terça-feira, 29 de outubro de 2019

Resenha #108 - A Máquina Preservadora, Parte 2 (Philip K. Dick)

Segue o comentário sobre cada conto do segundo tomo da coletânea "A Máquina Preservadora". A parte um você encontra no link.

Mercado Cativo (Captive Market): Conto mostra a rotina aparentemente pacata da Senhora Edna Berthelson que carrega sua camioneta com mantimentos que vende semanalmente, em local discreto a todos do seu vilarejo, enquanto num futuro recente e pós hecatombe nuclear um grupo de sobreviventes é abastecido de comida e peças para sua nave de fuga para Vênus. Um negocio vantajoso para ambos. O conto fala sobre a ambição mesquinha pelo lucro que cega para todas as outras coisas importantes da vida. O final conta com a ironia macabra do autor em relação ao destino dos personagens.

Esta Triste Terra (Upon the Dull Earth): Silvia deseja ardentemente se unir a uma raça de seres alados que devoram sangue. Seu namorado, Rick tenta dissuadir Silvia mas esta parece ceder a um desejo irresistível. Então, Silvia consegue sua transformação, e no dia seguinte Rick fica transtornado com o que ela lhe conta sobre o resultado. Suas ações rasgam o tecido da realidade em algo parecido com uma tragédia grega entre dois apaixonados que não podem ficar juntos, ou não querem, fica a dúvida. Conto tem toda a estranheza que o autor traz de costume. 

O Síndroma da Fuga (Retreat Syndrome): John Cupertino é parado pela polícia por excesso de velocidade e então é reencaminhado ao seu psicólogo, Dr. Hagopian, que tenta convencer Cupertino de que John não matou sua esposa Carol. O conto narra Cupertino em uma paranoia extrema, ponderando a realidade ao seu redor e investigando se realmente ele matou Carol, apesar de conversar com ela mais de uma vez. Dick costuma abordar a quebra de barreiras onde a realidade é subestimada, e neste conto entretanto o foco é na culpa do protagonista e como sua mente se sabota sem qualquer limite. 

Os Rastejadores (The Crawlers): Ernset Gretry é um agente do governo responsável por investigar um fenômeno estranho no interior dos EUA. Trata-se de pequenos seres gosmentos, parecidos com lesmas gosmentas e com rostos humanoides. Gretry descobre que estes seres se reproduziram muito rápido e dedicam-se a construir galerias subterrâneas e parecem pacíficos e se não molestados. O plano do governo para conter a praga e devolver as terras aos donos é colocar todos os espécimes em uma ilha onde poderiam continuar a construir. O conto tem um final bastante aberto e deixa muita coisa nas entrelinhas, o que não é comum nos contos do autor, mas vale bastante a leitura e nos faz pensar em coisas esquisitas.

Oh, É Tão Bom Ser Um Blobel! (Oh, to be a Blobel!): mostra a vida de George Munster, veterano de uma guerra contra uma raça alienígena, os bolhos de titã. Á narrativa é cheia de ironias utilizando o estranhamento entre a forma humana e a forma de vida unicelular dos bolhos para mostrar nossa incapacidade de conhecermos uns aos outros bem como expor os valores familiares burgueses do relacionamento. Há uma dimensão política do conto, sendo uma crítica aos rumos dos EUA que "assimilam" características dos países com que entram em guerra, como a Alemanha Nazista e, depois, o Vietnã (uma crítica a chamada, "Guerra de corações e mentes"). Uma forma muito criativa de explorar a polissemia da Ficção Científica. Formas de vida parecidas com os bolhos aparecem em Clãs da Lua Alfa, porém sem sofrer a mesma repulsa dos personagens. Conto também publicado na Coletânea Minority Report.

O Que os Mortos Têm para nos Dizer (Wath the Dead Men Say): se passa em um futuro onde os mortos podem conversar com os vivos, se mantidos sob certas condições de temperatura. John Barefoot é o RP do recém falecido megaempresário Louis Sarapis, que pretende continuar influenciando sua empresa e aliados políticos enquanto estiver semivivo. Contudo os agentes de conservação não conseguem estabelecer contato até que sua voz começa a aparecer em todos os aparelhos de rádio, telefone e TV. A base da história foi aproveitada posteriormente em Ubik, onde o personagem Herbert Schoenheit reaparece. Publicado também na Coletânea Minority Report.

Paguem ao Impressor (Pay the printer): Após uma guerra nuclear, chegaram a Terra os pacíficos billtongs, seres disformes que parecem gosmas e que tinham a capacidade de replicar objetos a partir das cinzas que existiam por toda parte e uma seiva que sai deles. Desde então os objetos que copiavam passaram a ser usados ostensivamente para reconstruir o que sobrou da civilização. Desde carros, roupas, partes faltantes das ruínas de prédios até taças outros utensílios diários. Até que um dia, tudo que foi copiado pelos Billtongs começaram a perder consistência e se desfazer, levando a população das colonias ao desespero. O conto parece ter ma mensagem contra o consumo desenfreado e alienado, pois os humanos desaprenderam a confeccionar tudo que usam. Vemos, outra vez, a Ficção Científica para ironizar algo completamente atual, tanto na época do conto como agora.  

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