"Fanfic" de Bráulio Tavares é uma coleção de contos do autor que é um dos melhores contistas da Ficção Científica brasileira. Aqui encontramos várias flash fictions, contos curtos que se tornaram a especialidade do autor em seu tempo de colunista diário no Jornal da Paraíba. Também temos alguns contos maiores, sendo o último, uma noveleta.
Finegão Zuêra abre a coleção com uma pequena peça de experimentação linguística, para desestabilizar o leitor. O Homem que Perdeu Seu Reflexo acompanha o desaparecimento de um homem pela curiosidade da única pessoa que ainda se lembra de sua existência. Haxan é um conto cyberpunk que consegue trazer muita verdade nos personagens marginalizados ao narrar um pequeno grupo de jovens em uma noite de andanças reais e virtuais. Sete OVNIS é uma ficção curta em sete parágrafos onde cada um pinta retratos de pessoas comuns ao redor do mundo avistando o primeiro contato com vida alienígena. Fenda no Espaçotempo mostra seu Claudionor recebendo dois viajantes temporais. O conto curto ainda guarda uma revelação na última palavra. Concerto Noturno é um conto embebido no insólito onde Hugo Clementino, um pianista voltando após um concerto num país da Europa Oriental encontra o impensável quando volta ao seu quarto de hotel. A Estética Eliminacionista é outra flash fiction, que narra um método artístico que nos faz pensar na literatura como arte.
The Ghost in the Machine é um dos contos mais robustos da coleção. Acompanhamos Palídron, Yawin e o Professor Zohn em uma missão na Terra em um universo cheio de raças e culturas para levar o Professor a um ponto não revelado no início. O rítmo é ágil e o conto vem acompanhado de 28 notas que tanto podemos ignorá-las sem perder o fio da história, quando fazer pausas para conhecer melhor as coisas exóticas daquele mundo. Tudo isso num clima bem humorado das antigas ficções pulp dos anos 30-40. A participação de Trupezupe do primeiro conto é de deixar uma pulga atrás da orelha.
Universos Tangenciais é como se fosse um sonho narrado, bastante imersivo. Já em A Arca temos um conto de monovocalismo, que é uma modalidade em que todo o conto é escrito com uma única vogal. A Demanda do Bosque Sombrio traz um herói quixotesco que repudia os pobres mas que diferente dos moinhos podem revidar. A Propósito da Decifração Quântica nas Regiões Periféricas da Consciência é uma viagem pelo tecido rachado da realidade, tanto pela forma fantástica quanto pela mais cruel das realidades no Brasil. Ver um tema que aprendi a apreciar tanto em Philip K. Dick com uma abordagem tão própria quanto a de Bráulio Tavares é primoroso.
O livro engrena uma sequência de narrativas curtas com Um Só Seu Filho explora o último desejo de um religioso que livre de todas as amarras faz um último pedido inusitado. A República do Recurso Infinito volta a explorar as rachaduras da realidade com a queixa de um cidadão com a burocracia. Novamente me cativou pelo tema que me encanta aliado ao estilo próprio do autor que fisga o leitor em poucas palavras. No Labirinto nos traz uma viagem que certamente foi vivida em sonho pelo autor, que tem um subconsciente tão criativo quanto seu consciente. O Vale da Maldição acompanha um grupo de exploradores de uma sociedade pós-apocalíptica que encontraram um artefato de tempos longínquos. A narrativa explora bem a estranheza dos exploradores enquanto tentamos identificar de onde vem os elementos da história. Gronk é uma peça bem humorada em que um ser estranho, parecido saído d'A Metamorfose de Franz Kafka não para de perturbar um humano. Aquele de Nós é um conto sobre um organismo que ignora a individualidade. Me fez relembrar a leitura de Homo Deus do Harari. O Polvo consegue prender com um enredo simples mas muito bem conduzido. Uma pesquisadora londrina é a primeira a questionar sobre o real causador do sumiço dos animais de um laboratório e, para fechar essa seção de minicontos, A Ilha do Meio que é outra peça tirada dos sonhos do autor, onde uma ilha é serrada ao meio mas um morador de um dos lados tenta observar o que há no outro lado.
Frankenstadt faz uma versão tecnológica da história clássica de Mary Shelley acompanhando um imenso monstro e repensando o que o torna um ser individual. Narrado de forma instigante até um final eletrizante, literalmente. Encerrando a coletânea O Molusco e o Transatrântico já foi publicado várias vezes. Eu li pela primeira vez na antologia Fractais Tropicais, já resenhada neste blogue: Acompanhamos um explorador espacial brasileiro em uma missão internacional pelo espaço em um estilo que lembra 2001, tanto pela forma de narrar quanto pela viagem profunda em um contato alienígena. Contudo, não se apegue nessa comparação. Bráulio vai por um caminho bastante instigante e parece que não vai levar a lugar nenhum até as últimas linhas, quando entrega um final de deixar pensando bastante.
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