segunda-feira, 5 de setembro de 2022

Resenha #251 Colonialismo Digital (Deivison Faustino, Walter Lippold)


"Colonialismo Digital" é uma obra que me atraiu desde que soube que seria lançada. O livro traça um caminho analítico e conceitual, num processo histórico do colonialismo até as avassaladoras mudanças tecnológicas atuais, para que possamos nos situar de forma crítica. É uma ferramenta para o pensamento muito bem vinda e que vai beneficiar o leitor, principalmente aquele mais atrasado em relação aos recentes processos tecnológicos com uma visão crítica apurada. Este é um blogue de Ficção Científica e, como autor e divulgador de literatura de ficção, acredito que Colonialismo Digital é uma leitura extremamente necessária também para quem quer imaginar mundos futuros, pois nossa imaginação de autor é inquieta, muitas vezes reflexo de nossas preocupações com o presente.

"Assim, o mito prometeico, em sua face estranhada, se converte em seu oposto: o fogo produtivo que permitiu se rebelar contra os deuses agora, fora de controle, ameaça destrutivamente a vida humana e, até sobrevivência do planeta. A vida humana, a mesma que produz a riqueza social do qual advém a máquina, o software e seus algoritmos socialmente determinados; a vida que se desvaloriza na mesma velocidade em que produz valor, submetida a poderes que encarceram, matam, mutilam, fazendo do corpo uma mercadoria quantificável e descartável de um espetáculo de terror necropolítico" (p. 40)

O livro traça um caminho que conecta o Colonialismo, ancorado no Racismo, como processo fundamental para o estabelecimento do Capitalismo. O Racismo condicionando o Colonialismo e este o Capitalismo. A nova era da informação, ao contrário do que muito se apregoa por ai, não é uma quebra de paradigma do capitalismo, nem dos conceitos marxistas que alicerçam sua analise. O capitalismo na era digital, apesar de o tornar mais complexo, não deixou de depender de bases materiais. Não há software sem hardware.

A obra dedica uma boa parte de suas páginas em solidificar suas bases argumentativas. Diferenciando o Virtual do Digital, sendo o digital a forma que as informações trafegam a velocidade espantosa de hoje. Somos orientados teoricamente a evitar o excesso de entusiasmo ou de receio ao analisar a influência da tecnologia no nosso modo de produção. O Dilema das Redes, não é tanto a intensidade da tecnologia mas a manutenção do uso para a exploração do homem pelo homem, inclusive do homem por si mesmo. Os autores também analisam as contribuições de autores como Byung-Chul Han, Mbembe e Zizek entre vários outros, mesmo que estes não entendam que o capitalismo mudou sua forma mas em essência continua o mesmo.

O racismo e o colonialismo são intimamente ligados, assim como o racismo algorítmico e o colonialismo digital são hoje, e o estudo do pensamento de Frantz Fanon continua sendo essencial para os autores estabelecerem o diálogo e manterem a atualidade do colonialismo na era digital. O conceito de Colonialismo Digital é construído durante a obra toda e quando chegamos em sua implicação nas novas tecnologias, em como nossas cidades estão configuradas, adaptadas a um trafego tão intenso de informações que a fábrica se entranha na cidade, precarizando o trabalho e minerando (nossos) dados que são o ativo mais lucrativo do nosso tempo. Conhecemos uma nova exploração que é tão intensa quando difícil de fazer sentir diretamente por alguém leigo. 

"Como se o princípio low life high-tech, desenvolvido nas distopias da literatura cyberpunk, tivesse se concretizado, vemos o antagonismo entre uma guerra de alta tecnologia e precisão e o uso de táticas nômades com raids relâmpagos contra o inimigo, que geralmente se configura em populações não organizadas em milícias, que vivem/morrem nos mundos da morte do século XXI: circuitos de extração de minerais preciosos e essenciais para alimentar a revolução militar e tecnológica." p.93

A obra dedica uma última parte a ideologia californiana do Vale do Silício, onde as perspectivas de uma democratização da informação foram suplantadas pelas necessidades predatórias do capitalismo, mas sob uma ideologia influenciada pelos hippies e yuppies dos anos 70 num pretenso contraponto ao rígido modelo fordista-taylorista e se você já ouviu falar daquelas empresas que deixam você ir de berumda em reuniões, fazem áreas de recreação e aulas de yoga durante o expediente e continuam pagando uma miséria é sobre isso. Concluindo a obra ainda temos alguns horizontes na direção da Descolonização Digital (que mereciam um livro a parte) por parte de ativistas.  

Difícil ler Colonialismo digital e não traçar esse paralelo entre o que podemos ler nas obras Cyberpunks conhecidas nos anos 1980, como Neuromancer, de William Gibson e Piratas de Dados de Bruce Sterling. Em ambas as obras, os autores imaginaram uma quantidade gigantesca de dados são a fonte de poder dos poderosos e nossos heróis são atormentados tanto pelo excesso de consumo quanto pela abstinência da vida digital. O cyberpunk, mesmo que não debatido conceitualmente na obra, a perpassa todo o processo abordado, dos anos 1980 em diante, pintando com tintas sombrias um futuro repleto de tecnologia da informação guiadas por um capitalismo cada vez mais selvagem e pervasivo, resumidas no lema low life, high tech. Deixo o questionamento se estamos vivendo o cyberpunk agora, embora não tenhamos samurais urbanos andando com katanas pela rua e cidades repletas de neon, temos cada vez mais tecnologia e a vida vale cada vez menos.

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