanismo vencedora baseada nos valores do individualismo e livre-arbítrio com os lemas do "cliente/eleitor sempre tem a razão".

A terceira parte é onde, depois de todo embasamento, o autor chega ao seu ponto. Novas tecno-religiões vão substituir o liberalismo humanista na busca e conquista da própria agenda (divindade, imortalidade e felicidade) pois os valores do livre-arbítro e do individualismo se perderão pelos avanços tecnológicos. A extrapolação disso gerará duas novas religiões: O tecnohumanismo e dataismo. A primeira busca usar a tecnologia para manter o ser humano útil enquanto o dataísmo, tira a centralidade do ser humano e coloca no fluxo de dados e informação e o ser humano é apenas uma parte e o nosso significado é apenas para dar existência das máquinas. O meio para aumentar o fluxo de dados é através da internet das coisas e promover uma integração sem limites. Fica os questionamentos sobre se os organismos são algoritmos e a vida processamento de dados. Também sobre a inteligência e a consciência e os destinos da política, economia e sociedade quando os algoritmos nos conhecerem melhor que nos mesmos.

É importante mencionar que o autor traça o nosso futuro baseado apenas nas extrapolações do que tem se desenvolvido até o momento. Qualquer exercício de futurismo, por melhor embasado que seja, não pode prever tecnologias que ainda não foram inventadas como por exemplo o nosso mundo digital. Muitas obras de FC são facilmente contextualizadas como antigas por conta da tecnologia analógica. De qualquer forma o exercício é válido principalmente porque é muito bem embasado e nos ajuda a pensar a sociedade hoje mais que a futura.  

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