segunda-feira, 20 de maio de 2019

Resenha #94 - Sombria (André Vianco Org.)

Sombria pode parecer mais uma coletânea de contos de terror criada por editoras pequenas que quase ninguém vai ler, e em parte é, mas também tem algo que é muito importante para mim. Foi a primeira onde tive um conto de minha autoria selecionado. Além do motivo pessoal, Sombria tem outro diferencial das demais coletâneas de contos que quase ninguém vai ler: Não foi uma coletânea de vanity press, em outros termos, não paguei para publicar. Na época da seleção, entre fins de 2015 e inicio de 2016, estava desempregado e sem condição alguma de desembolsar qualquer valor para ter 5 páginas de qualquer coisa num livro e isso foi crucial para enviar meu conto para a seleção de André Vianco (através de sua escola de escritores Vivendo de Inventar), que saiu pela editora Empírio em 2017.

O livro conta com 42 contos que giram em torno do Terror/Suspense e do conceito de Sombrio, além de serem ambientados no Brasil urbano. O organizador, na época da seleção para a antologia, fez uma live pela internet para explicar os termos e fazer uma propaganda dos cursos já que metade das vagas para publicação seriam de seus alunos e outra metade de pessoas de fora. Achei justo, principalmente em comparação as editoras vanity press, que infestam o mercado. 

A chamada para os contos buscava concatenar três conceitos básicos: O de "Sombrio", o de "Brasil" e o de "Urbano". Ficou implícito que seriam do gênero de Terror, ou próximo, e essa linha foi seguida com sucesso. O cenário se passar no Brasil já foi ignorado por uma pequena parte dos contos pois alguns soaram enlatados estadunidenses, com muitos estrangeirismos passando longe de terras tupiniquins. O conceito de "Urbano" foi o mais ignorado pois foi estabelecido a preferencia por contos em cenário urbano e alguns contos fazem exatamente o inverso, o que dá uma impressão ruim de que alguns contos foram tirados da gaveta (o que não é sempre ruim) e mal adaptados, quando são, a coletânea. No geral, os contos conseguem se manter num eixo em comum, como se espera numa coletânea temática. 

Agora vamos ver os contos avaliados um a um. Foram impressões anotadas a leitura de cada um e reunidas na parte que segue. No fim vou listar meus favoritos.
    
1-A Carta (T. C. Oaks): Um relato, como que encontrado numa garrafa no oceano, de um homem solitário em um mundo tomado por zumbis. O protagonista escreve uma carta contudo suas emoções em relação a sua amada oscilam muito para quem está com uma convicção de que irá se arriscar a encontrá-la, pois a carta é escrita em um único momento. Envolvente mas pouco sombrio.

2-A mãe de Cássio (Margareth Brusarosso): Cássio e seu irmão mais novo Salvador são dois meninos que moram com a avó e vão visitar a mãe que está em um hospício por acreditar que um demônio a persegue e então Cássio vê que sua avó tem uma boneca estranha no quarto. Conto bem simples e razoavelmente envolvente, senti falta de um peso na participação da avó.

3-A bruxa no espelho (Osmildo Antônio): Greg conta em retrospectiva, ao seu psiquiatra, como sobreviveu a um massacre de adolescentes em uma casa amaldiçoada. História batida com um bom mistério e resolução. Os nomes dos personagens (como: Cal, Pit, George, Greg) tiram um pouco a força do conto dando a ele uma cara de enlatado americano.

4-A garota do Breu (Ingo Muller): Um motorista do aplicativo Breu, Anagrama para Uber, faz uma corrida para uma moça quando taxistas aparecem e não sabem lidar com a concorrência. O conto com sabor gostoso de "causo", bem adaptado a meio urbano do Brasil, atual pelo uso de aplicativos de corrida e também a realidade da vida de trabalhador autônomo.

5- A garota no espelho (Eduardo Velásquez): Danilo parece acostumado a conversar com Alexandra, uma menina que vive em algum lugar dentro dos espelhos. Conto criativo, na história e na forma com que é contada. Sucinto, simples e misterioso.

6-A próxima (Tereza Cristina Lima): Menina suicida é salva de tentativa de suicídio por mãe católica e pai médico. Conto com mistério bem envolvente em relação a motivação da protagonista e uma resolução muito boa. Terror puxado ao psicológico e bem ambientado no Brasil.

