Primeiro conto que escrevi e publiquei.
Primeira versão publicada no blog Fantasticontos.
Segunda versão publicada no blog Undermundo.
Versão atual em PDF. Baixe aqui
ou leia no blog mesmo.
* * *
Olhava para o horizonte em meio a todo o caos que tomara conta do mundo. Nádia imaginou as pessoas buscando abrigo. Soube da correria e desespero de famílias unidas buscando lugar em alguma nave rumo à Marte ou a alguma lua de Júpiter ou Saturno. Mas não havia abrigo suficiente para o que estava por vir. Pensou também nos solitários conectados que buscavam informações que lhe acalmassem. Sabiam eles do inevitável, porém recusavam-se a sair de suas poltronas e consoles. Sentiu pena em imaginar o que fariam quando a energia acabasse.
Sentada
em posição de flor de lótus. Solitária. Sobre uma colina próxima
do centro urbano de Astana encarou o astro-rei em seus suspiros
finais. O sol pulsante havia semanas, enviando ondas de calor que
destruíram cidades inteiras em questão de segundos. Os cientistas
já haviam desistido.
O
que Nádia via era o sol. O astro-rei. O objeto mais importante para
a manutenção de toda a vida e existência na Terra e nas colônias
dentro do sistema solar entrando em colapso. Aquele evento que nunca
preocupou a humanidade tornara-se presente. O momento em que o sol
explodiria e passaria de uma estrela do tipo anã amarela para se
tornar uma gigante vermelha. Era um absurdo aquilo acontecer milhões
de anos antes do previsto.
Nádia
já havia parado de matutar sobre as dúvidas que os astrofísicos
compartilharam com ela. Será que erramos cálculos tão sólidos?
Será que há outro agente que está causando isso? Gritavam
desesperados perto dela. Nunca saberia. Sequer se preocupou mais em
divagar sobre isso. Afinal se os especialistas não sabiam, uma
historiadora não ajudaria muito. Apenas relembrou o que aprendeu
sobre isso. Imagens gráficas do evento. Os planetas rochosos sendo
engolidos pela presença física da estrela em nova fase até deixar
Júpiter ocupando o posto que era de Mercúrio.
Talvez,
continuou a refletir, aqueles que tentaram fugir para Ganimedes,
Europa ou ainda para a longínqua Titã, queiram mesmo acreditar que
estariam seguros nessas colônias e se agarraram com todas as forças
nesta mínima possibilidade. Lá no fundo sabiam que o futuro das
colônias não era melhor que o da Terra. Mas Nádia não queria se
enganar. Escolheu um final diferente para sua existência. Nada de
encolher-se e esperar o calor infindável. Preferiu colocar um par de
óculos de lentes douradas especiais e encarar a estrela prestes a
entrar em colapso de frente.
Relembrou
de sua juventude, redescobrindo a primeira de várias ciências
mortas que virou a missão de sua vida. Apenas para ver tudo morrer
novamente. Remoendo mais coisas, ficou aliviada diante da situação
por nunca ter sido mãe. Remexeu em outras decisões de sua vida, mas
afastou esses pensamentos afirmando a si mesma que são inúteis numa
hora dessas. Alguma coisa seria útil?
Pensar
no passado era o que restava para quem não poderia mais pensar no
futuro. Como historiadora não me falta material mental para
refletir. Alegrou-se brevemente. Mas a história serve para refletir
sobre o que faremos no futuro e…
Seu
raciocínio foi interrompido por um estrondo e uma luz que durou
pouco mais que alguns segundos. Se não fossem os óculos estaria
cega por ela. Uma região habitada a quase perder de vista ardeu em
chamas e radiação. O calor aumentou e podia observar o sol pulsar
para os lados como se empurrando alguém que estivesse ao seu lado
lhe incomodando.
-
Está chegando. Finalmente! - Murmurou para ninguém.
Ao
contrário do que havia visto em filmes de fim do mundo não havia
lugar para niilismo sóbrio. Nem para ela que estava apenas
contemplando o sol pela última vez em toda a história da
humanidade. Não houve escatologia que nos preparasse para o que se
iniciara, nem um crepúsculo para a coruja de minerva e ela se sentiu
impotente pela última vez.
Pôde
ver o astro-rei aumentar de tamanho rapidamente e sentiu as suas
lentes derreterem em seu rosto antes de ficar completamente cega. O
calor tomou conta se seu corpo, mas em seguida não sentiu mais nada.
Estranhamente sentiu-se como no fundo do oceano quando mergulhara em
sua juventude, mas sem o aperto da roupa de mergulho. Buscou olhar
para os lados e raciocinar mas não conseguiu e então a última
existência chegava ao fim.
Muito bom.
ResponderExcluirJá consigo delinear a escrita daveniriana.
ResponderExcluirEstás cada vez melhor!
Vou dar uma lida e depois volto aqui!
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