terça-feira, 5 de novembro de 2019

Resenha #109 - Carbono Alterado (Richard Morgan)

"Carbono Alterado" de Richard Morgan é uma obra de 2002 que buscou revitalizar o cyberpunk trazendo seus elementos clássicos (alta tecnologia/baixa qualidade de vida num capitalismo selvagem na forma de um romance policial noir) sem se apoiar numa sátira de algo ultrapassado, ou podemos dizer também, que é um cyberpunk que se leva a sério. O livro veio ao Brasil na carona do lançamento da série na Nexflix.

A história segue Takeshi Kovacs, um Emissário (agente especial da ONU) treinado mentalmente para se adaptar a qualquer um dos mundos colonizados e ocupar capas diferentes. No futuro imaginado pelo autor, no século XXV, a humanidade já colonizou diversos planetas e venceu a morte conseguindo encapsular os dados correspondentes as nossas lembranças e a personalidade, podendo ser reintroduzidos em um novo corpo, chamado de "capa", através de um cartucho. Contudo, nesse mundo apenas os ricos conseguem "viver para sempre", ou seja, viver vários séculos trocando as capas quando querem. 

Takeshi vem de um dos mundos colonizados, chamado apenas de "O Mundo de Harlan", onde os povos eslavo e japonês foram predominantes na colonização e nunca tinha pisado na Terra até que foi morto. Décadas depois foi reencapado num corpo caucasiano na Terra e lhe foi ofertado um trabalho de investigação de assassinato por Laurens Bancroft. A vitima do crime é ele próprio. Bancroft é um "Matusa", rico o bastante para comprar a própria vida eterna. Takeshi, sem melhor opção, se joga na investigação mergulhando nos submundos de um planeta que não conhece tendo apenas seu treinamento mental de Emissário.

Os elementos do cyberpunk estão todos ali: uma história noir detetivesca, uma femme fatale, conflitos de interesse com ricos, submundos de crime. O principal é a alta tecnologia principalmente no sentido biológico e químico e a baixa qualidade de vida, mostrada na própria condição frente aos poderosos de Takeshi e da família Elliot. E toda essa tecnologia e as devidas interações são o ponto alto da obra. 

A trama é bem convincente e trabalhada, e não é complexa demais para um livro grande. Tudo é narrado na primeira pessoa e em um livro de 490 páginas dá bastante espaço para trabalhar o personagem de Takeshi, porém o personagem ficou repetitivo em sua masculinidade e parece que sofre de uma necessidade compulsiva de se mostrar como tal. Afinal, um mundo onde o prazer virtual é de fácil acesso e a possibilidade de estar um corpo do outro gênero é facilitada, os personagens são estranhamente presos na heterossexualidade. Além da ausência de homossexuais e de todas as mulheres serem nada mais que  passivas/histéricas/ardilosas/frágeis em maior ou menor grau, é apenas contraditório uma sociedade tecnologicamente avançada e uma mentalidade de 1930. E tudo isso não acontece pela falta de menção ao sexo. Uma das várias cenas de sexo de Takeshi é detalhada em vários detalhes, por conta do uso de uma droga que compartilha os estímulos e sensações entre os dois usuários enquanto transam.

A série adaptou bem o clima noir, as personalidades dos personagens, e preferiu esticar a subtrama da família Elliot o que acabou deixando a série um pouco arrastada da trama principal pois já temos muitos flashbacks de Takeshi no livro e muitos mais na série. O livro consegue ser mais objetivo pois conta sua história na primeira pessoa, já a série divide o tempo de tela para as outras subtramas. Um ponto para a série foi o personagem que é a IA do hotel onde Takeshi se hospeda. No livro o Hendrix pouco se destaca, mas na série Poe aparece mais e ficou muito bom, a mudança, provavelmente se deve ao fato de Edgar Allan Poe já ter sua obra como domínio público, ao contrário de Jimmy Hendrix. A série capricha no visual mas acaba falhando em não acelerar o ritmo já lento do livro. O final da série é bem diferente do livro, e o do livro ficou melhor. 

Carbono Alterado falha na ausência, principalmente uma curva de aprendizado consistente para o protagonista. Espero que o próximo volume as coisas evoluam, pois apesar de tudo o mundo é atraente demais para não ler o próximo número.

Um comentário:

  1. Então você leu! Sabia que iria gostar, no geral. Esse climão noir com tanta ação e elementos tecnológicos ficaram bem legais mesmo. Eu ainda preciso ler a versão pt-br, pra ver se mudo de ideia com relação a alguns fatos da infancia de Takeshi e ao final. Agora algo que a série parece ter feito, foi adiantar parte do conteúdo do segundo livro em meio aos flashbacks.

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