7-Alice na casa assombrada (Arthur Tribuzzi): Alice é uma menina que está de mudança com seus pais para uma casa nova, mas ela não está nada feliz com a novidade. Na sua primeira noite seu urso de pelúcia Angus torna-se animado e tem uma ideia. O conto é bem narrado e passa a urgência no momento certo mas a ideia da casa assombrada como foi posta soa pouco brasileira, tampouco universal e mais terror padrão estadunidense.

8-Aquilo que não se vê (Helena Soares): Um padre chega a uma pequena cidade no sul do Brasil para um caso de exorcismo. Conto usa da sutileza e da sugestão para surpreender no final. Acredito que tenha funcionado comigo.

9-As cartas não mentem! (Felipe Oberon): Uma menina lê uma carta misteriosa da sua tia, Dona Iraci, para seus amigos. Conto com aquele gostinho bom de "causo" e que usa bem o artifício da carta para criar e desenvolver o mistério.

10-Asas da Vingança (Franco Nogueira): Conto clássico de vingança, mas que capricha na sua forma e é repleto de boas escolhas. Quando Esperança, a irmã mais nova de Coragem, é morta de forma brutal, sua irmã se torna Vingança. O conto sabe passar as informações minimas e necessárias com um bom estilo.

11-Baixo Augusta (Jack Cavalaria): Jovem de classe média cai no conto do boa noite Cinderela mas quando acorda seus problemas apenas começaram. Conto é bastante frenético mas não é nada sombrio, estando mais para o divertido na maioria das vezes. É muito bom mas desencaixado da proposta da coletânea.

12-Caçador de monstros (Aline Basoli): Um autointitulado caçador de monstros trava um diálogo consigo sobre como eliminar mais um monstro em São Paulo. Conto bem construído praticamente só com diálogos, o que é muito bacana mas o mistério do conto é rapidamente perceptível e infelizmente ele não avança muito mais que isso.

13-Carrancas (Paulo Souza): Felipe é um jovem que vai a uma cidadezinha em Alagoas pelo testamento de seu tio, último parente vivo que lhe deixou uma casa na cidade. A cidade histórica de Penedo se mostra macabra pelas pessoas e pelas carrancas, imagens que existem em todas as casas da cidade. Conto envolve bem o leitor e o final esperado não é menos assustador por causa disso.

14-Cascos e Cruz (Irene Syrogiannis): Pastor Maurício foge pelas ruas do Rio de Janeiro perseguido por uma besta descomunal enquanto reavalia seus próprios pecados. Conto sobre vingança, escrita seca e sem exageros que me agrada. Boa história.

15- Clube da Lobotomia (Davenir Viganon): Conto de minha autoria nessa antologia. O conto narra, em primeira pessoa, sobre como um rapaz conheceu uma mulher de cabelos roxos nas baladas paulistanas e como ela mudou sua vida para sempre. Tudo regado a drogas, sexo e um clube secreto. Procurei atender aos requisitos da edição que eram: a história deveria se passasse no Brasil, em ambiente urbano e que tivesse um clima sombrio, sem necessariamente ser terror. O conto tem tudo isso e alguma influência do cyberpunk. Não ouso me dar nota, apenas espero que leiam esse conto, algum um dia!

16-Complexo de Judas (Jefté Gabriel): João em um ato de raiva matou Madalena e seu amante e pede ajuda para Alan, seu amigo. Conto desenlaça um mistério maior entre os dois. O autor cria uma boa tensão e ressalto para o uso da tecnologia que influi na história, algo básico e muito esquecido para escrever uma história que se passa atualmente. O final é satisfatório.

17-Corpos (Branca): Clara é uma jornalista de imprensa marrom que investiga um caso de transferência de corpos, quando seu sogro, com quem não se dá bem, tem uma dica que pode levar até Ágata, a bruxa que alega ser capaz de fazer tal feitiço. Premissa já explorada, mas sempre apavorante. O mistério e destino de Clara são óbvios mas o conto vale pela boa condução.

18-De volta ao moinho (Clóvis M. Fajardo): Edson é um jornalista que investiga fenômenos paranormais, o que o leva até uma cidade pequena onde supostamente havia uma ceita que poderia levar até o livro dos mortos, o Necronomicon. Narrativa segue os passos de Lovercraft mas infelizmente não consegue adaptar a linguagem ao Brasil contemporâneo de forma natural, infelizmente soou genérico.

