terça-feira, 15 de outubro de 2019

Resenha #106 - Guanabara Real: Alcova da Morte (Enéias Tavares, Nikelen Witter e A. Z. Cordenonsi)

Esse romance foi escrito a seis mãos pelos gaúchos Enéias Tavares, A.Z. Cordenonsi e Nikelen Witter. Todos os três já têm obras de steampunk publicadas, e juntaram forças para criar um novo universo retrofuturista, usando a cidade do Rio de Janeiro do final do século 19 como cenário e personagem, com direito a máquinas diferenciais, carros a vapor e próteses mecânicas. Mas também onde a magia influencia o destino dos personagens, ainda que de forma oculta do cotidiano, tudo isso em meio a um mistério detetivesco. A obra faz uma bela celebração da diversidade, sem colocá-la como o motor da história.

São vinte e um capítulos, sete de cada autor. A trama é protagonizada por três agentes da agência particular de investigações Guanabara Real, que no ano de 1892 é contratada para investigar um assassinato ocorrido durante a festa de inauguração da estátua do Cristo Redentor, financiada pelo poderoso Barão do Desterro.

Tudo é contado do ponto de vista dos três protagonistas, na primeira pessoa, que são interrompidos em alguns momentos por epístolas e recortes de jornais que os heróis leem durante a história. Inclusive podemos ver a posição política de dois jornais diferentes, ao noticiarem misteriosos desaparecimentos: o jornal A República apoiando as autoridades do governo e a Tribuna Popular discursando para o povo.

Cada capítulo é escrito alternando a voz dos protagonistas: uma mulher, um negro e um índio, ou seja, os cidadãos de segunda classe, aos olhos do patriarcado branco.

Maria Teresa Floresta é a dona da agência Guanabara Real. É cheia de contatos pela cidade, principalmente entre os pobres e marginalizados, e tem um faro investigativo apurado. Ela também promove a harmonia entre os diferentes temperamentos de seus associados e amigos da agência. Nikelen Witter, autora também de Territórios invisíveis, trouxe a influência de Agatha Christie para a construção do mistério.

Firmino Boaventura é um engenheiro positivista que acredita na ciência para resolver crimes, e de certa forma o olhar científico é um modo de autoafirmação, contra o preconceito que sofre por ser negro e pela prótese mecânica que substitui a mão direita. O personagem de A.Z. Cordenonsi, autor também de Le Chevalier e a exposição universal, é a influência do steampunk na obra.

Remi Rudá, personagem de Enéias Tavares, é quem traz a influência lovercraftiana ao livro, por ser um especialista em ocultismo, alguém que domina as artes da magia. É descendente de indígenas, com gostos extremamente requintados, e vive em constante tensão com Firmino pela discrepância de suas especialidades. É de Enéias Tavares o premiado romance A lição de anatomia do temível Dr. Louison.

A diversidade social aparece na obra de maneira bastante fluída, apesar de não ser o centro da trama. Há os protagonistas que se unem pelos seus diferentes conhecimentos e habilidades, principalmente as de Maria Teresa, que conhece muito bem as áreas marginalizadas onde nasceu e cresceu. Entre os coadjuvantes, o destaque é a requintada Madame Leocádia, uma transexual dona do prostíbulo mais luxuoso da capital da recém-proclamada república.

Quanto à trama, é bem amarrada, porém sem muito espaço para maior complexidade, tanto pelo espaço que os passado pessoal dos protagonistas ocupa nas páginas quanto pela própria característica de prólogo de uma série que certamente se estenderá por mais livros. Algo que aliás é atiçado pelo final aberto e surpreendente.

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