quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

Resenha #18 - A cidade & a cidade (China Mieville)


[SEM SPOILERS]
A cidade & a cidade é uma mistura de Romance Policial com Ficção Cientifica, num estilo que o autor, China Mieville, chamou de New Weird. O estranhamento deste mundo vai se dissipando ao longo da obra e o diálogo que ela faz com nosso mundo mostra que ele é tão ou mais weird que as cidades onde se passam a história.
A história
Acompanhamos o inspetor Tyador Borlú que investiga o assassinato de uma misteriosa mulher na cidade de Beszél. Contudo, Borlú tem motivos para acreditar que o crime foi cometido na cidade vizinha de Ul Qoma. Ai que vem o grande atrativo da história: As cidades de Ul Qoma e Beszél ocupam o mesmo local geográfico. Existem áreas totais, exclusivas de cada cidade, e as áreas cruzadas, onde ambos os cidadãos podem passar porém não podem interagir. Também existe uma polícia especial que vigia e pune todos que atravessam ilegalmente as fronteiras imateriais entre Beszél e Ul Qoma chamada Brecha, e este é um crime considerado pior que o assassinato.
O leitor pode esperar ter respondida muitas questões da vida cotidiana que emergem de um cenário tão estranho quanto esse. Bórlu vai percorrer todos os mistérios do assassinato e das cidades e essa jornada é tão importante quanto a resolução da trama.
Muros invisíveis
A obra tem potencial de abrir o debate social e político ao tratar do tema das cidades. Dialoga com os limites nacionais bizarros de nosso mundo real, tendo em Beszél e Ul Qoma um pouco de cada mas trazendo algo imaginativo o suficiente para não associarmos imediatamente com nenhuma delas. Alguns exemplos são: Os checkpoints e as áreas compartilhadas de Israel e Palestina; As diferenças culturais das duas Alemanhas, que após a queda do Muro de Berlin, ainda guardam ressentimentos entre wesses e osses, ou seja, ainda existe muros invisíveis; e a África do sul que ainda não dissolveu os bantustões. Também podemos falar das grandes cidades como Rio de Janeiro e a divisão entre favela e asfalto, não seria um muro invisível como se fossem duas cidades?
O livro é narrado pelo Inspetor Bórlu e tem a qualidade literária inventiva do autor, pois é escrito como se fosse traduzido do Bész, a língua fictícia do personagem. Assim algumas coisas são traduzidas "errado" e outros termos tem de ser explicados pois só fazem sentido na realidade das duas cidades. 
Os personagens são interessantes, apesar do romance centrar-se mais na investigação e no cenário inusitado que cerca a obra. Borlú começa parecendo um típico funcionário público que deseja se livrar do caso abacaxi mas acaba ficando obcecado em resolver por ser o único capaz de fazê-lo, apesar da pressão cotidiana das cidades e o medo da Brecha apertando o cerco contra ele.
A obra faz, no trato com o cotidiano, um retrato de todas as cidades, o "desver" dos cidadão de Beszél e Ul Qoma não se torna complicado se andarmos no centro movimentado de qualquer grande cidade e olharmos com mais atenção. Um bom exercício de reflexão depois de ler A cidade & a cidade. 

Sobre a edição lida para a resenha:A cidade & a cidade, de China Mieville é a única edição deste livro no Brasil e saiu pela Boitempo em 2014 (286 p.). Está muito bonita e a arte da capa espetacular. A única coisa que estraga é o tamanho grande do autor e o pequeno do título, dá a impressão de que CHINA MIEVILLE é o título, porém seguiram as capas das edições inglesas que são assim também, o que fica estranho pois no Brasil pelo autor ser pouco conhecido. Contudo não julguem pela capa.

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