segunda-feira, 6 de março de 2023

Resenha #275 Não Verás País Nenhum (Ignácio de Loyola Brandão)


"Não Verás País Nenhum" é um clássico das distopias e da literatura brasileira. Para um leitor brasileiro que gosta de distopias, esta obra é presença certa em qualquer lista decente sobre o assunto. A obra carrega os elementos mais comuns das distopias mas com uma profundidade e um conhecimento do Brasil excepcionais. Temos um Brasil corroído pela corrupção (ou apenas governado como o habitual?), para a dominação e não sob princípio do bem comum.

Acompanhamos a história de Souza, que tem uma vida pacata num escritório, fazendo trabalho burocrático. Uma vida no trajeto casa-trabalho-casa, onde vive com sua pacata esposa Adelaide. Então, um furo surge em sua mão. Pausa para falar de que Brasil é este em que Souza vive: Basicamente a Floresta amazônica transformou-se num deserto e as consequências climáticas, para a metade sul do Brasil são as piores possíveis, afinal a Amazônia não é chamada de "Pulmão do Mundo" a toa. As bacias hidrográficas e biomas brasileiros secaram. O Brasil, outrora grande produtor da agricultura, passou a racionar água ao extremo, desenvolvendo gêneros alimentícios baseados em química para alimentar a população. O calor nunca mais abandonou o clima de São Paulo (local onde passa a história) onde os topos dos prédios calcinam qualquer coisas esquecida neles e grupos de andarilhos com a pele escamada vagam sem forças para correr atrás de água.

Voltando a Souza: Sua vida entra em uma espiral de queda, que o vai levar para uma jornada interna de autoconhecimento, autocritica, autocomiseração. Idas e vindas de um homem covarde que foi levado pelo tempo dele. Essa jornada tem probabilidades de ser bem cansativa para o leitor. Brandão, tem um estilo reflexivo de conduzir o livro. Souza está reavaliando sua vida a todo estante, relutando em tomar atitudes, mas há vários momentos interessantes onde conhecemos mais da paisagem devastada desse Brasil minguado, seco por dentro e por fora. Há cenas que destoam com uma crueza desconcertante e certamente vão ficar rodando na sua cabeça enquanto os monólogos de Souza dissecam o Brasil, com secura e ironia. É interessante ver o Brasil ser pintado nessas páginas como uma nova era de ditadura após um lapso de democracia. Vale lembrar que o livro foi escrito em 1981, em plena ditadura civil-militar, mas a história passada no início do século 21 soa hoje como um sonho estranho da nossa atualidade. Alías, toda boa distopia consegue capturar a essência podre e imutável dos piores momentos da modernidade, Brandão conseguiu capturar tudo isso no Brasil, montando um cenário completamente diferente e bizarro, que aos poucos vai ficando cada vez mais familiar. Essa familiaridade é o Brasil.  


Nenhum comentário:

Postar um comentário