19-Desculpa (Rodrigo Sicário): Cíntia e seu marido, João, saem para jantar com a filha dele, Karina, do casamento anterior. Cíntia tem todos os motivos para estar irritada até que uma tragédia acontece. Conto se desenvolve muito bem durante todo o conto até o final excelente e tocante. Aplausos ao autor.

20-Desespero (Jonatha Victor Chagas Pereira): Maicom e Sandra vivem em seu apartamento em Fortaleza quando seu filho de colo some. Conto narra a perseguição frenética e trágica a seu filho. História crua e cruel, retratando um medo muito comum dos pais e extrapolando ao máximo, mas pouco mais profundo que isso.

21-Do outro lado da rua (Lucas Bustamante Van Wijk): "Leonardo trabalha duro num escritório de advocacia em Belo Horizonte. Numa noite em que voltava muito tarde para casa, é cercado por mistérios da noite que se confundem com seu cansaço. O conto se mantém misterioso até o fim, sem fazer referência direta a nenhuma lenda urbana em específico. É um bom conto, escrita correta e com um bom final. Talvez, aberto demais pois umas linhas a mais para explicação cairiam bem.

22-Doce Garota (K. Leine): Kaique mora em um condomínio tranquilo quando conhece Diana, a cuidadora do filho dos vizinhos novos. Após um breve envolvimento entre os dois a verdadeira face de Diana parece revelando um crime. Conto envolvente mostrando um mal não-sobrenatural. Interessante sucinto mas a revelação final não é suficiente boa para que o conto seja ótimo, apesar de bem escrito.

23-Encontro com a morte (Pollyana Koga): Ladrão invade casarão de casal para roubar joias e se depara com um terror inimaginável. Conto frenético que nos faz saborear cada momento como se fosse uma respiração, e o final nos deixa imaginativo, para que o leitor complete.

24-Eu não estou lá (Oghan Crann Criath): Homem sente que está indo a loucura quando enxerga sombras em seu apartamento. A narração em segunda pessoa é o grande diferencial do conto aumentando a paranoia do personagem e a relevação final apesar é boa, mas o  que atrai no conto é o desenvolvimento competente em trazer paranoia e angústia nos pequenos detalhes.

25-Fantasmas da Vida (Gabriel Walsh): Susana é uma menina pobre que vende geladinhos após seu pai morrer de câncer, que no dia de Natal é salva de bandidos pelo misterioso Etrom. Conto apela bastante para o drama, com clichês bastante óbvios, não indo muito além disso.

26-Fazendo as malas (Clayton Adriano Aleixo dos Anjos): Alan está no centro de São Paulo com um velho misterioso, mas logo vai descobrir o que aconteceu. Conto baseado nos diálogos e nas sensações do protagonista. Consegue manter o suspense mesmo com uma história comum, pois aqui a forma fez tudo valer a pena.

27-Fé (Ricardo André): Ela tem fé mesmo depois de perder o marido e o filho pelos desígnios do senhor. O conto narrado em primeira pessoa usa muito bem o único ponto de vista para sugerir que o que a protagonista do conto relata não foi exatamente daquela forma. Além de sombrio, é atual e bem escrito.

28-Final Feliz (Alex Rebonato): JC Ramos é um escritor de sucesso, com 15 livros publicados, quando a sua esposa pediu o divorcio. Ela era o seu pilar e na sua casa no interior do Espírito Santo ele tentaria voltar com ela. O conto é um caso clássico de traição. Os elementos do mistério estavam muito óbvios assim como o final.

29-Gatos (Rubem Travassos): Criança que mostra sinais de psicopatia, tenta lidar com as novas namoradas do pai solteiro. Conto clássico de psicopatia infantil, desenvolvimento linear com mistério e final óbvios.

30-Gavetas (José Gaspar): Uma mulher narra suas impressões do seu último encontro. Conto sucinto e direto mas bastante envolvente. É o menor conto do livro e mostra como a economia de palavras pode ser benéfica.

31-Hora azul (Rafael Lima): Misterioso homem narra sua visita para uma garota, que é objeto de obsessão. O grande atrativo é a narração em segunda pessoa, no tempo passado. A forma é interessante pois consegui preservar o suspense mesmo sem uma história elaborada. Bom conto.

