terça-feira, 19 de novembro de 2019

Resenha #111 - Deus da Fúria (Philip K. Dick e Roger Zelazny)

"O Deus da Fúria" (Dies Irae, 1976) é uma das obras de Philip K. Dick aborda a religião com mais profundidade tal como foi em "VALIS" e "Invasão Divina". Aqui o autor apresenta de forma mais clara a tese de um Deus que não é o da bondade e do amor, mas um deus de crueldade, fora dos padrões cristãos. Além de um romance, "O Deus da Fúria" é uma exegese do cristianismo.

A história se passa em um futuro pós-Terceira Guerra Mundial, onde mais de 90% da população mundial foi dizimada, restando muito pouco da religião cristã, que definha em número de adeptos e os sobreviventes vivem com poucos recursos em uma terra arrasada pela guerra radioativa. Desse mundo emerge uma nova igreja, que cultua o Deus da Fúria, personificado no homem responsável por toda essa destruição, Carleton Lufteufel.

O protagonista é Tibor McMasters, um artista membro da Igreja dos Servos da Fúria. Ele foi incumbido da missão de pintar um mural em uma igreja retratando o Deus da Fúria como figura central. Contudo, Tibor nasceu sem os braços e as pernas, e se locomove em uma charrete movida por uma vaca e utiliza dois braços mecânicos. A obra é basicamente a viajem de Tibor para encontrar pessoalmente o Deus da Fúria/Carleton Lutfeufel para se inspirar e começar sua obra. Antes da viajem de Tibor, temos muitas páginas para apresentar alguns personagens secundários, que iniciam o romance conversando com Tibor. Temos o padre Handy, da igreja dos Servos da Fúria; o Dr. Abernathy, um padre da antiga crença cristã e Peter Sands, um cristão convertido que utiliza de drogas alucinógenas para alcançar o divino e que ajuda Tibor em sua peregrinação. 

A leitura não é fácil, pois apesar das ideias principais não serem tão complexas de entender, as muitas referências durante os diálogos exigem um entendimento de cristianismo acima da média. A edição da Argonauta também não facilita pois não traduz os trechos em alemão que os personagens citam, o que seria útil para entender o tema complexo que tratam, apesar dos próprios personagens confessarem que não entendem o conteúdo de suas próprias referências. Algo semelhante ao clássico "Um Cântico Para Leibowitz", onde a ciência como sistema de conhecimento é perdida e seus fragmentos são apenas referencias exaltadas fora do seu propósito, mas em "Deus da Fúria" esse cenário não é usado para ressaltar a ciência, mas a própria religião como forma de chegar a deus. O livro é recheado de reflexões, debates teológicos de pontos de vista diferentes, que travam um pouco a história no primeiro terço parecendo que não vai levar a lugar algum mas isso muda no restante do livro. 

O Deus da Fúria foi um projeto que Dick começou e depois abandonou pois não tinha conhecimento suficiente sobre o cristianismo e foi retomado apenas quando Roger Zelazny, se entusiasmou com a história e mudou bastante o conteúdo final. O resultado foi uma obra prolixa e até difícil de digerir com pouco conhecimento sobre o cristianismo, pois é recheada de referências (influência de Zelazny), porém a ideia geral é martelada durante toda a obra. Recomendo para leitores avançados de Philip K. Dick e para leitores que já tenham feito alguma leitura mais profunda sobre o cristianismo.

Um comentário:

  1. Sobre cristianismo ou sobre gnosticismo? Há uma grande diferença aí...

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