segunda-feira, 23 de agosto de 2021

Resenha #197 - Vaporpunk (Org. Gerson Lodi-Ribeiro e Luis Filipe Silva)


"Vaporpunk - Relatos steampunk publicados sob as ordens de Suas Majestades" foi a primeira antologia da série Mundo Punk, que além de um segundo volume, trouxe antologia de Dieselpunk, Solarpunk e Cyberpunk sendo uma das minhas séries de antologias favoritas. Este volume optou por poucas histórias e de maior fôlego, noveletas, buscando se aproximar de outro subgênero: História Alternativa. Ambos os subgêneros tem pontos de contato, como a ideia de reescrever o passado e imaginar como teria sido, mas ao contrário da HA, o Steampunk não tem obrigação com o realismo podendo inserir personagens de livros como pessoas e até elementos mágicos elevando o hibridismo com outros gêneros e subgêneros, como o Terror, a Fantasia. Se começarmos com o livro Steampunk original A Máquina Diferencial de William Gibson e Bruce Sterling, já notamos que apesar de basear-se em algumas premissas da HA, a inserção de personagens tirados de livros já mostra que o Steampunk já nasceu com uma identidade própria. Infelizmente a estética do movimento é ainda muito atrelada a glamourização da era vitoriana revisitada pela tecnologia a vapor, e nem tanto pelo aspecto crítico que Sterling e Gibson trouxeram do Cyberpunk, que é o lado punk, da atitude e rebeldia. Steampunk tem muito mais a ver com fumaça derretendo os pulmões de operários das fábricas que trajes de gala com adereços metálicos.

A Fazenda-relógio (Octávio Aragão) - O livro abre com uma história curta, que traz as máquinas a vapor em 1880 substituindo em massa os escravizados da fazenda Nossa Senhora Conceição em Jundiaí, mais outras nove fazendas através do Barão de Mauá e Dom Pedro II. Os escravizados, agora livres, iniciam uma revolta pelo abandono e a falta de lugar para eles nessa nova sociedade mecanizada. Ambrósia começa o conto vendo a primeira fazenda queimar sob a ira da revolta. Conto tem uma trama instigante que expande para além dos limites da fazenda e chega a alta cúpula da corte. É estranho a chegada das máquinas ser em 1880, pois a escravidão já estava entrando em colapso sendo o choque com a chegada das máquinas exagerado. Se essa chegada se desse ao menos quatro décadas antes, o impacto seria mais interessante. Contudo, esse detalhe está longe de estragar o conto.

Os oito nomes do deus sem nome (Yves Robert) - É uma noveleta de espionagem onde dissidentes portugueses auxiliam um francês e um inglês a descobrirem o segredo de Portugal se elevar a potência que rivaliza com a França e a Inglaterra. Desses, é sabido que a Inglaterra desenvolveu as máquinas a vapor e a indústria pela Máquina Diferencial e os franceses desenvolveram a telecinese e a inteligência com agentes altamente capacitados, contudo ninguém sabe o segredo de Portugal e quando o grupo descobre que o rei vai conferenciar secretamente em sua casa de campo é que o grupo parte em missão para descobrir o segredo. A primeira cena do conto já dá indícios bem claros que o poder português é obtido através de feitiçaria africana. Isso acaba entregando mais do que o razoável para manter o suspense, ainda que o final seja bastante surpreendente e catártico.

Os primeiros Astecas na Lua (Flávio Medeiros Jr.) - A novela conta de uma missão do governo francês para investigar a primeira missão espacial inglesa em um Séc. XIX imaginado entorno de uma guerra fria entre França e Inglaterra, tendo Jules Verne e H. G. Wells como ministros das ciências de seus países. O mundo construído é bem imaginado mas as inserções das homenagens (muitos personagens dos livros aparecem no gabinete de guerra francês) foi bastante atropelada, sem adicionar a trama de fato, principalmente os que se ligam a obra de Verne, enquanto as homenagens ao Wells foram mais coesas pois é onde se passa boa parte da ação. O trabalho acabou se tornando posteriormente um livro de contos (Homens e Monstros, 2013) e não um romance, mas quando resenhar este livro linkarei devidamente aqui! 

