terça-feira, 21 de julho de 2020

Resenha #141 - O Tempo em Marte (Philip K. Dick)

"O Tempo em Marte" (Martian Time-Slip, 1964) foi escrito no mesmo ano em que "Clãs da Lua Alfa" e "Espaço Eletrônico", e ainda que não tivesse escrito a maioria dos seus grandes clássicos (exceto "O Homem do Castelo Alto" que o precedeu) apresenta alguns dos seus temas mais populares, como a loucura e o questionamento da realidade.

A história conta sobre vários personagens em uma trama de poder no planeta Marte. Jack Bohlen trabalha como técnico de manutenção de eletrônicos arrumando praticamente qualquer coisa, quando recebe uma proposta de Arnie Kott um chefe sindical influente que deseja explorar os aparentes poderes mentais do menino autista Manfred Steiner. Enquanto tenta executar sua tarefa, Jack precisa lidar com a ganancia de Kott, o desejo que sente pela assistente de Kott, Doreen e a chegada de seu pai da Terra que tem interesses especulativos no planeta. Todas essas experiências o despertam para sua esquizofrenia, mas principalmente pelos mistérios de Manfred.

O ponto forte do livro é a trama bem construída entorno da ganância de Kott e da complexidade de Jack. O livro passa boa parte nos confundindo entre as manifestações de Manfred e as alucinações de Jack, mas Arnie rouba a cena com seu cinismo e ceticismo seletivo, uma vez que acredita em Manfred mas tenta tirar o proveito da forma mais prática e imoral possível. O destino do protagonista nos entrega momentos tão insólitos e intrigantes como em "Os Três Estigmas de Palmer Eldritch" cheios da ironia característica.

Contudo, como especulação de como seria a vida em Marte o livro tem problemas sérios. Em 1964, no mesmo ano de lançamento do livro, a sonda estadunidense Mariner 4 foi a primeira a ter sucesso ao passar por Marte confirmando a impossibilidade de que existisse alguma civilização antiga no planeta. A última pá de cal no mito dos homenzinhos verdes marcianos. Apesar do aparente otimismo em imaginar uma colonização em Marte já iniciada em 1994, o modelo parece satirizar o período colonial da história dos EUA. Existe um povo nativo, os bleeks, que tem crenças fortes de que há algo mais em Manfred. Figuras com muito poder e pouco contato com a metrópole/Terra, em choque com novas possíveis ondas de imigrantes. Sabemos, no entanto, que são as considerações metafísicas e não as políticas-sociais que fazem a obra do autor ser lembrada e a segunda metade do livro reserva boas "viagens" ao leitor. É um livro menos complexo que as obras mais maduras, mas para quem ainda não conhece o autor pode começar por ele.

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