segunda-feira, 26 de abril de 2021

Resenha #180 - A telepatia são os outros (Ana Rüsche)


"A telepatia são os outros" de Ana Rüsche é, na minha humilde opinião, um dos melhores livros de FC brasileiros dos últimos tempos. Já figurou em mais de uma lista que fiz no Diário de Anarres no Youtube, pois me empolgou bastante. Contudo, pretendo não deixar que a empolgação atrapalhe a objetividade de preparar o leitor para o que pode vir, então vamos, lá.

A obra é repleta de acertos que vão desde a escolha do tema, localização, personagens femininas relevantes, que são sustentadas por uma prosa habilidosa que me faz pensar em nomes como Úrsula Le Guin e Margaret Atwood. Diferente do habitual dessas referencias sensacionais, Ana traz um romance curto que ainda assim consegue proporcionar uma viagem profunda e tocante.

O foco central do romance é a telepatia. Ela não aparece como uma alta tecnologia saída de um laboratório ocidental mas é descoberta pelo mundo, como um chá enjoativo e forte, utilizado a centenas de anos por ameríndios no Chile. Não seria a primeira riqueza da América Latina pilhada desavergonhadamente. Essa tecnologia, no entanto, teve pouco espaço na FC, desde os anos 50, passando, sem protagonismo por Philip K. Dick e Úrsula Le Guin. A telepatia só ganha protagonismo em obras sem interesse em abordar o seu aspecto tecnológico, onde ela é apenas um superpoder, como nas HQs, ou maldição, como, por exemplo, em Uma Pequena Morte, de Robert Silverberg.

Acompanhamos, na história, Irene que está de viagem ao Chile buscando reorganizar a vida, após a morte da mãe, ao qual estava muito apegada, passando seis semanas numa escola de meditação e logo se vê meio ao rebuliço da descoberta do chá telepático pelo resto do mundo, vazado por um estadunidense, que leva a descoberta aos EUA. A obra pode ser dividida em dois grandes momentos. O tempo de Irene na escola de meditação, e depois, após o segredo ganhar o mundo, acompanhamos os personagens em Santiago. A partir daí, abre-se uma corrida para conciliar o chá a internet, chamada pelo mundo anglofano de Brainnet. Uma patente feita com tecnologia roubada, que ironiza a sina da exploração pela qual América Latina é submetida.

Os personagens são muito bem construídos, inclusive os coadjuvantes, pois a autora amarrou bem o uso do chá aos segredos mais profundos de cada personagem. Irene e Lúcia evoluem em meio a constante volta do passado doloroso, são as mulheres fortes da trama enquanto o vingativo e passional Paco e o melancólico e racional Jorge parecem se afundar nos seus polos.

"A telepatia são os outros" é uma aula de literatura, consegue nos cativar com personagens humanos e temas relevantes e consegue tudo isso em pouquíssimas páginas. Aguardo ansiosamente pelos próximos trabalhos desta autora.

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