segunda-feira, 20 de dezembro de 2021

Resenha #214 - Silicone XXI (Afredo Sirkis)


"Isso foi o começo, depois ele começou a defender umas ideias loucas sobre eutanásia. Disse que era a favor de eutanásia social, política, cultural e demográfica. Falou um monte de besteiras. (...) Disse que os grandes problemas do Brasil eram o excesso de gente e as eleições, que a gente precisava precisava de um homem forte pra diminuir a população, essas coisas." p.189.

"Silicone XXI" é a obra que inaugura o que veio a ser chamado de Tupinipunk, um subgênero que faz uma releitura brasileira ao Cyberpunk. Santa Clara Poltergeist (Fausto Fawcett) de 1991, Piritas Siderais (1994), de Guilherme Kujawsky e Distrito Federal (Luiz Brás) são outras obras que se encaixam no Tupinipunk, ainda que o próprio autor não visse sua obra como Ficção Científica, ressaltando apenas seu aspecto Policial, sou obrigado a discordar, pois não é a Pistola Laser e os carros flutuantes que tornam a obra uma FC.

Como em um bom romance policial, acompanhamos uma investigação de uma serie de assassinatos, cometidos pelo chamado "Maníaco da Pistola L" e também de "siliconpênis" contra homossexuais. O investigador negro de 52 anos, da polícia metropolitana José Balduino e a jovem Lili Braga, jornalista investigativa de 25 anos, sexualmente liberal, logo chegam ao nome de Estrôncio Luz, major reformado do exército que exige ser chamado de general, que alimenta ideias de eugenia social e limpeza étnica, mas que tenta compensar sua impotência com um pênis de silicone cirurgicamente implantado.

O vilão é, na verdade, uma das mensagens principais do livro, referência a truculência dos militares, ironicamente associado a uma homossexualidade enrustida e a um saudosíssimo, uma vez que o romance (de 1985) se passa em 2019. Estrôncio Luz é uma referência quase direta ao elemento radioativo e ao General Cruz, que exemplificava a truculência dos militares. Retirando a questão atômica, que saiu de pauta após o fim da Guerra Fria e do medo nuclear, e substituindo pela conveniência do Corona vírus, a questão ideológica do saudosismo militar ganha tons quase proféticos, e até otimistas, vide o nosso atual governo que se orgulha de cancelar CPFs. Por outro lado, também temos um futuro pós governos social-democratas, em que iniciativas e comunidades verdes, com respeito ao sincretismo religioso brasileiro, se espalharam pelo país, dando um aspecto utópico ao futuro tecnológico cyberpunk, um vez que o autor é um dos fundadores do Partido Verde e teve ocupou várias vezes seguidas cargos legislativos, até seu falecimento em 2020.

A leitura é muito divertida, uma vez que o autor trata a ironia e irreverência das pornochanchadas, os assuntos sérios e o próprio estilo policial e a enxurrada de termos técnicos do cyberpunk. Infelizmente o livro foi incompreendido, na sua época, recebendo resenhas negativas na época, talvez tenha influenciado a encerrar sua carreira literária. Ironicamente, o publico mais capaz de entender a beleza da obra, é justamente o nicho da FC, gênero negado pelo próprio autor. Espero que essa resenha possa ajudar a promover esse reencontro, entre deste belo exemplo de Ficção Científica Brasileira, com B maiúsculo mesmo, antes tarde do que nunca.

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