32-Natureza Morta (Carlos Sanches): Um garoto filho de um vendedor ambulante, encontra conforto na vida dura com seu novo cachorro, o Trombada. Até que Lúcio, um pintor sinistro aparece na feira. Conto faz boa menção ao clássico Retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde e isso conta mais sobre o conto do que gostaria. Bom conto.

33-Noites de Inverno (Sylvio Kappes): Isabela vive sozinha e triste em Porto Alegre. Tem seu celular roubado de um mendigo mas o mendigo, que se mostra sinistro, a persegue. Conto consegue traçar um quadro de solidão e violência da metrópole com aquele elemento de sobrenatural que nunca se revela totalmente o que me lembra Joseph Conrad. Muito bom!

34-O Farol (Luana Frota): Garota vive numa cidade praiana perto de Fortaleza com pai e mãe. Ela está pouco adaptado até que  uma estranha vestido de preto vira sua confidente. Conto traz uma abordagem interessante da Morte pela reação da protagonista. Bom conto!

35-O preço do Sonho (Pedro Palaoro): Eleonor é uma cantora e compositora  que vive na Cidade Baixa em Porto Alegre, até que de passagem pelo Parque Redenção encontra um sujeito misterioso que o faz uma oferta que lhe trará tudo que sonhou, mas por um preço. O conto traça o caminho clássico da tentação mas o final ficou um pouco forçado, sem um preparo envolvente que merecia.

36-Pecados em Escarlate (Eduardo Novaes): Firmino, um velho escravizado do período imperial, relembra seus erros em seus momentos derradeiros antes da morte. A ambientação no passado dá frescor a coletânea contudo tudo parece uma mera introdução de algo maior que um conto em si. Ainda assim, muito bom!

37-Rosário (Rodrigo Tavares): Rosário acorda de manhã antes de seus pais e ruma para a floresta onde entrega-se aos ensinamentos de bruxaria. Conto narra o início e o fim de uma bruxa, é bem narrado. É como se tentasse sublimar, passar do início ao fim sem um meio.

38-Sombra (João Peçanha): Homem acorda sem memória e é perseguido por uma sombra e assolado por um medo inominável. O suspense é bem construído e o autor nos conduz bem até a a revelação final que é muito bem boa.

39-Teu futuro te condena (Aldenor Pimentel): Bebê assolado por uma profecia de que se tornará um assassino desde que nasceu, encontra seu momento crucial. Narrado como uma profecia dá uma forma maravilhosa para o conto, sem usar o máximo de palavras. Ótimo conto!

40-Vermelhas como sangue (Emily Cheryl): Mary vai ao interior de Minas Gerais para visitar sua irmã e sobrinho que sofrem violência do seu marido, Meseias porém quando ela chega na cidade, o sobrinho Guilherme está sozinho e sujo nas ruas da cidade. Gostei muito da história, mas acho que o conto pode ser melhor lapidado, pois não consegue estabelecer o suspense entregando muito cedo o final da história, tirando seu impacto.

41-Vulto (Vagner Neubert): Marcos está no hospital com sua esposa grávida prestes a parir, quando vê um vulto sombrio pelos corredores. Marcos sente que a vida de seu filho podia estar em risco. Conto deixa sua explicação em aberto e a forma como o suspense foi construído o torna uma excelente leitura. Muito bom!

42-Dentes (Andrei Simões): Nirril Lutho é um jovem bonito, rico e popular até que seu corpo passa por mudanças que não lembram em nada a puberdade. Conto muito criativo, parece ter influência em Chuck Palahniuk e prende a atenção do inicio até seu final. Maravilhosamente bizarro!

Destaques: 42-Dentes (Andrei Simões); 41-Vulto (Vagner Neubert); 39-Teu futuro te condena (Aldenor Pimentel); 38-Sombra (João Peçanha); 33-Noites de Inverno (Sylvio Kappes); 30-Gavetas (José Gaspar); 27-Fé (Ricardo André); 26-Fazendo as malas (Clayton Adriano Aleixo dos Anjos); 19-Desculpa (Rodrigo Sicário); 13-Carrancas (Paulo Souza); 10-Asas da Vingança (Franco Nogueira) e 05-A garota no espelho (Eduardo Velásquez).

Nenhum comentário:

Postar um comentário