Consciência de Ébano (Gerson Lodi-Ribeiro) - Jorge Anduro é convocado para entrar em um grupo secreto da nação de Palmares, que guarda e gere seu maior segredo e trunfo militar e estratégico. Trata-se de uma criatura mitológica que foi treinado por Zumbi, um Dentes Compridos, um vampiro. O agente não aceita a ideia de um vampiro como aliado e arma um plano para eliminar o que considera um mal. O conto é ambientado com excelência, acertando em cheio ao pensar em modos de tratamento e traços culturais originais para os palmarinos, o que facilita a apreensão desta história alternativa. O que fica devendo são os motivos do protagonista para a traição, que ficaram pouco trabalhados, mas nada que comprometa a história. 

Unidade em Chamas (Jorge Candeias) - O famoso diálogo atribuído a Ernest Remingway ("Quem estará nas trincheiras ao teu lado?/ E isso importa?/  Mais do que a própria guerra.") embala a noveleta do português Jorge Candeias. Seguimos Sidônio, um oficial do corpo aéreo luso nas vésperas da invasão francesa, que alastrava-se no velho continente. Neste mundo os irmãos Gusmão desenvolveram a tecnologia a vapor criando as passarolas. Naves movidas a gás e ar quente que conseguiam elevar as naves. Eram um segredo militar que era operado apenas por alguns destacamentos até que por ordem do rei, as companhias dos Minorcas (como os portugueses brancos eram chamados pejorativamente) e os Coloniais (africanos, indianos e brasileiros) foram forçados a formar um único corpo aéreo para atuar na defesa do reino dos franceses. Acompanhamos Sidônio que descreve sua adaptação aos novos companheiros numa relação cheia de atritos principalmente por causa do racismo. O desenvolvimento dessa relação toma praticamente toda a extensão da novela no treinamento e formação das naves que eram sempre mistas, deixando a ação apenas para o final. A cena final é de tirar o fôlego e quase compensa do desenvolvimento extremamente lento, principalmente porque não foca em nenhuma relação em específico. Sidônio não faz nenhuma amizade digna de suas próprias notas o que o deixa como um narrador pouco interessante. Contudo a impressão final levanta muito a apreciação ao final da leitura.

A Extinção das Espécies (Carlos Orsi) - Acompanha um jovem naturalista inglês (provavelmente Charles Darwin) em suas andanças pela América do Sul, onde encontra a guerra de domínio na patagônia contra os indígenas mapuches na Argentina em um mundo em que o elán existe e é derivado do vis viva (termo de Leibnitz) e o domínio dessa tecnologia (por Luis Adolfo Morel, personagem de Adolfo Bioy Caseres) aliado a tecnologia de um alemão, fabricante de autômatos eleva o nível da crueldade do massacre. É interessante ver o mesmo conceito explorado em um dos contos de "Campo Total" e não vou dizer qual pois a revelação é importante e vale a pena saber.

O Dia da Besta (Eric Novello) - Se passa num Brasil com tecnologia apurada na eminencia da Guerra do Paraguai e a Princesa Isabel é uma aviadora aliada a piratas e a influência de Napoleão III e a chegada de uma nova arma que pode sair de controle. O conto é bastante divertido, ainda que não tenha qualquer preocupação científica ele compensa pelo carisma dos personagens. Acompanhamos o Conde de Taunay e seu fiel amigo, Carenza, um exímio atirador e junto com a Princesa Isabel investigam misteriosos ataques de uma besta sedenta de sangue.

O Sol de Cada Dia (João Ventura) - Conto baseado na vida do padre Manuel Antônio Gomes, conhecido por Padre Himalaya pela sua altura, que foi um dos primeiros pesquisadores do uso da energia solar, chegando a desenvolver um pyrheliophero, que tinha diversas aplicações energéticas, de metalurgia até um carro movido a energia solar. A história carece de problemas para o protagonista resolver e os que aparecem tem pouco impacto no enredo.

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